4 pontos para entender a decisão do Supremo sobre orçamento para combate aos incêndios

Em regime de urgência, no último domingo (15), o Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão monocrática do ministro Flávio Dino, direcionou o caminho para que o Executivo federal atue mais fortemente na prevenção e no combate a incêndios nos biomas Amazônia e Pantanal. Em meio à escalada dos focos de incêndio, registradas pelo INPE, e à preocupação com ações do governo que, até aqui, têm se mostrado pouco efetivas, a decisão do STF vem como desdobramento de uma ação ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade, ainda em 2020. Durante o governo anterior, a ADPF 743 já questionava o descontrole de incêndios versus a fraca atuação do Poder Público nesses biomas. O Dia do Fogo, ocorrido no Pará em agosto de 2019, meses antes de a ação ingressar no STF, ilustra aquele contexto.

Dino já havia feito um discurso marcante na última semana, quando pediu que as instituições “não normalizem o absurdo”, se referindo à possibilidade de autoridades se acostumarem a agir aquém da emergência gerada pela profusão de incêndios e fumaça por todo o Brasil. Antes, ele também já havia determinado que o governo apresentasse um plano emergencial de prevenção e combate a incêndios, o que ainda não aconteceu.

A decisão de Dino é importante porque traz 4 elementos que dão força ao mesmo tempo em que inspiram cautela ao Executivo. Enquanto dois deles abrem caminho para “irrigar” o nível operacional do Executivo, com ações “no chão”, os outros dois centram em fortalecer a retaguarda nos níveis estratégico e tático, que dêem suporte ao desempenho do aparato estatal, isto é, atividades de inteligência que comportam investigação e monitoramento especializados.

Vamos entendê-los:

Até 31 de dezembro, estão suspensos os prazos “de geladeira” para que profissionais de “prevenção, controle e combate a incêndios florestais” sejam recontratados. Aqui, o STF remove algumas restrições que ainda traziam dificuldades ao governo. O prazo para recontratação dos brigadistas já havia caído de 2 anos para apenas 3 meses com a Medida Provisória nº. 1.239, em julho, a qual mudou as regras do Ibama para colocar mais gente à disposição do aparato estatal. Essa medida é importante porque a contratação de brigadistas muitas vezes não é um processo com grande oferta de profissionais nas regiões onde ocorrem os incêndios, sobretudo pela periculosidade e pela relação custo-benefício do ofício. Ser brigadista no Brasil, hoje, é muito mais ato de heroísmo e (verdadeiro) patriotismo do que uma oportunidade profissional de encher os olhos. Outro aspecto relevante: em sua determinação, Dino deixa claro que, apesar de as decisões sobre quantitativo de vagas e lotação de brigadistas ser função privativa do Executivo, pelo Princípio da Especialidade, isso não eximirá o governo de responder adiante por eventuais omissões, negligências e/ou irregularidades devidamente constatadas. Um claro recado para que não se confunda liberdade com ausência de responsabilidade. Esse ponto propõe uma certa blindagem da decisão, se considerarmos que parte das críticas a regimes de excepcionalidade, como os “decretos de situação de emergência”, se fundam no argumento de que práticas de corrupção podem ocorrer sob o manto do caos e da urgência de ação. Dino deixa claro que o STF está atento a esse risco.

Entendendo que o combate demanda mais recursos humanos, maior orçamento e, portanto, maior habilidade do governo para equilibrar gasto público e saúde fiscal, a determinação de Dino define excepcionalidade em favor da abertura de créditos extraordinários pelo Executivo, sem que eles incidam na Lei de Responsabilidade Fiscal, quando ela determina que nenhuma despesa pode ficar de fora da conta do resultado primário no orçamento fiscal. A interpretação do Supremo que fundamenta essa excepcionalidade é a garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal) que, por ser essencial à coletividade, deve ter interpretação constitucional condizente com a gravidade do problema. A decisão considerou que o Brasil está sob uma “pandemia” de incêndios e secas na Amazônia e no Pantanal, situação atípica. Novamente, o espaço aberto pelo STF não significa liberdade irrestrita, e todos os atos do governo são passíveis de aprovação (dos valores, que provavelmente serão objeto de Medida Provisória, pela celeridade que o caso requer) e de fiscalização (do uso dos recursos), ambos pelo Congresso, além de observância aos princípios que regem a Administração Pública, pelo STF, passando portanto ao largo de quaisquer alegações de quebra do Princípio da Separação dos Poderes.

