Do fogo que se espalha, da violência que não se contém

Área devastada pelo fogo em Corumbá, no Pantanal. O Mato Grosso do Sul reúne mais de 70% de todas as ocorrências no bioma. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Ao Norte, incêndios e fumaça, em um período em que praticamente não chove, justo num bioma que sempre foi conhecido pela abundância d’água. O cenário faz lembrar o fatídico “Dia do Fogo”, há cinco anos, quando houve uma ação coordenada de incêndios criminosos no Pará. Mesmo noticiado antecipadamente na região, o fogo promovido na data provocou recordes de focos. Nesta semana, um balanço dos 5 anos do episódio, divulgado pelo Greenpeace, demonstra que não apenas as infrações aplicadas aos fazendeiros identificados passaram longe de surtir os efeitos punitivos e pedagógicos esperados, como também foram incapazes de impedir que parte dos infratores obtivesse financiamento com dinheiro público nos anos seguintes ao fato.

Ao Centro, o Pantanal segue queimando. Diferentemente do que apontava o monitoramento de incêndios ao final de julho, agosto tende a bater recordes em relação ao fogo. De 1º a 15 de agosto, foram contabilizados 2.410 focos de incêndio, contra apenas 51 no mesmo período de 2023, segundo o Banco de Dados sobre Queimadas (BDQueimadas).

Ao Sul, a Força Nacional tem tido que marcar presença para conter a violência contra os povos indígenas por parte dos ruralistas, em disputas de terras no Rio Grande do Sul e no Paraná.

De Norte a Sul, os desafios de lidar com os impactos das mudanças climáticas se entrelaçam aos desafios de lidar com as questões históricas e sociais do país.

FRASE DA SEMANA

"Os governos devem agir para controlar o aumento das temperaturas, e há uma oportunidade única para fazer isso agora. Como os governos estão atualmente elaborando seus planos nacionais de ação climática, eles podem fazê-lo com a ambição e o conhecimento de que as crianças de hoje e as gerações futuras terão que viver no mundo que eles deixarem para trás".

Catherine Russell, Diretora-Executiva da Unicef, em relação ao estudo divulgado sobre o impacto das mudanças climáticas nas crianças. Foto: © UNICEF/UNI614957/Mobbs

ABC DO CLIMA

Degradação florestal – É o processo pelo qual serviços ecossistêmicos prestados à vida humana na Terra são criticamente afetados pela retirada parcial de madeira e/ou uso do fogo, resultando no empobrecimento de biodiversidade, água, alimentos, regulação de chuvas e controle de clima local, sem que a floresta seja totalmente derrubada. Hoje em dia, a degradação é tão ou até mais voraz do que o desmatamento. A retirada seletiva – mas não autorizada – de indivíduos na floresta é uma estratégia de criminosos ambientais para que os satélites não detectem as ilegalidades.

TUDO SOBRE NDC

Lançamos nesta semana uma série de posts no nosso blog explicando tudo que você precisa saber sobre as Contribuições Nacionalmente Determinadas, as NDcs. No primeiro, falamos o que são e quais os objetivos das NDCs. Importante dizer que as NDCs são consideradas a espinha dorsal do Acordo de Paris porque são o principal instrumento para os países enfrentarem coletivamente a crise climática global.

Leia e aguarde os próximos capítulos.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 15 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 12 a 16 de agosto. O tema mais frequente da semana foi Terras e Territórios, com 5 atos, acompanhado de perto por Agropecuária (3) e Indústria (2). A classe mais captada voltou a ser Planejamento, com 7 atos, acima das normas de Resposta e de Regulação esperadas. A agenda predominante foi Governança, com 10 dos 13 atos.

Comissão de Conciliação se reúne no STF

Territórios em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Amazonas e Roraima têm sido palco do acirramento da violência contra indígenas. Assim como nas últimas semanas, nesta, o número de designações do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) voltou a aumentar, com determinação para que efetivo da Força Nacional permaneça em Guaíra e Terra Roxa, dois municípios no oeste paranaense. Enquanto isso, em Brasília, há poucos dias o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início aos trabalhos da Comissão Especial de Conciliação, que vem sendo questionada por representantes indígenas no conteúdo e na forma. Confira o post no blog da Política por Inteiro sobre a relação entre essa escalada de conflitos que ameaça a governança territorial no Brasil e o impasse da tese do marco temporal.

Fim da greve no Ibama e Planejamento Estratégico

Na semana em que se encerrou a greve do Ibama, o instituto apresentou seu Planejamento Estratégico até 2027.

