Metade do ano já foi, precisamos acelerar o ritmo

Os meses de junho sempre criam uma expectativa sobre o pacote de medidas do governo federal para a questão climática, muito atrelado à habitual celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente. Neste ano, mais do que o mote ambiental, o recorte climático dominou os anúncios. Do Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais ao Programa Cidades Resilientes, o tom foi um só: responder aos impactos climáticos em diferentes frentes. As iniciativas começam a aparecer de forma mais evidente menos de dois meses depois de as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul terem escancarado para todo o país a necessidade de políticas de adaptação à realidade climática e de mitigação. Só assim vamos evitar que continuemos em ritmo acelerado em direção a cenários em que tragédias como essa se repitam com mais frequência e intensidade.

Entre as normas, algumas bastante aguardadas, como a Estratégia Nacional de Bioeconomia. Entre os decretos publicados, a reestruturação do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) roubou a cena, com a ampliação da sociedade, da comunidade científica e de governos subnacionais no colegiado.

Por outro lado, no dia 19 de junho, durante simbólica cerimônia de posse, a nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, disse que a exploração e a produção de petróleo devem contribuir para financiar a transição energética, esquecendo-se, contudo, que os repasses vindos do setor de Óleo & Gás seriam apenas um band-aid para tentar cobrir uma cratera de gastos com eventos climáticos extremos, promovidos pela própria queima de mais combustíveis fósseis, aqui ou em qualquer lugar do mundo. Por exemplo, a Política por Inteiro levantou que mais de R$ 39 bilhões já foram destinados pelo governo federal para despesas relacionadas à calamidade pública no Rio Grande do Sul, em menos de 2 meses.

Na mesma ocasião, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, falou em “dar ao povo brasileiro o direito de conhecer suas riquezas”, uma retórica aparentemente bonita, mas que esbarra no passado e no presente, por exemplo, do Rio de Janeiro. Até onde a riqueza gerada pelo petróleo promoveu desenvolvimento concreto para o estado? O que economicamente serão as cidades de Maricá, Saquarema, Macaé, Campos e Cabo Frio, entre tantos outros municípios fluminenses, quando a produção de petróleo caminhar para o fim? Por que problemas sociais como bolsões de pobreza, falta d’água e saneamento deficiente não conseguem ser resolvidos nesses municípios? Se no Rio de Janeiro a política industrial petrolífera falhou em dar conta de questões sociais nos últimos 30 anos, por que no Amapá e no Pará seria diferente com a exploração de óleo na Foz do Amazonas?

Além disso, o discurso de Silveira ignora a relação que a ciência tem confirmado e alertado entre a exploração dos combustíveis fósseis, o aquecimento global e a mudança climática. Novas frentes de extração contribuem para aumentar as chances de eventos climáticos extremos – pelos quais o governo provavelmente não será responsabilizado, num futuro que já chegou. Até o momento, a Petrobras segue se dedicando muito pouco à transição energética: seu atual Plano de Negócios prevê não mais do que 11% do investimento total para “projetos de baixo carbono” no período 2024-2028, e há até quem defenda sua privatização, como disse com todas as letras o ex-presidente da companhia, Roberto Castello Branco, em entrevista neste mês.

Monitor de Atos Públicos

Em junho foram captados 42 atos relevantes para a política climática brasileira. As classes mais recorrentes neste mês foram Planejamento e Regulação, com 12 normas cada, seguidas de Revisão, com 7. Em comparação com o mês anterior, houve uma melhor distribuição entre atos de Planejamento e Regulação. Em maio captamos uma quantidade de normas acima da média para este governo, com muitos atos classificados como Planejamento. Para que o ciclo da política pública se movimente, o esperado para o segundo semestre de 2024 é que os atos de Regulação passem a ser mais frequentes.

