SBCE ✅? NCQG?…

Parece que foi ontem. Terminávamos 2023 esperançosos de que ainda nas primeiras semanas de 2024 teríamos aprovada a Lei que instituiria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Ledo engano. Só veio acontecer mais de 40 semanas depois: nesta. Mas veio. 

Produto de uma costura entre Câmara, Senado e governo federal, o SBCE – que também atende por mercado brasileiro de carbono – passa a ser efetivamente um dos elementos da política climática nacional, como já se prometia desde 2009. E mais do que isso: desde semana passada, ao figurar expressamente no texto final da nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira, ele passou a ser um dos instrumentos do projeto nacional de desenvolvimento de baixo carbono para o país. 

O texto aprovado pelo Legislativo, e que agora segue para sanção presidencial, traz as definições gerais para a instituição do SBCE. Os detalhes para a operacionalização serão conhecidos na regulamentação, cuja edição deve ocorrer no prazo de um ano, prorrogável por mais um. Somadas todas as fases de implementação, o sistema estará operando plenamente ao fim desta década. Para induzir mudança comportamental e garantir eficácia, a Lei fixará penalidades conforme infrações cometidas por operadores integrados ao SBCE, na expectativa de reduzir progressivamente as emissões do país pelo aperfeiçoamento de processos produtivos. Será o caso de indústrias de cimento, siderúrgicas e de energia, por exemplo.

Ou seja, a importância de um Sistema de Comércio de Emissões está ligada a trazer os setores Energia e Processos Industriais para dentro do jogo, o que por sua vez estimula a ordem do dia na emergência climática: transição energética. Uma vez instituído, o mercado conclama esses setores a mirarem em eficiência de funcionamento e, claro: compromisso com as metas climáticas nacionais, que jamais seriam atingidas por mero esforço estatal ou individual. É a aplicação prática de uma lógica de coletividade que envolve o setor privado pelas mãos de um instrumento credibilizado pelo próprio setor: um mercado.

É bem verdade que as regulamentações necessárias para que o SBCE aterrisse na prática ainda devem levar algum tempo. Mas o maior passo foi dado e agora é em definitivo.

No final de 2022, a Política por Inteiro já recomendava que o SBCE deveria ser uma das 10 prioridades para a descarbonização do Brasil de 2023-2026. Nesta semana, fizemos uma nova análise sobre este marco regulatório.

Aguardamos agora a sanção do presidente Lula. O SBCE denota ainda alguns pontos de preocupação, levantados pela sociedade civil e organizações indígenas e de povos e comunidades tradicionais. Desta forma, o texto final impõe a supervisão e o acompanhamento do Ministério Público Federal, FUNAI e Ministério dos Povos Indígenas para projetos privados e Programas Jurisdicionais. 

Se por um lado, finalmente, destravou no Brasil o SBCE, em Baku, as negociações na COP 29 em busca de uma meta de financiamento climático seguiram emperradas até o fechamento deste boletim, ultrapassando a data prevista para o fim da conferência. Não adiantaram os recados vindos, durante a semana, dos líderes do G20, reunidos no Rio de Janeiro. Os aguardados números de uma nova meta só foram colocados no papel no último dia da COP 29, prolongando o encontro para além da derradeira sexta-feira (22).

Confira como foi a segunda semana de COP 29

TÁ LÁ NO GRÁFICO

Nesta semana, o Tá Lá no Gráfico explica por que o mercado regulado de carbono é um instrumento fundamental para induzir a descarbonização de certos setores da economia. A aprovação da lei que institui no Brasil um sistema de comércio de emissões é um passo para o país lidar com os desafios da transição nos setores de Energia e Processos Industriais. 

Entenda no Tá Lá no Gráfico como funcionará o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, o que já está na lei que deve ser sancionada e os principais pontos a se acompanhar na regulamentação.

FRASE DA SEMANA

NDCs ambiciosas não são opcionais: são oportunidades que nenhum país pode perder.

Simon Stiell, Secretário Executivo da ONU para Mudanças Climáticas, no evento NDC Partnership durante a COP29, dia 20 de novembro. Foto: COP29/Vuqar Ibadov.

ABC DO CLIMA

Os dois conceitos abaixo estão incluídos no PL 182/2024, que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). São ativos transacionáveis no mercado regulado de carbono brasileiro e estão diretamente relacionados.

Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE):
É um tipo de “crédito de carbono” que pode ser transacionado no âmbito do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Ele representa a redução ou remoção real de uma tonelada de CO₂ ou gases equivalentes da atmosfera. Para ser válido, precisa seguir regras específicas e ser registrado no SBCE.

