Quando será a vez da agricultura de baixo carbono emplacar?

A agricultura familiar recebeu 5 vezes menos (R$ 76 bilhões) de investimento do que a agricultura empresarial (R$ 400,5 bilhões) no novo Plano Safra 2024/2025. Anunciado na última semana como “O maior Plano Safra da história”, o pacote do governo federal trouxe ganhos para os produtores rurais. No entanto, frustrou aqueles que esperavam mais recursos para investir na redução de gases do efeito estufa. Afinal, a atividade econômica é a que responde pela maior parcela das emissões no país.

Em matéria de política climática, no anúncio da semana passada, são consideradas expressivas as decisões do governo de, no Plano Safra Agricultura Familiar (Safra AF), (1) cortar as taxas de juros na proporção entre um quarto e um terço dos padrões do ano anterior (varia conforme a modalidade), e (2) ampliar os tetos por projeto para modalidades importantes, como agroecologia e mulheres, cujos tetos foram aumentados a mais de 100% e a 60%, respectivamente. O reajuste de limites das demais modalidades oscila entre 10% e 20%. Juntas, as decisões representam um ganho de atratividade dos financiamentos ofertados. No entanto, o volume praticado ainda é pequeno, se comparado a outras políticas de fomento, a exemplo do próprio “irmão mais velho”: o Safra Agronegócio, voltado para grandes empresários do setor.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) deixou de lado os números e preferiu exaltar o plano qualitativamente, enfatizando a conexão do Safra AF com o Plano de Transformação Ecológica (PTE), na medida em que ambos incentivam a produção rural com baixas emissões. O presidente Lula reforçou a importância de que o valor disponibilizado seja efetivamente aplicado pelos bancos, destacando que, quanto mais o Brasil produzir gêneros alimentícios, mais afastada estará a inflação nas prateleiras das feiras e supermercados.

Outro setor que parece sair satisfeito da cerimônia é o de veículos automotores. Isso porque a nova edição do Safra AF estima o aumento do volume de contratos para aquisição de máquinas agrícolas, em especial microtratores, compatíveis com a pequena produção agrícola. O valor contratado saiu de R$ 7,7 bi para R$ 9,9 bi no último período, e agora deve superar os dois dígitos.

É evidente que as medidas tomadas pelo governo quanto ao Safra AF se mostram positivas e necessárias, mas diante de um montante disponibilizado que incrementou apenas $ 4,5 bilhões (aprox. 6%) de um ano para o outro, o Safra AF seguirá sendo insuficiente para a aceleração de resultados no campo, em linha com com o Acordo de Paris. Importa lembrar que é no setor agrário que se concentram cerca de 27% das emissões brasileiras totais. (Veja a nossa análise no site)

PSA e Recursos Genéticos

Relacionado também ao anúncio do Plano Safra para Agricultura Familiar, o Programa Coopera Mais Brasil pretende apoiar a produção e a comercialização dos produtos da agricultura familiar, com reconhecimento dos modelos de cooperação presentes na organização territorial e produtiva de povos e comunidades tradicionais e de povos indígenas. Um dos objetivos do programa é promover a valorização dos serviços ambientais e o incentivo a pagamentos pelos serviços ambientais, no entanto é importante destacar que a lei que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais ainda demanda regulamentação para ser de fato implementada.

A Política Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Recursos Genéticos foi estabelecida para promover o uso sustentável dos recursos genéticos, aplicados à agropecuária e alimentação, observada a justa repartição de benefícios e participação e controle social por parte dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares. A Política deve ser implementada em regime de cooperação com os estados, o Distrito Federal, os municípios, organizações da sociedade civil e entidades privadas. A governança deverá ser realizada via Comitê Gestor, a ser estabelecido por portaria interministerial.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Em uma semana cheia, o Monitor de Atos Públicos captou 22 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 1º e 5 de julho. Os temas mais frequentes da semana foram Terras e Territórios e Florestas e Vegetação Nativa com 5 normas cada. A classe mais captada da semana foi Regulação (8), seguida de Planejamento (7).

