Em um país caracterizado por desigualdades estruturais profundas, os impactos das mudanças climáticas afetam de maneira desproporcional populações negras, periféricas, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, juventude e idosos. O Brasil apresenta grandes desafios para se adaptar frente ao aumento da recorrência de eventos extremos, desde enchentes, inundações e secas, até o agravamento de processos de desertificação e de elevação do nível do mar.
No dia 23 de Outubro, o governo federal lançou a consulta pública sobre a Estratégia Nacional de Adaptação, que faz parte do Plano Clima. Já fizemos um diagnóstico positivo do documento, leia lá no blog. Contudo, reconhecendo a importância desta iniciativa e o papel da sociedade civil em contribuir para a superação dos desafios climáticos, nós do Instituto Talanoa apresentamos um conjunto de ajustes estratégicos à consulta. Submetemos 12 propostas na Plataforma Brasil Participativo para tornar essa estratégia mais inclusiva, eficaz e alinhada às metas globais de adaptação climática no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). Apontamos a seguir os principais temas de nossas sugestões:
1. Risco de maladaptação
Quando se trata da implementação de medidas de adaptação climática, não bastam boas intenções. É preciso considerar que toda e qualquer medida de adaptação, se mal formulada e implementada, pode tornar-se maladaptação. Essas ações podem aumentar o risco de futuros danos, transferir vulnerabilidades para outros grupos ou regiões, ou resultar em custos sociais, ambientais ou econômicos indesejados. A proposta Talanoa enfatiza que medidas de adaptação devem ser desenhadas de forma a evitar a maladaptação, garantindo a não transferência de vulnerabilidades, nem ampliação de desigualdades nas medidas de adaptação implementadas.
2. Foco em “perdas e danos”
Entendemos que a Estratégia Nacional de Adaptação deve ter como premissa minimizar as perdas e danos por meio das ações de adaptação, ao passo que deve prever diretrizes específicas para responder às perdas e danos (econômicas e extra-econômicas), quando a adaptação já não é suficiente. Além disso, sugere-se o desenvolvimento de mecanismos financeiros inovadores e financiamento adicional baseado em doações, evitando que estratégias de financiamento gerem novos endividamentos, especialmente para municípios com baixa capacidade orçamentária.
3. Vínculo com a NDC brasileira
Medidas de adaptação apresentam limites e devem caminhar junto com as medidas de mitigação, tendo em vista que o Brasil é um dos principais emissores mundiais de gases do efeito estufa. Com o fim de garantir a efetividade dos co-benefícios entre adaptação e mitigação, como está estabelecido na mais recente Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), o Brasil deve se comprometer a reduzir suas emissões ao limite inferior da banda definida, de 0,85GtCO2. Isso assegura que o Brasil avance simultaneamente em ambas as frentes, com uma abordagem integrada e eficaz.
4. Garantia de equidade na governança
As populações mais impactadas pelas mudanças climáticas no Brasil incluem comunidades periféricas, mulheres agricultoras, povos tradicionais e pessoas com deficiência. Nesse contexto, a Talanoa sugere a inclusão de juventude e povos indígenas entre os grupos prioritários da Estratégia, além do reconhecimento das disparidades regionais como uma dimensão essencial na promoção da justiça climática.
Quanto à participação da sociedade civil nas instâncias do Plano Clima Adaptação, o documento em questão menciona a Estratégia Transversal de Monitoramento e Avaliação do Plano Clima como espaço de monitoramento participativo para a Sociedade Civil, do Setor Empresarial e da Comunidade Científica. Ponderamos que este espaço deve refletir a diversidade do Brasil, com representatividade de populações vulnerabilizadas e dos diferentes biomas. Além disso, é fundamental garantir paridade entre representantes do governo, sociedade civil, setor empresarial e comunidade científica, garantindo o equilíbrio do processo participativo.
5. Uso de dados desagregados
A utilização de dados desagregados para o diagnóstico de vulnerabilidades e riscos é fundamental para garantir medidas de adaptação climática baseadas em evidências e territorialmente localizadas. Nesse sentido, é importante que os dados disponíveis no Censo Demográfico do IBGE sejam levados em conta pelos formuladores de políticas públicas, com atenção especial aos dados sobre povos indígenas, povos quilombolas e comunidades tradicionais e favelas.
6. Critérios para priorização de ações
Consideramos fundamental que critérios e parâmetros específicos sejam definidos para a priorização de ações de adaptação no âmbito do Plano Clima Adaptação. Diagnósticos baseados em análises de riscos e vulnerabilidades climáticas, por exemplo, poderiam orientar quais territórios, biomas e populações encontram-se mais vulneráveis a eventos extremos.
7. Formas de financiamento acessíveis
Quando falamos de financiamento para adaptação, é importante atentar-se não somente à quantidade de financiamento, mas à sua qualidade. É essencial a diversificação das fontes de financiamento para adaptação para estados e municípios. Por isso, consideramos que a Estratégia Nacional de Adaptação deve orientar a priorização de formas de financiamento adicional, baseado em doações e livre de endividamento.
8. Capacitação de entes subnacionais
Quanto à gestão do conhecimento e transparência dos dados sobre adaptação climática no Brasil, consideramos ser papel do governo federal apoiar a promoção da capacidade institucional dos entes subnacionais, principalmente no âmbito municipal. Assim, estimula-se uma gestão do conhecimento eficiente, seja por meio de formação técnica, ferramentas tecnológicas e outras formas de cooperação intergovernamental.
9. Alinhamento com o Acordo de Paris
Para a implementação da Estratégia Nacional de Adaptação, bem como dos 16 planos setoriais a serem desenvolvidos nos próximos meses, recomendamos a inclusão dos indicadores a serem definidos para a Meta Global de Adaptação (GGA) como parte dos mecanismos de monitoramento e avaliação do Plano Clima Adaptação.
Em nosso primeiro diagnóstico sobre a Estratégia, avaliamos que ela está alinhada à quase todas as metas temáticas do Quadro dos Emirados Árabes Unidos para Resiliência Climática Global – FGCR1. Existe a expectativa de que até a COP 30, em 2025, uma lista de aproximadamente 100 indicadores seja estabelecida no âmbito do GGA para alcançar as metas temáticas estabelecidas.