Não tem jeito. O grande destaque da semana foi mesmo a revelação da nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil. Nela, estão os compromissos que devem direcionar os esforços de descarbonização de todas as políticas e setores da vida brasileira, de 2025 até 2035. A Política por Inteiro analisou detalhadamente os principais pontos da nova NDC e colocou lupa nos desafios que o Brasil terá adiante para realmente caminhar em uma trajetória consistente de redução de suas emissões de carbono. E, claro, não sejamos ingênuos: será também não se desgarrar dessa trajetória no decorrer do tempo, ao sabor das intempéries políticas.
No 3º dia da COP29, em Baku, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tratou logo de dizer que, para o Brasil, apresentar a NDC “não é entregar um número ou um percentual [de redução de emissões]”. “O que estamos entregando aqui é um novo paradigma para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. E é esse paradigma que vai nos fazer sustentar, de forma duradoura, a redução de CO2”, disse, com a visão de futuro que lhe é peculiar. No entanto, sabe aquela sensação de quando parece que está faltando algo? Pois é.
É bem verdade que os dados que servem de base para toda a matemática brasileira de redução de emissões – assim como os números projetados de performance – não deixam dúvida: o país está, sim, se comprometendo oficialmente a reduzir o seu patamar de emissões nos próximos anos. Contudo, o “dava pra ser melhor” marcou presença novamente. No “quali” e no “quanti”.
Quer um exemplo? O desafio lançado propõe que o país reduza as emissões brasileiras em uma “banda” que vai de 59% (1,05 gigatonelada de CO2) a 67% (0,85 gtonCO2) em comparação aos níveis de 2005, um referencial, convenhamos, distante. É a primeira vez que o Brasil apresenta não um alvo fixo de emissões, mas uma faixa a ser perseguida. Quando trazemos esse intervalo para o Brasil de 2019, significa uma banda de redução de apenas 39% a 50%. Poderia ser maior, dada a emergência em que estamos. O ano de 2019 é dado como referência global na última avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e citado no Balanço Global (GST). O governo insistiu que está mirando o extremo mais elevado de corte (850 MtCO2e em 2035). Colocou que o valor de 1.050 MtCO2e servirá como referência para eventuais transferências internacionais de resultados de mitigação (ITMOs). A ver se essa banda não desafina.
Em termos qualitativos, o desafio de empreender um modelo de desenvolvimento nacional que transforme o país pelas mãos da ecologia também poderia ser encarado de maneira mais incisiva. Em especial se o país verdadeiramente pulasse de cabeça para fazer sua transição energética. Apesar de um texto robusto quanto ao pacote de políticas públicas multissetoriais que devem levar o país a ficar com emissões anuais em torno de 1 bilhão de toneladas de CO2 até 2035 – degrau intermediário para alcançar o net zero até 2050 – os compromissos no setor de Energia até mencionam uma “substituição gradual de fósseis”, mas não são exatamente claros em nos aproximar do transitioning away, bússola desde Dubai.
Atualmente, grande parte dos resultados do Brasil estão e estarão no curto prazo ligados a reduzir emissões provenientes do setor de florestas, algo que o país, neste século, já provou que sabe fazer. No entanto, como o país está se preparando para quando o desmatamento houver sido controlado?
Vamos admitir que se concretizem as seguintes hipóteses de futuro:
- Em 2030, o Brasil alcança o tão sonhado desmatamento ilegal zero, ou fica muito próximo disso. Nada improvável, certo? Já que o país chegou a reduzir 83% do desmatamento na Amazônia há menos de 2 décadas atrás, e agora já o está baixando de novo, em percentuais consistentes;
- O desmatamento legal, apesar de não ter sido objeto de redução na nova NDC, terá suas emissões equivalentes devidamente compensadas – como diz o texto final. Além disso, o PLANAVEG, o ABC+ e outras políticas-chave, com mecanismos financeiros bem estabelecidos, funcionariam para ajudar nessa compensação.
