Na ONU, Lula anuncia que Brasil apresentará NDC ainda neste ano, alinhada com Missão 1,5°C

Foto: Reprodução/UN

O Brasil apresentará seu plano climático ainda em 2024. O prazo foi dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nesta terça-feira (24). “Nossa Contribuição Nacionalmente Determinada (a NDC) será apresentada ainda este ano, em linha com o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a um grau e meio”, disse.

Dessa forma, Lula sinalizou que o país buscará estar entre os primeiros a submeter à Convenção da ONU sobre Mudança Climáticas (UNFCCC) suas metas para 2035. E está engajado com a chamada Missão 1.5, a qual lidera juntamente com os outros países da Troika (Emirados Árabes e Azerbaijão, presidências das COPs 28, 29 e 30). Faltou, entretanto, convocar os demais países a embarcar nessa missão. O objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC requer um esforço global.

Faltou ainda conectar causas e consequências da emergência climática. Lula enfatizou a necessidade de se buscar soluções agora para lidar com as mudanças climáticas e citou as catástrofes que devastaram diferentes regiões neste ano, incluindo os desastres das enchentes no Rio Grande do Sul, a estiagem na Amazônia e os incêndios que destruíram 5 milhões de hectares no país em agosto. “O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos”, afirmou.

Do ponto de vista do financiamento, Lula chamou atenção dos montantes hoje destinados a gastos militares em contraposição à escassez de recursos para a agenda de mudança do clima: “Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram US$ 2,4 trilhões. Mais de US$ 90 bilhões foram mobilizados para arsenais nucleares. Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima”.

O presidente afirmou que é necessário o auxílio financeiro aos países pobres para lidar com a emergência climática, reconhecendo o alto endividamento das mais vulneráveis. E fez uma forte declaração contra os que ainda negam as mudanças climáticas, destacando que já estamos sofrendo consequências de uma era de temperaturas mais elevadas: “O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna”.

Pela primeira vez, Lula reconheceu a necessidade de se afastar dos combustíveis fósseis. “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, disse. Porém, optou por não usar a linguagem do Consenso de Dubai, que marca a “transição para longe dos combustíveis fósseis”. Vale lembrar que “menos dependência” não assegurará um aquecimento global considerado seguro pelos cientistas.

Ao citar a COP30, no Brasil em 2025, Lula valorizou o multilateralismo como “único caminho para superar a urgência climática”. E destacou o compromisso de consulta às comunidades indígenas e tradicionais – um importante sinal em um momento em que os direitos indígenas são constantemente ameaçados. “Não é mais admissível pensar em soluções para as florestas tropicais sem ouvir os povos indígenas, comunidades tradicionais e todos aqueles que vivem nelas. Nossa visão de desenvolvimento sustentável está alicerçada no potencial da bioeconomia”, disse.


O que faltou ser dito

O discurso de Lula não pode ser visto somente pelo que ele falou, mas as omissões também sinalizam questões relevantes. O presidente deixou o setor agropecuário de fora. Tratar de mudanças climáticas sem envolver a agropecuária ignora aquele que é, no Brasil, o segundo setor que mais emite gases do efeito estufa (atrás de uso da terra) e também um dos que já são impactados pelas consequências do aquecimento global.

Lula mencionou o desmatamento, mas somente em relação à Amazônia: “Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030”. As tendências atuais mostram que o compromisso deve se estender a todos os biomas, incluindo também a perda de vegetação nativa além das formações florestais.


Um  discurso ligeiramente melhor em relação a 2023

A Política por Inteiro avaliou, sob o ponto de vista climático, o discurso de Lula – como faz com as falas dos presidentes brasileiros em fóruns internacionais relevantes. A pontuação obtida neste ano foi ligeiramente superior ao índice de 2023: 22 pontos em uma escala de +54 a -54 (70% de aproveitamento). No ano passado, foram 13 pontos em uma escola de +22 a -22 (69%). Lula reconhece a gravidade da situação que o Brasil e o mundo já enfrentam, mas ainda não convoca para a transição, oferecendo ações imediatas que tornem críveis compromissos de médio e longo prazo.

“Importante que o Brasil tenha se apresentado não como vítima, mas como país que enxerga o desafio da mudança do clima e sabe que tem que se tornar independente dos combustíveis fósseis. Vamos querer ver compromissos concretos nesse sentido na NDC. Para estar a altura desse compromisso, Lula terá que dar sinais sobre quando começa e quando termina a nossa transição de petróleo, gás e carvão. Hoje, temos nosso transporte e nossa indústria reféns, não temos mercado regulado de carbono e a Agência Nacional do Petróleo prevê uma expansão de petróleo até 2030.Ele disse que o mundo precisa depender menos dos combustíveis fósseis. Isso é um bom começo? Não exatamente. Para manter a meta de 1,5°C, precisamos de independência, ou seja, de uma transição imediata”, avalia Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, da qual a Política por Inteiro é uma das iniciativas.

Na metodologia desenvolvida pela Política por Inteiro, os aspectos avaliados são atualizados constantemente, contemplando de forma dinâmica a evolução das agendas políticas e do aumento da urgência de implementação.