Ministério do Turismo: sustentabilidade e clima são princípios, mas não metas

Na segunda-feira (12), o governo emplacou, via decreto, o Plano Nacional de Turismo 2024-2027. O Plano traz a sustentabilidade entre seus princípios e registra compromisso com a implementação do Plano de Adaptação Climática para o setor, uma das peças a que o governo se comprometeu elaborar para direcionar a política climática do país. Até aí, tudo bem. No entanto, no dia seguinte, o MTur divulgou as metas do Plano Nacional sem, no entanto, nenhuma referência a clima, cidades resilientes, ecoturismo, turismo de base comunitária, ou quaisquer pistas que levem as atividades do ministério a colaborar efetivamente com política climática. Ao definir um pacote de metas mais-do-mesmo para sua principal política pública, o ato do Ministério do Turismo demonstra descompasso com o esforço do governo em áreas como bioeconomia, Unidades de Conservação, valorização de povos da floresta e com a própria transformação ecológica.

Lembram do Selo Verde?

Criado por decreto em junho, o Programa Selo Verde Brasil busca diferenciar produtos nacionais de todos os setores econômicos (incluindo serviços), que voluntariamente atendam a “critérios de sustentabilidade pré-definidos”, em um movimento relevante de revisão de padrões de consumo e incentivo à bem-vinda circularidade da economia. A semana trouxe alguns avanços: o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) instituiu o Comitê Gestor e o Comitê Consultivo do Programa. No entanto, são 57 dias de diferença entre os dois momentos. Agora, como a essas instâncias ainda cabe elaborar o planejamento estratégico e as regras de funcionamento do programa, ainda mais tempo será necessário para a política pública de fato decolar. Para evitar o risco de descontinuidade do Selo Verde a partir de 2027, seria o caso de buscar sua consolidação em Lei pelo Congresso?

LEGISLATIVO

Áreas de Preservação Permanente sob risco

Nesta semana, parlamentares aprovaram, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o prosseguimento de um Projeto de Lei nocivo às Áreas de Preservação Permanente (APP), um dos esteios de efetividade do Código Florestal. Ao propor alterar trecho do Código, o PL objetiva declarar como sendo de utilidade pública infraestruturas situadas nas faixas de APP a serem protegidas, abrindo espaço para a perda de florestas e de biodiversidade, sem contar o assoreamento de rios. Nunca é demais lembrar: a agropecuária brasileira só é pujante por causa da abundância hídrica do Brasil; e o Brasil só é abundante em água porque é uma potência florestal. Em março deste ano, o Observatório do Código Florestal produziu uma Nota Técnica para explicar os impactos desse PL. Segue essencial.

BRASIL

O irrespirável ar na Amazônia

De maneira antecipada em relação a 2023, Manaus(AM) volta a ser tomada pela insalubridade da intensa fumaça decorrente de incêndios florestais na região. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), houve mais focos de incêndio em julho deste ano no estado do Amazonas do que em qualquer mês de julho desde 1998. E não só lá. Porto Velho(RO) também sofreu: nesta semana, a cidade chegou a ter o aeroporto fechado por baixa condição de visibilidade, tamanha a intensidade da fumaça. No Acre, a seca em 21 dos 22 municípios do estado fez a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil reconhecer situação de emergência. A combinação entre incêndios florestais, estiagem e altas temperaturas levam à Amazônia a uma situação insustentável, que deve trazer impactos econômicos tanto pelo lado do aumento da pressão sobre o sistema de saúde pública, quanto por prejuízos no desempenho laboral.

Outro recorde foi alcançado neste ano quanto às emissões de carbono decorrentes de incêndios florestais. Segundo Mark Parrington, cientista do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF), as emissões nos biomas Amazônia e Pantanal foram as mais altas desde 2005, contabilizando os meses de janeiro a agosto de 2024.

Se na quinta-feira (15), o Brasil chegou à posição de quinto país com o ar mais poluído do mundo, em menos de 24h subimos à terceira colocação, segundo a World’s Air Quality Index. E pensar que justamente em 2024 o Brasil passou a ter, por lei, uma Política Nacional de Qualidade do Ar

MUNDO

Infância mais quente

Uma nova análise da Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, divulgada nesta semana, aponta que 1 em cada 5 crianças no mundo vive hoje em áreas com pelo menos o dobro de dias muito quentes (acima de 35°C) do que se viveu há 60 anos. O estudo alerta para o ritmo intenso das mudanças climáticas e seus efeitos na saúde de bebês e crianças. Só no Brasil, de acordo com a pesquisa, cerca de 17 milhões de crianças vivem em áreas em que a frequência de calor dobrou no período entre 2020 e 2024, se comparado com o que era registrado nos anos 1960.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 10 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos, meteorológicos e biológicos extremos, que atingiram 45  municípios. O estado do Acre decretou situação de seca em 21 municípios, já em Roraima a combinação de estiagem e incêndios florestais resultou na infestação de lagartas militares (Spodoptera sp.)  que atacam as pastagens, causando prejuízos na pecuária. No estado Amapá foi detectada a “vassoura de bruxa” da mandioca, praga inédita no Brasil, causada por um fungo.

TALANOA NA MÍDIA

Projeto ColaboraMatériaMenos de 2% do Plano Safra serão usados para reduzir emissões de carbono”, com Marta Salomon.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Apoio

Realização

Apoio