Ainda no contexto de aumentar a capacidade operacional do aparato estatal, a decisão determinou o uso de recursos que estavam suspensos ou contingenciados quanto ao Fundo Nacional de Fortalecimento da Polícia Federal (FUNAPOL), mecanismo financeiro criado em 1997 pelo governo FHC para investimento nas atividades finalísticas do órgão federal. A decisão deixa clara que a aplicação é “carimbada”, isto é, única e exclusivamente para apuração e combate aos “crimes ambientais e conexos incidentes na Amazônia e no Pantanal”. Com essa decisão, Dino abre espaço para que o governo invista em setores estratégicos da Polícia Federal, órgão essencial no contexto em que perda de biodiversidade e práticas criminosas sofisticadas estão intimamente relacionadas, nesses biomas;

Inquéritos policiais devem ter foco total das forças policiais, do Ministério Público e de órgãos do Judiciário, e eventual desídia ou descumprimento devem ser comunicados ao STF para a tomada de providências de cobrança e correção, conforme o caso. Aqui, a intenção do ministro é evitar morosidade ou negligência em órgãos essenciais à atividade investigativa, evitando com isso deixar “pontas soltas” no esforço do Estado brasileiro em descobrir de onde têm partido as ordens e quem faz parte da orquestra do fogo no país. Aqui, o raciocínio é direto: quanto melhor o desempenho da atividade investigativa, menores os custos públicos em orçamento, pessoal e tempo para contornar o problema – que, aliás, já extrapolou as fronteiras nacionais – evitando que a baixa efetividade da ação estatal vire estímulo para mais crimes.

Ao longo da decisão, é possível perceber que o STF não tolerará omissões ou excessos. Em outras palavras: liberdade para atuar não é vale-tudo, e a excepcionalidade do momento não tornará os gestores imunes ao controle judicial. Na avaliação da Política por Inteiro, esse tom é importante sobretudo para o próprio Executivo, que precisa “proteger-se de si mesmo” em certos momentos.

Governadores

Dino também convocou governadores de todos os Estados da Amazônia Legal para uma audiência no STF, no dia 19 de setembro, próxima quinta-feira. O ministro conhece bem essa realidade, uma vez que há menos de dois anos era governador do Maranhão e também já foi Presidente do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal. Sete dos nove governadores com mandato atual na Amazônia foram seus colegas dos tempos de Consórcio.

Nove também são os questionamentos do STF que norteiam a participação dos estados na ocasião do dia 19. As indagações vão de Cadastro Ambiental Rural e integração de dados a ações “no chão”, em cada estado.

Cerrado e Mata Atlântica também ardem, mas não são citados porque não fazem parte do objeto da ADPF 743, ação a que se vincula a decisão.

A ciência já demonstrou que a mudança do clima afeta a todos, mas sabemos que regiões mais vulneráveis em termos econômicos e infraestruturais sofrerão mais com os eventos extremos. Nesse aspecto, a decisão do ministro se mostra acertada, ao registrar que os estados onde se localizam esses biomas “já vivenciam os efeitos deletérios de desigualdades sociais e regionais”, e por isso mesmo “têm fortes direitos subjetivos a prestações estatais” em linha com o grau de suas necessidades.

A decisão de Dino é embasada em um dispositivo do Código de Processo Civil que determina que o juiz deve fazer de tudo para pressionar o cumprimento da ordem judicial. Como o julgamento da ADPF 743 “destravou” uma série de conformidades a serem alcançadas por diferentes atores, faz sentido jurídico (e prático) que o ministro aja sob o abrigo desta ação.

Em razão do espaço que a decisão oferece para uma “oxigenação” de órgãos como Ibama, ICMBio e Polícia Federal, os próximos dias devem ser de grande movimentação no Planalto. Amazônia e Pantanal ainda deverão sofrer com a estiagem e a seca, pelo menos, até novembro.

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