O tema mais recorrente foi Florestas e Vegetação Nativa (9), com atos relacionados ao “pacote do Dia do Meio Ambiente” , que incluíram a criação de Unidades de Conservação, incluindo RPPNs e a criação da Estratégia Nacional de Bioeconomia e o Programa ProManguezais. Em segundo lugar, ficaram os temas Finanças (8) e Terras e Territórios (8). Em Finanças estão alocadas normas de abertura de orçamento da União, principalmente para a reconstrução da infraestrutura atingida pelo desastre climático no Rio Grande do Sul. Em Terras e Territórios estão as normas de reconhecimento de territórios quilombolas e destinação de terras públicas, além do emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Funai.

Passados 18 dos 48 meses do mandato federal, constatamos que a distribuição de atos da classe Planejamento continua elevada, quando comparados os primeiros semestres de 2023 e 2024.

Para que o ciclo de políticas públicas gire e a execução avance, o esperado era que no 2º ano de governo as normas de Planejamento já estivessem em queda, mas, ao contrário, aumentaram em comparação ao ano 1. A alta frequência delas em ano 2 sinaliza risco alto de que o governo não entregue amplos resultados de política climática, sobretudo se considerarmos o gasto de energia com eleições nos semestres 4 e 8 do mandato, além da COP-30, cuja preparação demandará cada vez mais tempo, até novembro de 2025. Entre diversos fatores, é provável que normas das classes Reforma Institucional e Revisão em 2023 tenham influenciado para que o Planejamento não avançasse no ritmo adequado no ano 1, “escapando” para o ano 2.

Outros impasses, como greves no funcionalismo público e questões judicializadas ou mediadas pelo Judiciário – como o marco temporal para demarcação de terras indígenas, por exemplo – dificultam ainda mais o cenário de entregas do governo.

Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe a atualização diária das medidas relevantes para a política climática nacional.

top-3

TOP 3 DESTAQUES DO MÊS

Em ano de Olimpíadas, todo mundo volta os olhares para Paris. Na Política por Inteiro, nosso pódio olha para o Acordo de Paris. Elegemos como os destaques de maio três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, no seguinte pódio:

🥈

Ministério das Cidades
Minha Casa Minha Vida passa a exigir atestados oficiais de terrenos não-suscetíveis a alagamentos/enchentes/
deslizamentos

🥇

Casa Civil
Aperfeiçoamento da estrutura do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima – CIM

🥉

Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)
Lançamento da Estratégia Nacional de Bioeconomia/Instituição do Programa Nacional de Conservação de Manguezais

AGENDAS

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”
“Governança”

CIM repaginado

A reforma do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) ampliou a participação governamental ao incluir mais três ministérios e a Advocacia Geral da União. A composição passa a contar com o Ministério das Mulheres, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e da Educação. Em resposta às críticas sobre a falta de participação da sociedade civil, de outros entes federativos e da ciência, foram criadas três câmaras: Câmara de Participação Social, Câmara de Articulação Interfederativa e Câmara de Assessoramento Científico. Cada uma dessas estruturas terá dois assentos, sem direito a voto, no CIM. As normas sobre composição e funcionamento delas ainda serão definidas por atos do CIM – ou seja, se o comitê seguir sem cumprir o ritmo mínimo de reuniões estabelecido por decreto (uma por semestre), essas câmaras não funcionarão. O CIM se reuniu, desde seu restabelecimento, há um ano, somente uma vez – em setembro de 2023. Além das Câmaras, a parte mais propositiva da revisão foi a criação do Subcomitê-Executivo, com representantes de 11 ministérios, sob a coordenação do MMA. O grupo será responsável, entre outras funções, por elaborar a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e promover sua implementação e monitoramento. Essa estrutura menor lembra o GEx que existia anteriormente. Com menos membros, é possível que haja mais celeridade na construção das políticas, mas, dado que seu trabalho deve subsidiar as decisões do CIM, há um limite para até onde a agenda pode caminhar sem uma maior mobilização do comitê em si. Além do braço executivo, foi criado também o subcomitê para a COP30, com sete ministérios, a fim de garantir que as políticas públicas nacionais estejam alinhadas com os objetivos da conferência, que ocorrerá em 2025 no Brasil.