Pois bem. Quando essas hipóteses se confirmarem… Qual será a grande prioridade da política climática brasileira em 2031? A matemática é simples e deve “europeizar” o perfil de emissões brasileiro. Se os percentuais no setor de uso da terra e florestas baixarem significativamente, os setores de Agropecuária e Energia assumirão a maior fatia de emissões do país. E é justamente em razão disso que atos como o Potencializa E&P – lançado pelo Ministério de Minas e Energia não em 2023, no afã da reconstrução, e sim há menos de 2 meses (!), quando o governo já tinha clarividência quanto à sua posição no contexto climático global e sua liderança regional – são calcanhares de Aquiles da nova NDC.
Ainda durante a coletiva de anúncio oficial da nova NDC brasileira, em Baku, quando perguntado pela jornalista Daniela Chiaretti sobre como a nova NDC ambiciona reduzir emissões em meio aos gestos do próprio governo para expandir a produção de Óleo e Gás no Brasil, o vice-presidente Geraldo Alckmin não titubeou: ignorou solenemente tratar de fósseis na resposta, percorrendo hidrogênio, biodiesel, SAF e até o Mover…
Diz a Mitologia que os gregos só poderiam derrotar os troianos se Aquiles entrasse na batalha. Ousado e valente, no passado Aquiles havia sido banhado em um rio sagrado e, por ter sido carregado pelos calcanhares, estes não foram molhados pela água do rio e, dessa forma, ficaram vulneráveis. Anos adiante, no entanto, esse problema não foi suficiente para que Aquiles recusasse enfrentar os troianos, já que seu organismo era dotado de força descomunal e atributos essenciais diante de um inimigo cuja força se desconhecia. Aquiles teve uma jornada épica, ajudou seus aliados a vencer batalhas incríveis, mas fracassou na reta final, por ignorar seu calcanhar.
Cabe a metáfora para um ousado e valente Brasil, que sabe que é indispensável no desafio global para evitar o colapso do clima, mas não pode ignorar que tem dois grandes e expostos calcanhares: óleo e gás.
Para que a nova NDC dê certo até 2035, de nada adiantará vencer batalhas importantes ao longo do percurso, sem lidar com a fraqueza dos calcanhares, sob o risco de morrer no final.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Nesta semana, em que o Brasil submeteu sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada, ou NDC (do inglês Nationally Determined Contribution), apresentando suas metas de mitigação de gases de efeito estufa para 2035, o Tá Lá no Gráfico traz uma explicação sobre as NDCs, sua importância no Acordo de Paris e como estes compromissos são elaborados. Além disso, o Tá Lá No Gráfico detalha os pontos-chave que a nova NDC do Brasil trouxe e como isso impacta na política climática nacional.
Acesse o nosso Tá Lá no Gráfico e entenda ainda mais sobre o assunto.
FRASE DA SEMANA
“Deus nos dá presentes, mas Ele sempre pede que sejamos comedidos no uso. Por exemplo, se comermos açúcar demais, certamente ficaremos diabéticos”.
Ministra Marina Silva, durante coletiva de anúncio oficial da NDC brasileira, quando perguntada por um repórter o que ela achava da declaração do presidente do Azerbaijão, que horas antes afirmou que óleo e gás seriam “presentes de Deus”. Foto: Lula Marques/Agência Brasil.
ABC DO CLIMA
Perdas e Danos – referem-se aos impactos inevitáveis e/ou irreversíveis das mudanças climáticas, que ocorrem apesar dos esforços de mitigação e adaptação. Abrange tanto impactos socioeconômicos, como perda de meios de subsistência, colheitas, propriedades, que podem ser quantificados em termos monetários, como aspectos não econômicos, como a perda de vidas, saúde, direitos, biodiversidade, serviços ecossistêmicos, conhecimento indígena e patrimônio cultural, já que essas perdas não podem ser facilmente atribuídas a um valor financeiro.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou apenas 6 atos relevantes para a política climática nesta semana. A classe mais captada foi Regulação, com 3 atos, entre eles a criação de um assentamento, no estado da Bahia, e a destinação de crédito extraordinário para o Ministério da Agricultura e Pecuária alocar no estado do Rio Grande do Sul, ainda em razão da situação de calamidade pública ocorrida no primeiro semestre do ano.