 

Cota Brasileira de Emissões (CBE):
É como uma “permissão para emitir” que também pode ser transacionada no âmbito do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Cada cota dá o direito de emitir uma tonelada de CO₂ ou gases equivalentes. Essa permissão é emitida pelo órgão responsável pelo SBCE e pode ser outorgada de forma gratuita ou vendida para empresas que precisem dela, caso não atinjam sua meta de redução de emissões.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 7 atos relevantes para a política climática nesta semana. A classe mais frequente foi Regulação, com 3 atos, incluindo a criação de um assentamento em Minas Gerais, um reconhecimento de território quilombola em Sergipe e o estabelecimento da diretriz de uso preferencial de etanol nos veículos bicombustíveis da frota do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Já o tema mais captado foi Terras e Territórios, com 3 normas, incluindo o emprego da FNSP na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira, no Paraná.

Com atraso, é criada a Comissão Nacional de Bioeconomia 

Em junho deste ano, dentro do habitual “pacote” de atos oficiais alusivos ao Dia Mundial do Meio Ambiente, o Brasil instituía, via Decreto, sua Estratégia Nacional de Bioeconomia. Ele também trazia a figura de uma Comissão Nacional para o assunto, que deveria ser criada até o dia 6 de julho (art. 7º), o que não aconteceu. 

Apenas nesta semana, com 135 dias de atraso, é que a Comissão foi finalmente criada, em portaria envolvendo 32 instituições, dentre as quais os ministérios da Fazenda (MF), Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), que a presidirão, em sistema de rodízio. 

A Comissão é a instância central de elaboração e de acompanhamento do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio), concebido para ser uma das principais engrenagens do Plano de Transformação Ecológica do Brasil, assim como os Planos de Prevenção e Controle do Desmatamento nos biomas brasileiros, a exemplo do PPCDAm, para a Amazônia Legal. 

A Comissão, de caráter permanente, é consultiva e deliberativa para o PNDBio, e fará sua 1ª reunião “ainda em 2024”, diz uma fonte no MMA. Dados a profundidade e o caráter estratégico do PNDBio para o fomento à produção sustentável no Brasil, será preciso acelerar o andamento da Comissão, a fim de que resultados concretos “para além do papel” sejam alcançados ainda antes do término do mandato governamental, que já vai chegando à metade.

Comitê Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas

Em portaria interministerial envolvendo o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e mais 9 ministérios, foi criado o Comitê Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas para monitorar a implementação da Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas – PNSIC.

Como instrumentos da PNSIC foram instituídos a Estratégia Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas, aprovada em 2020, e o Plano Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas – Plansic, aprovado em 2022.

O Comitê Nacional criado agora é presidido pelo GSI/PR e conta com 15 ministérios em sua composição. O objetivo é atualizar tanto a Estratégia quanto o Plano, além de promover e monitorar a implementação da Política como um todo.

BRASIL

SIRENE Organizacionais 

O Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) anunciou, na COP 29, na última terça-feira (19) o primeiro ciclo de submissão de inventários de emissões de gases de efeito estufa (GEE) do SIRENE Organizacionais, uma plataforma pública e gratuita. Voltado para o setor privado, empresas podem submeter voluntariamente seus inventários de emissões, independente do porte ou área de atuação. O objetivo dessa iniciativa é dar visibilidade e transparência das experiências das iniciativas brasileiras referentes à mensuração, relato e verificação (MRV), periodicamente. O prazo final para submissão é dia 13 de dezembro.

Recursos para saúde na Amazônia

Nesta semana, o Ministério da Saúde (MS) determinou repasses financeiros a 14 municípios na Amazônia Legal que enfrentam “queimadas, secas e crises climáticas”. As portarias podem ser consultadas aqui, aqui e aqui. O objetivo é melhorar a estrutura da saúde pública local para receber pessoas adoecidas pela fumaça provocada por incêndios florestais, além da própria seca – que eleva as temperaturas locais – e ameaça a fisiologia do organismo humano. O Amazonas é o estado com mais municípios beneficiados. 

Nesta leva, os repasses totalizaram R$ 5,6 milhões e saíram da conta do Fundo Nacional da Saúde direto para os respectivos fundos municipais. Idosos e crianças apresentam maior fragilidade no sistema respiratório, além do risco sempre presente da desidratação. Inalar fumaça também afeta a atividade cerebral e o sistema nervoso. Semanas atrás, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, já havia alertado que o agravamento das condições climáticas tem trazido forte impacto no sistema de saúde, até mesmo com falta de leitos em alguns casos.