Bioeconomia

Após 18 meses de governo, finalmente está oficializada a Estratégia Nacional de Bioeconomia. O documento, que é importante para guiar o desenho da política que virá, apresenta um conceito brasileiro de bioeconomia, que não é trivial, e indica a superação de uma disputa que já dura algum tempo. O conceito é essencial para garantir os devidos contornos que o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia deverá tomar. Uma vez lançada a estratégia, a roda não pode mais parar de girar. A contagem começou no dia 6 de junho, e os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e Fazenda (MF) têm 30 dias para instituir a Comissão Nacional de Bioeconomia, colegiado responsável pela elaboração do Plano. Tratado como um modelo de desenvolvimento produtivo e econômico, o decreto define que a bioeconomia deve exercitar a inovação para aproveitar ativos ambientais e ir ao encontro da bioindustrialização, colocando-se, portanto, em linha com a nova política industrial brasileira. Um grau acima, a Estratégia se conecta ao Plano de Transformação Ecológica (PTE), que ocupa o centro da política econômica nacional. Um dos objetivos da Estratégia é a criação do Sistema Nacional de Informações e Conhecimento sobre a Bioeconomia, que deve ser implementado pelo MMA e funcionará como um repositório de informações para subsidiar a tomada de decisões. A ideia é boa e traz consigo um desafio importante: a necessidade de pacificar o conceito brasileiro de bioeconomia num amplo debate com segmentos de diferentes interesses e visões de mundo. Mesmo sem um consenso interno, o país colocou o assunto na mesa do G20, grupo que envolve países com visões ainda mais distintas sobre o tema. A Política por Inteiro elaborou um artigo trazendo alertas e os próximos desafios brasileiros para que o assunto tenha impacto positivo na transformação ecológica do país.


Economia Circular

Em junho, o Brasil passou a ter mais uma Estratégia Nacional para chamar de sua. Lançada no início do mês, a de Economia Circular (ENEC) foi firmada por decreto. A ENEC se propõe ao desafio de delimitar um conceito brasileiro para um objeto amplo e complexo, o que merece reconhecimento. Não fixou prazo para que evolua à condição de Política ou Plano Nacional, embora tenha trazido elementos mínimos de política pública, como diretrizes, objetivos e metas a serem perseguidas. Apesar de as diretrizes terem sido abrangentes ao conceito, infelizmente faltou uma conexão mais explícita com a questão climática, considerando que o “consumo linear”, combatido pelo conceito circular, impacta diretamente no aumento de emissões que aceleram a desordem climática do planeta. Outro aspecto importante foi a ausência de qualquer menção ao orçamento destinado para ações futuras – parte essencial de qualquer política pública – mas, como Economia Circular é tema integrante do Plano Nova Indústria Brasil (NIB), com interfaces marcantes nas Missões 3 (Infraestrutura e mobilidade) e 5 (Bioeconomia, descarbonização e transição energética), supõe-se que ela deva contar com alguma parte dos R$ 300 bilhões destinados ao NIB nos próximos 3 anos. A norma criou, ainda, o Fórum Nacional de Economia Circular, a ser coordenado pelo MDIC, que deve funcionar para “assessorar, monitorar e avaliar” a ENEC.

“Mitigação”

Unidades de Conservação e Manguezais

Em junho, quatro Unidades de Conservação (UCs) foram criadas ou reconhecidas oficialmente em âmbito federal: duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), um Refúgio da Vida Silvestre (Revis) e um Monumento Natural (MoNa). As UCs estão situadas nas regiões Norte (AM), Nordeste (BA), Centro-Oeste (MS) e Sul (RS). Ainda nessa toada, o Brasil passa a ter o ProManguezais, programa nacional que deve fortalecer o olhar do Estado brasileiro para ecossistemas de mangue, que são grandes reservas de carbono e de biodiversidade, imprescindíveis para garantir a resiliência das zonas costeiras e marinhas. É importante compreender o ProManguezais dentro do contexto recente de rebuliço causado pelo Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº. 3/2022, chamado de PEC da privatização das praias.

Ainda quanto às duas UCs criadas no dia 5 de junho, são categorias de Proteção Integral conhecidas por permitirem uma maior interação com a sociedade: tanto o Revis do Sauim-de-Coleira, no Amazonas, quanto o MoNA Cavernas de São Desidério, na Bahia, deverão ser áreas protegidas cuja implementação passa necessariamente pela interação com a sociedade, que pode ser bastante estimulada por atividades de turismo, bioeconomia, educação e pesquisa científica.

A criação do MoNA Cavernas de São Desidério, na Bahia, é ainda mais significativa diante dos dados de desmatamento divulgados pelo MapBiomas em junho, que apontaram São Desidério como o município que mais desmatou em 2023. A perda de vegetação nativa chegou a 40.052 hectares, 9% a mais que em 2022, ultrapassando o município de Lábrea/AM que foi o campeão em 2022. A UC criada totaliza 16 mil hectares de área protegida (cerca de 1% do município) e espera-se que seja o início do esforço do poder público em conter o avanço do desmatamento no Cerrado.

O Placar da Política por Inteiro aponta que, até o momento, desde o início do governo Lula, 12 Unidades de Conservação foram instituídas, totalizando 278 mil hectares. No entanto, cabe o alerta: apenas cinco delas foram criadas por esforço governamental; as outras sete são iniciativas particulares pontuais, que apenas foram reconhecidas oficialmente pelo Estado brasileiro.


Simpacto

Por meio de portaria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), foi criado em junho o Sistema Nacional de Economia de Impacto – Simpacto. O Sistema Nacional é uma evolução da Estratégia Nacional de Economia de Impacto (Enimpacto), lançada ainda em 2023 pelo governo, e tem como objetivo principal estimular os entes federados a desenvolver políticas públicas de incentivo a empreendimentos que “busquem equilíbrio entre resultados financeiros e a promoção de soluções para problemas sociais e ambientais”.

O conceito de Economia de Impacto a ser incentivado pelo Simpacto objetiva apoiar atividades econômicas estruturadas para promoverem, além dos lucros, um “impacto socioambiental positivo, que permita a regeneração, a restauração e a renovação dos recursos naturais e a inclusão de comunidades, e contribua para um sistema econômico inclusivo, equitativo e regenerativo“. Até por um imperativo com o Plano de Transformação Ecológica (PTE), atividades classificadas como economia de impacto precisam ganhar espaço na economia nacional. Existe um potencial de sinergia entre o recém-criado Simpacto e o sistema de Taxonomia Sustentável Brasileira que está em andamento. Além disso, há correlação com a Nova Indústria Brasil (NIB) e a possibilidade, inclusive, de melhor orientar os R$ 300 bilhões de investimento anunciados pelo governo para o NIB. Não menos importante, vem o PTE, com uma abordagem macro que em seu escopo engloba todas as anteriores.

Há expectativa de que o Simpacto sirva como um dos aceleradores do processo transformacional da matriz econômica brasileira em direção à descarbonização. No recorte para os estados, a emergência do Simpacto é uma ótima oportunidade para que sejam revistas as políticas estaduais de incentivos fiscais. O arranjo de funcionamento da política é considerado pragmático: uma coordenação nacional e 27 coordenações estaduais, mais DF. A adesão dos estados é voluntária e deverá se dar por Acordos de Cooperação. A coordenação fica a cargo da Secretaria Nacional de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria, do MDIC.

“Adaptação”

Cidades Verdes Resilientes 

O Programa Cidades Verdes Resilientes – PCVR foi lançado com o objetivo de aumentar a capacidade de suporte dos territórios mais vulneráveis aos impactos da mudança do clima. Uma das linhas de ação do PCVR é a articulação institucional, tarefa que já se torna urgente, visto que no PAC consta o eixo “cidades sustentáveis e resilientes” que tem previsto mais de R$ 600 bilhões em investimentos. No entanto, a infraestrutura financiada pelo PAC hoje não atende às necessidades de adaptação das cidades, pois não inclui de forma substantiva tecnologias de baixo carbono nem soluções baseadas na natureza, pontos fundamentais no planejamento do PCVR. Dessa forma, uma recomendação é articular as ações e alinhar os esforços do Cidades Verdes Resilientes aproveitando a força do PAC para a execução de uma estratégia de resiliência voltada ao meio ambiente urbano, de forma a promover a redução das desigualdades pela lente da justiça climática.


Minha Casa Minha Vida se movimenta

Em resposta à situação do Rio Grande do Sul, neste mês o Ministério das Cidades (MCid) abriu chamamento para construção de casas destinadas a famílias atingidas pelo desastre. A novidade é a obrigatoriedade que as construtoras passam a ter em apresentar declaração oficial prévia de órgãos competentes que assegure que “as áreas em que serão construídas as unidades habitacionais não sejam suscetíveis a risco de alagamento, enchente ou deslizamento”. Essa inclusão, que à primeira vista pode ser encarada como um aperfeiçoamento procedimental, pode incidir direta e favoravelmente em políticas locais de adaptação aos efeitos da mudança do clima, buscando minorar os riscos de prejuízos materiais e humanos em novas ocorrências de eventos extremos. Contudo, por diferentes motivos, essas declarações de não-risco inspiram cuidados e pontos de alerta. Não vai adiantar, por exemplo, a emissão de meros pareceres dizendo “aqui nunca inundou ou nunca deslizou”. Será preciso que os órgãos competentes incorporem uma leitura atenta dos modelos climáticos futuros, posto que estamos sob um novo padrão climático.

Dada a complexidade do assunto, é esperado que o processo de avaliação das propostas, pelo MCid, seja criterioso e considere com maior peso aquelas efetivamente preocupadas em entregar habitações em linha com a Ciência do Clima. Espera-se, ainda, que o Ministério seja transparente o suficiente para que a sociedade entenda as propostas vencedoras e quais seus cuidados empenhados para que o Brasil tenha habitações resilientes ao clima.

Observando a movimentação do Ministério das Cidades e disposta a colaborar, a Política por Inteiro produziu uma análise com alertas e recomendações de aplicação imediata.


Adaptação virou lei

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou no final de junho (27), durante a 3ª reunião do Conselhão, o Projeto de Lei 4129/2021, de iniciativa da deputada Tábata Amaral. O projeto, que agora é a Lei nº. 14.904, define diretrizes para a elaboração de planos de adaptação às mudanças climáticas nos níveis municipal, estadual e nacional, trazendo a vulnerabilidade e o risco climático para o centro do processo de desenho de políticas públicas. O texto original previa critérios de raça, etnia, gênero e deficiência como princípios norteadores dos planos de adaptação. No entanto, esses critérios foram retirados do texto  após pressão de parlamentares da extrema direita. O projeto altera também a Política Nacional sobre Mudança do Clima, adicionando a possibilidade de financiamento para a implementação de planos que contenham a componente adaptação por parte do Fundo Nacional de Mudança do Clima (FNMC).

“Financiamento”

Mover 

O Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que incentiva a descarbonização da indústria automobilística do país, foi sancionado e virou lei. Proposto via Medida Provisória (MP 1.205) no final de 2023 e prorrogado pela Mesa Diretora do Congresso Nacional até o final de maio deste ano, quando finalmente foi votado, o programa tem conexão direta com o Plano Nova Indústria Brasil (NIB). Antes mesmo de virar lei, 77 empresas já estavam (e estão) credenciadas pelo governo a aderir ao pacote de incentivos concebido pelos Ministérios da Fazenda, da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Além de crédito para a mobilidade de baixo carbono, o texto final foi aprovado com o jabuti da taxa das blusinhas, que acaba com a isenção de impostos para compras em grandes varejistas internacionais.


Rio Grande do Sul

A MP 1.233 prevê crédito para a reconstrução da infraestrutura atingida pelas enchentes no Rio Grande do Sul. A norma é parte do pacote de recursos destinados à reconstrução após o desastre climático. O montante até agora empregado reforça a necessidade de adaptação e gestão de riscos, já que o custo do reparo, financeiro e humano, é muito maior para governos e sociedade.