O tema mais frequente da semana foi Florestas e Vegetação Nativa, com 2 normas, incluindo a revisão dos municípios prioritários do PPCDAm e a atualização das áreas prioritárias para o pagamento do Programa Bolsa Verde.
Revisão dos municípios prioritários
Via portaria, o MMA revisou a lista de municípios prioritários para ações de contenção do desmatamento na Amazônia, assim como atualizou a lista daqueles que já podem ser considerados com o desmatamento sob controle. A nova relação se baseia nos dados mais recentes do Prodes, divulgados na semana passada, e assim substitui a lista anterior, publicada em novembro de 2023.
Apesar da queda de 47% do desmatamento na Amazônia, o número de municípios em situação de controle diminuiu, de 15 municípios em 2023 para 10, na lista mais recente. Dos 5 municípios que voltaram para o grupo dos prioritários, 3 são do estado de Mato Grosso e tem um longo histórico de desmatamento: Confresa, São Félix do Araguaia e Porto dos Gaúchos.
Plano Decenal de Energia – PDE 2034
Nesta semana o Ministério de Minas e Energia (MME), colocou em consulta pública a proposta do PDE 2034, o plano que detalha as perspectivas de expansão do setor de energia para a próxima década. As sugestões podem ser enviadas até 10 de dezembro.
No cenário previsto há uma leve queda da participação de derivados de petróleo na matriz energética, chegando em 34% no ano de 2034. Pela primeira vez a NDC do Brasil cita a transição para longe dos combustíveis fósseis. Dessa forma, compatibilizar o planejamento energético com os compromissos assumidos pelo país se torna imprescindível.
BRASIL
Bola fora do Congresso na prevenção e combate a incêndios
Em mensagem oficial publicada nesta semana, o Congresso Nacional deixa morrer a Medida Provisória que alterava a Lei do IBAMA para facilitar os procedimentos de recontratação de brigadistas. Dessa forma, o “período de geladeira” para recontratação de um brigadista – que enquanto vigorava a MP era de 3 meses – volta a ser de 2 anos.A derrubada da MP ressuscita um problema antigo relacionado ao controle do fogo, no Brasil: como muitos municípios não dispõem de uma grande oferta de pessoas aptas e dispostas a se tornarem brigadistas (lembremos da baixa remuneração e do alto risco envolvido no ofício), a tendência é que faltem brigadistas em municípios mais afastados dos grandes centros, nos próximos meses, o que favorece que o fogo criminoso se alastre.
A decisão contraria o compromisso nº. 1 do Pacto dos Três Poderes pela Transformação Ecológica – “conferir prioridade às proposições legislativas” relacionadas a temas prioritários do Pacto – e prejudica diretamente a meta nº. 26 do Acordo: “adotar medidas para garantir aos três Poderes a estrutura e as capacidades institucionais adequadas para viabilizar a implementação das ações e medidas do Pacto, inclusive por meio da ampliação da presença efetiva em regiões estratégicas para as demandas ambientais.”
Consulta pública prorrogada
Segue aberta a consulta pública para receber contribuições para a Estratégia Nacional de Adaptação até o dia 25 de novembro, após prorrogação do prazo final. Esse documento faz parte do Plano Clima Adaptação, e será complementado pelas 16 estratégias setoriais que serão definidas nos próximos meses. As contribuições são feitas de forma nominal, na Plataforma Brasil Participativo.
Mercado de Carbono Regulado à vista
Depois de muitas idas e vindas, o Projeto de Lei nº. 182/2024, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões – SBCE foi aprovado no Senado Federal nesta quarta-feira (13), após costura de acordo entre parlamentares das casas liderado pela relatora Leila Barros (PDT-DF). O timing é fundamental. Trata-se de mais uma sinalização importante dada pelo Brasil no cenário internacional, no mesmo dia da submissão de sua NDC na COP 29 em Baku.