Federalismo Climático

Resultado, da 1ª Reunião do Conselho da Federação, instituído em abril/2024, o compromisso para o federalismo climático posiciona a mudança do clima no centro da agenda política e governamental, que passa a ser considerada como prioritária no processo de tomada de decisão do Poder Executivo, em cada nível de governo. Como princípio orientador está a busca por uma transição justa, que minimize as desigualdades sociais, de gênero e de raça e que promova equidade, inclusão social e cidadania climática. A orientação é que cada ente federativo defina seus próprios instrumentos e metas climáticas e implemente mecanismos de transparência que viabilizem a participação social na gestão das políticas climáticas. O compromisso define, ainda, que as políticas públicas devem levar em conta a mitigação das emissões e a adaptação climática e que em todas as fases devem ser considerados os riscos climáticos associados.

Minha Casa, Minha energia limpa

Um decreto instituiu o Programa Energia Limpa no Minha Casa, Minha Vida(MCMV). O programa é uma iniciativa conjunta do MCID e do Ministério de Minas e Energia (MME), anunciado pelo governo como uma “união” do MCMV ao Programa Luz para Todos, sob a diretriz da sustentabilidade. Trata-se de um aperfeiçoamento na estrutura das habitações, com potencial positivo em diferentes dimensões: uma delas é redução das emissões per capita e colaboração à transição energética, com impacto direto nas famílias de baixa renda, público-alvo do programa, pela redução dos gastos em energia elétrica, que desonera a renda mensal e amplia a autonomia familiar. A Política Por Inteiro analisou aqui a perspectiva climática do Minha Casa, Minha Vida.

Povos indígenas no CNPE

Alterado o Decreto nº 3.520 de 2000, que dispõe sobre a estrutura e o funcionamento do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE para incluir na composição do Conselho o ministro de Estado dos Povos Indígenas e o ministro de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Um sinal importante de participação da representação institucional dos povos indígenas, visto que diversos empreendimentos energéticos envolvem questões territoriais indígenas, assim como implicam em impactos socioambientais sentidos pelos povos originários.

Territórios Quilombolas

Na última semana, foram reconhecidas e declaradas mais 3 comunidades remanescentes de quilombos, o Território Quilombola Macacos, em São Miguel do Tapuio (Piauí), o Território Quilombola Campo Redondo, em Bacabal (Maranhão), e a Comunidade Remanescente de Quilombo de Rosário, em Salvaterra (Pará). O reconhecimento desses mais de 8 mil hectares é um passo fundamental para a garantia de justiça climática e de contribuição da gestão territorial quilombola com a mitigação de gases de efeito estufa.

Florestas Produtivas

Foi criado o Programa Nacional de Florestas Produtivas, com a finalidade recuperar áreas que foram alteradas ou degradadas para fins produtivos, por meio de sistemas agroflorestais, contribuindo para a regularização ambiental da agricultura familiar. O programa será adaptado aos biomas brasileiros e é restrito aos agricultores familiares beneficiários da Política Nacional de Reforma Agrária. A implementação está bastante direcionada para o financiamento do desenvolvimento dos sistemas agroflorestais. O programa estabelece ainda uma conexão importante com o PPCDAM, pois no bioma Amazônia os investimentos devem considerar os municípios definidos como prioritários para as ações de prevenção, monitoramento, controle e redução de desmatamentos e degradação florestal. Ainda, de acordo com o decreto, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa será orientador dos arranjos de implementação do Programa Florestas Produtivas. No entanto, é preciso ter clara a diferença de abordagem entre promover sistemas agroflorestais e recuperar vegetação nativa, além de diferenciar as metas estabelecidas para cada um desses esforços.

Estradas pelo clima

O Ministério dos Transportes publicou, na semana passada, portaria que classificou de um “novo marco verde” para as concessões das rodovias federais. A Portaria nº 622/2024 estabelece diretrizes de alocação de, no mínimo, 1% da receita bruta de contratos de concessões para o desenvolvimento de “infraestrutura resiliente, com o objetivo de reduzir os impactos na infraestrutura rodoviária decorrentes das mudanças do clima”.  A norma determina que esse recurso deverá ser incorporado à modelagem econômico-financeira do edital de licitação e considerado em conta vinculada da concessão. Para as concessões vigentes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deverá realizar, de forma prioritária, “estudo técnico por intermédio das concessionárias sob sua administração para identificar as áreas vulneráveis e mapear as necessidades de ações de adaptação da infraestrutura rodoviária frente às mudanças climáticas com a implantação de obras de infraestrutura resiliente e das ações mencionadas acima”.