Arborização urbana

É necessário repensar o planejamento urbano, considerando instrumentos capazes de responder ao novo clima. Soluções baseadas na natureza (SBN), como a arborização das ruas e a recuperação de áreas degradadas, estão na prateleira das ações a serem tomadas. Com a finalidade de propor mecanismos de financiamento e instrumentos regulatórios para garantir orçamento para tais iniciativas, foi criado um Grupo de Trabalho – GT no MMA, que deverá propor mecanismos de aplicação dos recursos oriundos de multas por crime ambiental e de cobrança de taxas pela autorização de poda e de corte de árvores. O prazo para a conclusão dos trabalhos é de 6 meses, a contar da primeira reunião.


Conselho Monetário Nacional

Nesse mês o CMN publicou uma norma importante regulamentando as linhas de financiamento que apoiem a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e assim contribuem no enfrentamento das consequências sociais e econômicas de calamidades públicas no Brasil. O texto original passou por uma revisão que qualificou com mais detalhes quem é elegível ao objeto da norma. Foi inserida a expressão “e que tiveram perdas materiais em áreas efetivamente atingidas pelos eventos climáticos extremos, conforme delimitação georreferenciada fixada em ato do Ministério da Fazenda”.

BRASIL

PNMC

O Grupo Técnico Temporário (GTT) do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), criado para revisar a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), encerrou seu trabalho. O anteprojeto de lei agora aguarda análise do colegiado de ministros. O Instituto Talanoa participou das discussões como representante do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC). Entenda os próximos passos da atualização da PNMC no blog da Política por Inteiro.

Pantanal 

O Pantanal fecha o mês de junho com um recorde histórico de queimadas e levando alguns importantes sinais de alerta para o país. De 1º de janeiro até 30 de junho, 3.538 focos de incêndio foram registrados em todo o bioma, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), resultando no pior primeiro semestre da série histórica, iniciada em 1999.  O número de focos de calor do mês – 2.639 focos –  é mais de 30 vezes superior ao detectado em junho de 2023, quando 77 focos foram registrados nas imagens de satélites. A área queimada neste ano já é superior a 688 mil hectares, segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Outro dado que chama a atenção é a antecipação da temporada de fogo, que costuma ocorrer somente no segundo semestre do ano, atingindo o pico em setembro. A mudança do clima e os efeitos do El Niño anteciparam e agravaram a estiagem. Soma-se a isso o fato de o Pantanal, maior planície alagável do mundo, ser o bioma que mais secou no país desde 1985. Um levantamento do MapBiomas mostrou que a superfície de água anual registrada em 2023 ficou em 3.820 km², o que representou uma redução de 61% em relação à média histórica. No Brasil, a superfície de água encolheu 3% em 2023, em relação ao ano anterior.

Com a antecipação da temporada de fogo, o governo agora corre contra o tempo para dar uma resposta rápida e eficaz a fim de evitar um cenário ainda mais devastador do que aquele registrado em 2020, quando o Pantanal teve um quarto de sua área consumida pelos incêndios. A Sala de Situação, criada para articular ações interministeriais de resposta ao fogo,  realizou a sua segunda reunião neste mês e anunciou que vai liberar R$ 100 milhões para ações do Ibama e ICMBio e o envio de brigadistas e  agentes da Força Nacional para as ações de combate. Além disso, um Plano Operativo Integrado, que reúne ações extraordinárias para o Pantanal e a Amazônia, deve ser entregue até 30 de julho. Esse plano segue uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que acolheu ações movidas durante o governo Bolsonaro. Em uma situação normal, as ações que estão sendo tomadas ainda em junho poderiam ser consideradas preventivas, já que a temporada de fogo acontece normalmente no segundo semestre. No entanto, alguns especialistas indicam que o governo está atrasado, já que essa antecipação do fogo era prevista. Tardia ou não, neste momento, o mais importante é saber se essa resposta será suficiente para evitar uma tragédia ainda maior.