Embora o texto aprovado no Senado não seja a melhor versão apresentada nesse longo e tortuoso processo de tramitação, tratou de reduzir danos do texto advindo da Câmara dos Deputados. Assim, a última versão é a que se mostrou possível, frente a tantos tensionamentos que ameaçavam travar o processo. O texto volta agora para a Câmara dos Deputados e deverá ser votado nos próximos dias. Não havendo grandes alterações, espera-se que o texto seja aprovado sem maiores delongas e sancionado pelo presidente da República ainda durante a COP.
Confira mais detalhes em nossa análise pocket.
MUNDO
Carta do Rio entregue a autoridades em Baku
A Carta do Rio, documento assinado por 36 organizações da sociedade civil latino-americana e caribenha com recomendações e posicionamento para a COP 29, chegou a Baku! Já nos primeiros dias da COP 29, a Carta foi entregue às ministras Marina Silva (Ministério do Meio Ambiente) e Sônia Guajajara (Ministério dos Povos Indígenas) e à Joenia Wapichana (presidente da FUNAI). Estiveram presentes na entrega da Carta representantes do Vozes Negras pelo Clima, Clima de Eleição, Palmares Lab, Plataforma Cipó e LACLIMA (fotos abaixo).
O objetivo da Carta do Rio é instar negociadores das Américas a priorizar a adaptação climática e a resiliência de nossas comunidades nas negociações da COP 29, frente às crescentes ameaças e impactos provocados pelo aquecimento global, e para o combate às desigualdades sociais, raciais e de gênero.
AMAZÔNIA
Ainda sobre a nova NDC brasileira
O texto final da nova NDC brasileira não se comprometeu em reduzir o desmatamento legal. Adotou como linguagem compensar o que for emitido por causa dele. Isso pode repercutir em todos os biomas brasileiros nos próximos anos, especialmente na Amazônia, por seu superlativo territorial. É importante lembrar que a região ainda é alvo de Projetos de Lei que buscam reduzir a chamada Área de Reserva Legal em propriedades rurais. Ou seja: nada garante que o desmatamento, ainda que legal, esteja em linha com o que o mundo precisa evitar se não quiser ficar ainda mais quente.
Escolher não mirar em desmatamento legal zero não joga bem com a dita transformação ecológica. Se, afinal, todo o desmatamento permitido em lei ocorrer, é porque a derrubada da floresta ainda seguirá lucrativa para alguns. Além disso, aumenta a conta da recomposição florestal e essa recomposição deverá custar caro, sua integridade será incerta, e levará sabe-se lá quantos anos.
A não-inclusão do desmatamento legal zero no texto final da NDC faz lembrar o alerta de que “nem tudo que é legal é moral”, ainda mais quando estamos todos embebidos numa nova realidade climática que não irá embora.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 4 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 30 municípios.
A estiagem e a seca seguem assolando a Região Nordeste. No Norte do Brasil, um incêndio florestal foi registrado no município de Baião, no Pará. As chuvas intensas ocorreram de forma pontual no Sul e no Sudeste do país
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA NA MÍDIA
DW | Em reportagem sobre o que esperar do Brasil na COP29, portal coloca opinião da Talanoa. |
Metrópoles | Nosso especialista Wendell Andrade fala sobre o que esperar da agenda climática com a vitória de Donald Trump. |
IstoÉ Dinheiro | Reportagem sobre a nova meta climática cita a avaliação feita pela Talanoa . |
Capital Reset | Talanoa é citada em reportagem que avalia a meta da nova NDC brasileira. |
Folha de S. Paulo | Natalie Unterstell, presidente da Talanoa, é entrevistada em reportagem sobre o BNDES que aprovou valor recorde com Fundo Clima. |
O Globo | Com chamada de capa e nota na coluna de Lauro Jardim, Talanoa divulga Carta do Rio, um apelo de 36 organizações para a adaptação climática no BRasil. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO