Camarão que dorme a onda (de plásticos) leva

Foto: Canva

A diplomacia do multilateralismo não para e enquanto delegados climáticos decolavam de Baku, no Azerbaijão, após uma decisão final na COP29, delegados ambientais pousavam em Busan, na Coreia do Sul, para outra negociação. A ocasião se dá por razão da chamada INC-5, ou Quinta Sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação para definir o Tratado Global sobre Plásticos.

O mandato para construí-lo foi alocado no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), por intermédio da Resolução 5/14, de 2 de março de 2022, quando os países solicitaram ao diretor-executivo do PNUMA que iniciasse um Comitê Intergovernamental de Negociação (INC, em inglês) para desenvolver o instrumento jurídico em questão. Baseado no espírito constitutivo da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, adotada no Rio de Janeiro, em 1992, estabeleceu-se que o tratado deveria alicerçar-se em uma abordagem abrangente do ciclo de vida completo do plástico – produção, design e descarte.

O primeiro INC começou já no segundo semestre de 2022, com o horizonte final datado para 2024. O tempo chegou e a quinta sessão, programada para 25 de novembro até 1 de dezembro, está se desenvolvendo com batidas na mesa e notória presença de lobistas fósseis. Isso porque o centro da negociação envolve uma oportunidade única de reduzir o uso de plásticos em nível global, uma vez que o instrumento será legalmente vinculante e incorrerá em Planos Nacionais de Redução da Poluição Plástica.

Para o sucesso do tratado, quatro elementos mínimos precisam de ser devidamente incluídos na linguagem final:

  1. Metas objetivas e aferíveis de redução de produção plástica;

  2. Vedação à produção plástica a partir de químicos nocivos à saúde;

  3. Promoção global da economia circular; e

  4. Garantia de comparabilidade dos dados de implementação entre os 175 países na mesa de negociação.

Sem um tratado ambicioso e coordenado, a poluição plástica poderá triplicar até 2060, comprometendo ecossistemas, saúde pública e metas climáticas globais. Isto é, além da ameaça à biodiversidade marinha e costeira, a poluição plástica traz sérios riscos à saúde, como os efeitos carcinogênicos dos microplásticos. No entanto, o impacto vai além: a produção de plásticos, majoritariamente derivada de combustíveis fósseis, libera gases tóxicos e de efeito estufa na atmosfera, contribuindo significativamente para a crise climática.

Em 2019, a produção global de plásticos primários gerou cerca de 2,24 gigatoneladas métricas de emissões, o equivalente a mais de 500 milhões de carros movidos a gasolina rodando por um ano, segundo pesquisa do Lawrence Berkeley National Laboratory. A redução da produção plástica, portanto, não apenas combate a poluição, ao passo que é um passo incontornável para mitigar as mudanças climáticas.

Os lobistas fósseis sabem disso. Stewart Harris, porta-voz do Conselho Internacional de Associações Químicas, um grupo comercial, afirma que: “Acreditamos que um acordo focado em acelerar a circularidade e acabar com o descarte de resíduos plásticos no meio ambiente é fundamental”. Entretanto, Harris e outros advogam contra a inserção textual da vedação da produção plástica a partir de químicos nocivos à saúde humana e animal, bem como contra a restrição vinculante da produção plástica. Preferem que haja metas “nacionalmente voluntárias” de redução da produção de acordo com as capacidades instaladas nos países.

Ainda, de acordo com o levantamento do Center for International Environmental Law (CIEL), 220 lobistas das indústrias de combustíveis fósseis se registraram para o INC-5. Desta forma, a delegação em prol da poluição plástica é a maior desta rodada de negociação e superam os 140 representantes do país anfitrião, a Coreia do Sul;  os 191 delegados da União Europeia e seus 27 Estados-membros; e os da América Latina e Caribe, com 165 delegados. Como se o absurdo não fosse suficiente, países como a China, o Egito e, até mesmo a Finlândia, registraram lobistas fósseis dentro de suas delegações nacionais. 

Outra vez, mais um momento histórico do multilateralismo se desenrola diante dos nossos olhos. Garantir o abandono gradual e seguro dos plásticos de uso único é decisivo para a habitabilidade do planeta, não dá para tergiversar mais. Afinal, camarão que dorme, a onda (que esperamos que não seja a de plástico!)  leva. 


Pare o Tsunami de Plástico

Organizada pela Oceana e mais de 60 organizações da sociedade civil, a campanha Pare o Tsunami de Plástico foi lançada em 2023. O Instituto Talanoa faz parte da iniciativa. O objetivo é que a sociedade brasileira se mobilize pela redução da produção excessiva de plástico descartável e em apoio ao Projeto de Lei (PL) 2524/2022, para evitar a geração de resíduos plásticos de uso único, por intermédio da transição para uma economia circular com modelos de negócios que contribuam para o funcionamento eficiente do mercado interno e da vida nos sistemas humanos e não humanos.

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