LEGISLATIVO

Hidrogênio verde

No dia 19 de junho, foi aprovado em votação simbólica o texto-base do Projeto de Lei (PL) do hidrogênio verde, que está relacionado ao desenvolvimento e fortalecimento do mercado e da indústria do hidrogênio como vetor energético no Brasil. O projeto cria incentivos tributários no valor de R$ 18,3 bilhões entre 2028 e 2032 para os produtores de hidrogênio verde e permitirá, a partir do próximo ano, que as empresas abatam tributos como PIS e Cofins para a instalação de unidades produtivas. Durante a tramitação, houve alterações no texto original, como a ampliação das fontes de energia que terão acesso a benefícios tributários, incluindo o etanol e as hidrelétricas. Os próximos passos são a votação de emendas e, então, o retorno à Câmara dos Deputados, já que os senadores alteraram a proposta.

MUNDO

“Quantum” falta para uma COP29 bem-sucedida?

A 60ª reunião dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que ocorreu na primeira quinzena de junho em Bonn, na Alemanha, não conseguiu pavimentar um caminho mais suave para a 29ª Conferência das Partes (COP). No encontro ficou evidente a falta confiança e consenso em relação a um dos temas mais espinhosos da agenda climática: o financiamento climático. Nas duas semanas de discussões, não se conseguiu chegar a uma robusta proposta para a Nova Meta Quantificada Global de Finanças (NCQG) estruturada. Além disso, os países signatários não deram sinais de comprometimento com  a entrega de NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês) mais ambiciosas. Apesar da frustração sobre os resultados de Bonn, ainda há tempo de melhorar o cenário para a COP29, que ocorre em novembro em Baku, no Azerbaijão.

Brasil e os Plásticos

O Brasil anunciou sua adesão ao Diálogo sobre Poluição por Plásticos e Comércio Sustentável (DPP) da OMC, juntando-se a outros 82 países. Este diálogo visa aumentar a transparência nas políticas nacionais sobre plásticos, analisar cadeias de valor e promover práticas comerciais sustentáveis. Em comunicado oficial, o país se comprometeu a participar ativamente do DPP, com posições alinhadas às “três dimensões integradas do desenvolvimento sustentável”. Paralelamente, o Brasil continua participando das negociações da ONU para um tratado global de combate à poluição por plásticos. Esta iniciativa busca um acordo vinculante até o final de 2024 para reduzir a poluição plástica em escala mundial, complementando esforços regionais e nacionais. A adesão ao DPP e a participação nas negociações da ONU oferecem ao Brasil a chance de se destacar globalmente em práticas sustentáveis, abrindo novas oportunidades de exportação, na esteira da neoindustrialização. No entanto, essas participações também aumentam a pressão para que o país avance em soluções concretas para a poluição plástica.

Em maio, foram emitidas 29 normas de reconhecimento de situação de emergência e calamidade pública, afetando 212 municípios. A seca foi o evento mais registrado no mês de junho, concentrado no estado de Minas Gerais. A estiagem segue permanente nos estados da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, com eventos pontuais em Mato Grosso e no Paraná. Alagamentos e tempestades ainda seguem sendo registradas nos estados do Sul do país e também na Região Norte, no Pará. Os incêndios florestais do Pantanal foram reconhecidos em municípios do Mato Grosso do Sul. A classe Outros registrou neste mês epidemias de dengue e movimentos de massa, decorrentes de chuvas intensas.

Análise Mensal Junho - Desastres - Política Por Inteiro - 20240705

TERMÔMETRO DO MÊS

Junho trouxe passos importantes no campo da governança, como as Estratégias Nacionais de Bioeconomia (ENEB) – há muito esperadas – e Economia Circular (ENEC), além da própria reformulação do CIM, que agora se aproxima um tanto mais da ciência, da sociedade civil e de governos subnacionais.