Esse levantamento deve acabar apontando investimentos não previstos em contratos – o que indicará que as atuais concessões não consideraram os aspectos climáticos já postos há décadas pela ciência –, que gerarão impactos tarifários, a serem aprovados pelo Ministério dos Transportes e incluídos em adequações contratuais. Os recursos destinados à adaptação deverão estar limitados, “preferencialmente”, diz a norma, a 1% da receita bruta da concessão e também 1% de impacto na tarifa básica de pedágio.

LEGISLATIVO

Manejo Integrado do Fogo

O Plenário aprovou, dia 3 de julho, o Projeto de Lei que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PL 1818/2022). Originalmente o projeto foi proposto em 2018, e agora, depois de 6 anos, vai, finalmente, à sanção presidencial. A finalidade de se estabelecer uma Política Nacional é reduzir a incidência e os danos dos incêndios florestais no território nacional e, ao mesmo tempo, alinhar o entendimento sobre o papel ecológico do fogo nos ecossistemas, respeitando os saberes e práticas de uso tradicional, aumentando assim a capacidade de enfrentamento.

Hidrogênio menos verde

O Senado concluiu, semana passada, a votação do projeto de lei (PL 2.308/2023) da Câmara dos Deputados que estabelece o marco regulatório para a produção do hidrogênio de baixa emissão de carbono e determina incentivos fiscais e financeiros para o setor. O texto, já emendado, tinha definido uma linha de corte para o que poderia ser chamado de “verde”. O valor, 4 toneladas de dióxido de carbono por tonelada de hidrogênio, seria o máximo para o hidrogênio ser classificado como verde. Este valor está alinhado com a Europa, mas é maior do que o da Alemanha, por exemplo. Porém, no último momento, foi aprovado um valor de 7 toneladas. Ou seja, o hidrogênio vai contribuir pouco para atingirmos o zero líquido algum dia. Agora, o projeto deve voltar à Câmara.

BRASIL

Volta ao trabalho

Os servidores do Ibama e ICMBio suspenderam, sexta-feira (5), a greve nacional após determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em paralisação desde o fim de junho para reivindicar uma reestruturação das carreiras após tentativas fracassadas de negociação com o governo federal, os servidores ambientais anunciaram o retorno aos trabalhos em nota emitida pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA (ASCEMA). A decisão veio após o ministro Og Fernandes, do STJ, ter acatado o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) e estabelecido multa diária estipulada em R$ 200 mil em caso de descumprimento.

MUNDO

Recomendações ao G20

A agenda climática foi um dos temas centrais de um documento entregue pelo T20 aos líderes do G20 semana passada, após a T20 Brasil Midterm Conference, que ocorreu no Rio de Janeiro entre os dias 1 a 3 de julho.. O evento reuniu especialistas e representantes de 160 organizações de 33 países e a comunidade do G20 para revisar os progressos realizados ao longo do ano e consolidar o Comunicado do T20 Brasil, que busca influenciar as negociações e a declaração conjunta da Cúpula de Líderes do Grupo dos Vinte, que ocorrerá nos dias 18 e 19 em novembro. A Talanoa participou do encontro e está desde o início do ano colaborando com as discussões sobre as recomendações da Força-Tarefa 2, focada em clima e transição energética, mais especificamente no subtópico “Otimizando o acesso a fundos multilaterais e climáticos e alavancando capital privado para financiamento climático”. O T20 é um dos 13 grupos de engajamento oficiais do G20, que reúne think tanks e centros de pesquisa de países e organizações convidados. O evento foi organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou, entre 1° e 5 de julho, 3 atos de reconhecimento de situação de emergência decorrentes de eventos climáticos ou meteorológicos extremos em 5 municípios. A estiagem segue sendo registrada na Região Nordeste, assim como as tempestades na Região Sul. Nesta semana as normas de reconhecimento foram emitidas em menor quantidade, dessa forma registrando eventos mais pontuais.

TALANOA NA MÍDIA

Folha de São Paulo Artigo “Em plena emergência climática, EPE faz propaganda para fósseis”, por Shigueo Watanabe Jr.
Portal OEco Matéria “Infraestrutura e mineração ameaçam o refúgio do sauim-de-coleira”, com Wendell Andrade.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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