MUNDO

Declaração de Líderes do G20 

Nesta semana, o Rio de Janeiro recebeu a reunião de Cúpula do G20. Uma Declaração de Líderes foi divulgada, com a pauta climática como um de seus elementos centrais. Apesar do estica-e-puxa com a Argentina que não estava exatamente disposta a acompanhar o tom do anfitrião a versão final do documento traz o compromisso de “ampliar e acelerar a ação climática”. 

Com 24 páginas, o destaque vai para o bloco do “Desenvolvimento Sustentável, Transições Energéticas e Ação Climática”, que contém 25 dos 85 pontos, evidenciando assim o peso dado pelo G20 à agenda. Para se ter uma ideia, o Acordo de Paris, elemento central das discussões climáticas globais, é mencionado 9 vezes, enquanto as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) são citadas 3 vezes no documento.

A Vaca (Muerta) foi pro brejo

Durante a Cúpula de Líderes do G20, o Ministério de Minas e Energia (MME) assinou um acordo com o governo argentino para viabilizar a exportação do gás natural extraído da reserva de Vaca Muerta, em Neuquén, Norte da Patagônia argentina, para o Brasil. A região é a segunda maior reserva de gás não convencional do mundo, extraído pelo método de fracking. A população Mapuche, de Neuquén, onde fica a reserva, reivindica seu território ancestral e teme um genocídio, já que não houve processo de consulta e a extração está em operação desde 2017, gerando diversos conflitos sociais e causando degradação ambiental. Apesar dos diversos impactos socioambientais atribuídos ao fracking, o Ministro do MME, Alexandre Silveira, vê a iniciativa como uma importante entrega do programa Gás para Empregar.

O memorando de entendimento entre os dois países prevê a criação de um grupo de trabalho para avaliar a infraestrutura necessária para trazer o combustível fóssil da Argentina para o Brasil. A rota de importação do gás ainda será definida, havendo a possibilidade de aproveitar a infraestrutura da Gasbol, que já conecta o gás boliviano ao território brasileiro.

Destaques da fala de Lula no G20

Em seu discurso, no último dia da Cúpula do G20, o presidente Lula conclamou as maiores economias do mundo (e mais a União Africana, recém-admitida como membro permanente do grupo) a elevarem seus níveis de ambição climática, frente ao aumento da temperatura global. Vale lembrar que o G20 detém 82% de todo o PIB global e, portanto, inegável relevância estratégica para a diplomacia climática a essa altura do campeonato. Acesse o nosso blog e confira a análise que fizemos sobre o discurso.

Visita chinesa rendeu

Depois de 20 anos, a China faz uma visita oficial de Estado ao Brasil. O presidente da República Popular da China, Xi Jinping, se reuniu com Lula e grande comitiva de ambos os países. Na declaração conjunta do encontro bilateral, mudanças climáticas são mencionadas como um pilar importante para fortalecer a cooperação entre os dois países, além do compromisso com o desenvolvimento sustentável, a transição para economias de baixo carbono e o apoio mútuo em iniciativas ambientais e climáticas, como o Acordo de Paris. Não menos importante foi a promoção de infraestrutura verde e energia renovável, mencionadas como estratégias para mitigar os impactos climáticos e impulsionar resiliência. Nesse quesito, algo que merece atenção foi a assinatura do memorando do Plano de Cooperação do Governo da República Federativa do Brasil e do Governo da República Popular da China para o estabelecimento de sinergias entre o Programa de Aceleração do Crescimento, o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica, o Programa Rotas da Integração Sul-americana, e a Iniciativa Cinturão e Rota, indicativo de colaboração para a agenda de adaptação.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 4 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 16 municípios. Mais uma semana em que a Estiagem é a situação mais registrada no país, concentrada nas regiões Norte e Nordeste. Eventos de Granizo e Vendaval foram registrados de maneira pontual no Sul do Brasil. No estado do Amapá, foi registrada uma ocorrência de pragas/infestações, alocado na classe Outros.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

G1 – Globo.com Natalie Unterstell é ouvida para falar sobre o rascunho do texto final da COP29.
Jornal Hoje – Globo Especialista Shigueo Watanabe Jr. explica sobre a aprovação do mercado de carbono regulado.
O ECO Marta Salomon participou do podcast Entrando no Clima pra falar sobre o impacto da declaração do G20.
ECOA – UOL Reportagem cita análise do Instituto Talanoa sobre COP29 e NDCs.
(O texto deste Boletim Semanal é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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