Olhando para frente, o desafio do segundo semestre é consolidar essas estratégias em planos contundentes, com ações, orçamento, prazos e arranjos institucionais de execução bem definidos, além de interfaces com políticas públicas já em curso (vide PPCDAm e Nova Indústria Brasil). O Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia, por exemplo, tem prazo para “nascer”: 5 de setembro de 2024, no máximo. No entanto, a Comissão Nacional de Bioeconomia, que por determinação de decreto deveria ter sido criada até 5 de julho, não o foi, o que pode estourar o prazo para entrega do Plano Nacional.

Já no caso do CIM, o desafio é, no contexto de eleições municipais, reunir a atenção dos ministros para recepcionar e avaliar o resultado dos grupos técnicos nos planos setoriais de adaptação, mitigação e a nova Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Isso porque muitos ministros são políticos e estarão com as atenções voltadas para emplacar candidatos da base em seus locais de influência, subtraindo tempo do que importa para as entregas de governo. Em julho, o CIM já deve tornar público o anteprojeto de lei da atualização da PNMC.

Com a temporada de incêndios e de seca iniciando antecipadamente e com gravidade – já no primeiro trimestre, no caso do Pantanal – os números de julho e agosto dirão o quanto o estabelecimento de uma sala de crise permanente envolvendo diferentes ministérios terá possibilitado evitar os piores cenários. A ver.

Na Amazônia, crescerão os alertas de seca e, diferentemente do ano passado, o governo precisará agir rapidamente para conter danos. Para tanto, aproximar-se dos governos subnacionais é vital, como esboçou recentemente, quando o tímido Conselho da Federação editou resolução pactuando um “federalismo climático”. Como é sabido, os meses de junho a setembro são críticos para a ocorrência de chuvas, fator que também faz ferver a conta do desmatamento. Uma iniciativa a ser acompanhada de perto nos próximos meses é o Programa União com Municípios, em que oficialmente ingressaram 48 (dos 70) municípios prioritários para controle do desmatamento e da degradação florestal na região. Observar como as taxas de desmatamento se comportarão nestes municípios nos próximos meses, bem como o que o jogo político produzirá em relação ao resultado de eleições locais poderá nos dizer muito sobre se a pactuação estimulada pelo programa irá funcionar, e se poderá ter êxito em 2025.

Seca e estiagem não preocupam só na Amazônia. Nosso monitor indica que ambas já estão fortes no Nordeste, o que sinaliza sobre a escassez de água na região, com consequências a todo o Brasil. A volta da bandeira amarela para consumo de energia, em função do acionamento de usinas termelétricas, a partir de julho, reforça a preocupação com a questão hídrica. O consumidor irá pagar mais caro, e duplamente: no consumo da família e no sobrepreço do consumo, em função dos custos empresariais com energia elétrica. Não bastasse, neste mês o MapBiomas revelou que a superfície de lâmina d’água no Brasil vem reduzindo. Enquanto o agronegócio segue “exportando água” por meio da produção de soja e carne à China e ao mercado europeu, o Brasil segue sem acelerar seu Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que, no sentido oposto, poderia estar “gerando” água. Uma oportunidade que escapa entre os dedos é a do novo Plano Safra, que demonstrou baixa ambição no financiamento dedicado a essa recuperação. Os números do Plano, estagnados para o financiamento da agricultura de baixo carbono, já são por si só um alerta.

Ainda sobre a questão hídrica, uma recomendação é que o Brasil retome a lógica de gestão por bacias hidrográficas, fortalecendo os Comitês de Bacia e fazendo a Administração Pública e os planos de desenvolvimento funcionarem sob medida conforme a configuração hidrográfica da região.

No Congresso, espera-se que o relatório do projeto de lei sobre a implementação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) seja divulgado e aprovado na Comissão do Meio Ambiente (CMA) antes do recesso parlamentar, que começa dia 19. Outra proposta que foi à Câmara e voltou ao Senado e está ainda sem data de apreciação é o marco das eólicas offshore. Com as eleições de outubro e a mobilização dos congressistas em suas bases, é provável que o que não for aprovado até o recesso acabe ficando para o fim de outubro, pós-eleições.

A falta de senso de urgência diante da crise climática segue sendo um problema no Brasil. Três semestres, de oito, já ficaram para trás.

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