Estratégia Nacional de Adaptação: Propostas da Talanoa para um Brasil resiliente

Bairro Humaitá, em Porto Alegre (RS), após chuvas de junho de 2024, mostra como as mudanças climáticas afetam de forma desproporcional as pessoas. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Em um país caracterizado por desigualdades estruturais profundas, os impactos das mudanças climáticas afetam de maneira desproporcional populações negras, periféricas, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, juventude e idosos. O Brasil apresenta grandes desafios para se adaptar frente ao aumento da recorrência de eventos extremos, desde enchentes, inundações e secas, até o agravamento de processos de desertificação e de elevação do nível do mar.

No dia 23 de Outubro, o governo federal lançou a consulta pública sobre a Estratégia Nacional de Adaptação, que faz parte do Plano Clima. Já fizemos um diagnóstico positivo do documento, leia lá no blog. Contudo, reconhecendo a importância desta iniciativa e o papel da sociedade civil em contribuir para a superação dos desafios climáticos, nós do Instituto Talanoa apresentamos um conjunto de ajustes estratégicos à consulta. Submetemos 12 propostas na Plataforma Brasil Participativo para tornar essa estratégia mais inclusiva, eficaz e alinhada às metas globais de adaptação climática no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). Apontamos a seguir os principais temas de nossas sugestões:


1. Risco de maladaptação

Quando se trata da implementação de medidas de adaptação climática, não bastam boas intenções. É preciso considerar que toda e qualquer medida de adaptação, se mal formulada e implementada, pode tornar-se maladaptação. Essas ações podem aumentar o risco de futuros danos, transferir vulnerabilidades para outros grupos ou regiões, ou resultar em custos sociais, ambientais ou econômicos indesejados. A proposta Talanoa enfatiza que medidas de adaptação devem ser desenhadas de forma a evitar a maladaptação, garantindo a não transferência de vulnerabilidades, nem ampliação de desigualdades nas medidas de adaptação implementadas.


2. Foco em “perdas e danos”

Entendemos que a Estratégia Nacional de Adaptação deve ter como premissa minimizar as perdas e danos por meio das ações de adaptação, ao passo que deve prever diretrizes específicas para responder às perdas e danos (econômicas e extra-econômicas), quando a adaptação já não é suficiente. Além disso, sugere-se o desenvolvimento de mecanismos financeiros inovadores e financiamento adicional baseado em doações, evitando que estratégias de financiamento gerem novos endividamentos, especialmente para municípios com baixa capacidade orçamentária.


3. Vínculo com a NDC brasileira 

Medidas de adaptação apresentam limites e devem caminhar junto com as medidas de mitigação, tendo em vista que o Brasil é um dos principais emissores mundiais de gases do efeito estufa. Com o fim de garantir a efetividade dos co-benefícios entre adaptação e mitigação, como está estabelecido na mais recente Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), o Brasil deve se comprometer a reduzir suas emissões ao limite inferior da banda definida, de 0,85GtCO2. Isso assegura que o Brasil avance simultaneamente em ambas as frentes, com uma abordagem integrada e eficaz.


4. Garantia de equidade na governança 

As populações mais impactadas pelas mudanças climáticas no Brasil incluem comunidades periféricas, mulheres agricultoras, povos tradicionais e pessoas com deficiência. Nesse contexto, a Talanoa sugere a inclusão de juventude e povos indígenas entre os grupos prioritários da Estratégia, além do reconhecimento das disparidades regionais como uma dimensão essencial na promoção da justiça climática.

Quanto à participação da sociedade civil nas instâncias do Plano Clima Adaptação, o documento em questão menciona a Estratégia Transversal de Monitoramento e Avaliação do Plano Clima como espaço de monitoramento participativo para a Sociedade Civil, do Setor Empresarial e da Comunidade Científica. Ponderamos que este espaço deve refletir a diversidade do Brasil, com representatividade de populações vulnerabilizadas e dos diferentes biomas. Além disso, é fundamental garantir paridade entre representantes do governo, sociedade civil, setor empresarial e comunidade científica, garantindo o equilíbrio do processo participativo.


5. Uso de dados desagregados  

A utilização de dados desagregados para o diagnóstico de vulnerabilidades e riscos é fundamental para garantir medidas de adaptação climática baseadas em evidências e territorialmente localizadas. Nesse sentido, é importante que os dados disponíveis no Censo Demográfico do IBGE sejam levados em conta pelos formuladores de políticas públicas, com atenção especial aos dados sobre povos indígenas, povos quilombolas e comunidades tradicionais e favelas.


6. Critérios para priorização de ações

Consideramos fundamental que critérios e parâmetros específicos sejam definidos para a priorização de ações de adaptação no âmbito do Plano Clima Adaptação. Diagnósticos baseados em análises de riscos e vulnerabilidades climáticas, por exemplo, poderiam orientar quais territórios, biomas e populações encontram-se mais vulneráveis a eventos extremos.


7. Formas de financiamento acessíveis

Quando falamos de financiamento para adaptação, é importante atentar-se não somente à quantidade de financiamento, mas à sua qualidade. É essencial a diversificação das fontes de financiamento para adaptação para estados e municípios. Por isso, consideramos que a Estratégia Nacional de Adaptação deve orientar a priorização de formas de financiamento adicional, baseado em doações e livre de endividamento.


8. Capacitação de entes subnacionais

Quanto à gestão do conhecimento e transparência dos dados sobre adaptação climática no Brasil, consideramos ser papel do governo federal apoiar a promoção da capacidade institucional dos entes subnacionais, principalmente no âmbito municipal. Assim, estimula-se uma gestão do conhecimento eficiente, seja por meio de formação técnica, ferramentas tecnológicas e outras formas de cooperação intergovernamental.


9. Alinhamento com o Acordo de Paris

Para a implementação da Estratégia Nacional de Adaptação, bem como dos 16 planos setoriais a serem desenvolvidos nos próximos meses, recomendamos a inclusão dos indicadores a serem definidos para a Meta Global de Adaptação (GGA) como parte dos mecanismos de monitoramento e avaliação do Plano Clima Adaptação.

Em nosso primeiro diagnóstico sobre a Estratégia, avaliamos que ela está alinhada à quase todas as metas temáticas do Quadro dos Emirados Árabes Unidos para Resiliência Climática Global – FGCR1. Existe a expectativa de que até a COP 30, em 2025, uma lista de aproximadamente 100 indicadores seja estabelecida no âmbito do GGA para alcançar as metas temáticas estabelecidas.


1 São elas: Água, Comida, Saúde, Ecossistemas, Infraestrutura, Redução da pobreza, Patrimônio cultural.

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