BOM claro, ambicioso e condizente com ações em curso
RAZOÁVEL mencionado, com evidência de confiabilidade
NEUTRO mencionado, sem danos
RUIM mencionado, com danos
PÉSSIMO ausente ou mal tratado
SEM MENÇÃO não mencionado em seu discurso
 Comentários
Apresenta compromissos setoriais relevantes
 
RAZOÁVELCitou zerar desmatamento na Amazônia, iniciativas no setor de energia, mas não mencionou setores como a agropecuária.
Desmatamento zero até 2030
 
RAZOÁVELDisse: “Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030”, porém não falou sobre conter a perda de vegetação nativa em outros biomas.
Compromete-se em contribuir para acelerar a aprovação e a implementação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE)
 
SEM MENÇÃO 
Apresenta ações para zerar emissões líquidas até 2050
 
SEM MENÇÃO 
Considera avaliar a antecipação de net zero para 2040
 
SEM MENÇÃO 
 Comentários
Dá relevância política à agenda de adaptação
 
NEUTROApesar de não falar diretamente em “adaptação” ou “resiliência”, apresentou a necessidade de ação frente aos impactos: “O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos”.
Apresenta metas e compromissos de adaptação e construção de resiliência
 
SEM MENÇÃONão se referiu a metas de adaptação ou resiliência.
Compromete-se a considerar os riscos climáticos em todos os planos e investimentos/gastos públicos
 
SEM MENÇÃO 
Compromete-se com a implementação de uma adaptação climática antirracista e sensível a gênero
 
SEM MENÇÃO 
 Comentários
Correlaciona a intensidade e a frequência dos eventos às mudanças climáticas e suas causas (combustíveis fósseis)
 
BOMUm dos trechos mais relevantes: “[O planeta] Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global”.
Reconhece a necessidade de ações imediatas, novas estruturas de governança e recursos para lidar com eventos extremos
 
BOMEvidenciou em vários pontos a necessidade de ações agora, como neste trecho “O planeta já não espera para cobrar da próxima geração”.
 Comentários
Ações concretas para transição energética
 
NEUTROCitou como sempre ser o Brasil um dos países com “matriz energética mais limpa”, falou que o país está na vanguarda em nichos como hidrogênio verde, mas faltou delinear ações e metas para além da constatação.
Posição sobre phase out de petróleo, carvão e gás (cronograma para declínio da exploração)
 
RUIMHouve avanço ao citar a necessidade de se tornar menos dependente de coombustíveis fósseis, mas o que é necessário é tornar-se independente.
 Comentários
Compromete-se com a Missão 1,5ºC
 
BOMAssumiu o compromisso de apresentar a NDC ainda neste ano e alinhada ao objetivo de limitar o aquecimento global em 1,5º em relação ao período pré-industrial.
Indica que Adaptação e Perdas e Danos estarão contemplados com a mesma relevância de Mitigação
 
SEM MENÇÃO 
Reconhece a necessidade de evitar tipping points – colapsos sistêmicos
 
SEM MENÇÃO 
Considera o senso de urgência referente ao Relatório do IPCC
 
BOMAlém de dizer que “o planeta já não esperar para cobrar da próxima geração”, está atualizado com a informação de que “2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna”.
Sinaliza compromisso para a apresentação de uma estratégia de longo prazo (LTS)
 
SEM MENÇÃO 
 Comentários
Reconhece que o desmatamento ameaça não apenas a Amazônia
 
SEM MENÇÃO 
Ataca as causas do desmatamento e perda de biodiversidade
 
BOMAtacou as causas diversas: “Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado”.
 Comentários
Ações para transição para agricultura de baixo carbono (ex.: Compromisso Global Metano Zero)
 
SEM MENÇÃO 
 Comentários
Compromete-se a respeitar os direitos indígenas
 
BOMDestacou a importância de se ouvir os indígenas para a proteção das florestas e buscar soluções baseadas na natureza: “Não é mais admissível pensar em soluções para as florestas tropicais sem ouvir os povos indígenas, comunidades tradicionais e todos aqueles que vivem nelas”.
Compromete-se com participação popular e diálogo
 
BOMNo trecho destacado no item anterior, contempleta a importância de ouvir povos indígenas e comunidades tradicionais. E defendeu a democracia, com participação e diálogo: “Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. A democracia precisa responder às legítimas aspirações dos que não aceitam mais a fome, a desigualdade, o desemprego e a violência”.
Comentários
Cobra por aumento de fluxo (quantum) para financiamento climático
BOM Em momentos como na abertura do discurso em que opôs os trilionários gastos militares em relação aos fluxos para o financiamento climático, cobrou mais dinheiro para lidar com a emergência climática, sobretudo para os países pobres e em desenvolvimento.
Comentários
Declara a necessidade de cumprimento de acordos
BOM Reclamou de acordos de clima não cumpridos.
Propõe novos acordos e mecanismos de cooperação
BOM Cobrou revisão da carta da ONU e reforma da governança global como responsabilidade.
Cita as barreiras comerciais para coibir danos ambientais
RAZOÁVEL Falou de compromisso para coibir o crime organizado que provoca degradações ambientais; por outro lado, criticou subsídios agrícolas dos países ricos.
SOMA
 
10
 
BOM
3
RAZOÁVEL
2
NEUTRO
1
RUIM
0
PÉSSIMO
11
SEM MENÇÃO
RESULTADO = 22

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