Na semana em que celebramos o Dia Mundial da Biodiversidade – e também os 9 anos da Lei da Biodiversidade nacional – não poderíamos deixar de trazer à luz um termo ainda de difícil aderência a gestores e parlamentares em todo o Brasil, mas capaz de entregar um pacote de saídas que tem poder para viabilizar compromissos de interesse público. Com raríssimas exceções, as cidades brasileiras têm severas dificuldades para ampliar a qualidade de vida de seus cidadãos por meio de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), um conjunto de iniciativas que faz da biodiversidade uma aliada para uma vida melhor.
O cardápio é extenso, seus itens têm sido estudados há anos, estão catalogados e de fácil acesso em um sem-fim de publicações que demonstram sua eficácia e, se for o caso, têm a seu favor também fortes argumentos econômicos a curto, médio e principalmente longo prazos. Um deles é a saúde das contas, tanto públicas quanto privadas (alô, bancos e seguradoras!), dentro das quais, no horizonte ainda desta década, se poderia reduzir os gastos com catástrofes. Se é assim, então… o que estaria faltando além de visão, vontade e decisão políticas?
Aqui vão algumas soluções baseadas na natureza:
- Parques urbanos, que além de servirem para caminhadas e meditações, também “recolhem” o excesso de água na hora da chuvarada;
- Quintais agroecológicos, que chamam polinizadores e também a cantoria bonita dos pássaros, talentosos dispersores de sementes. Aliás, os mesmos quintais que, além de trazerem conforto térmico e psicológico e funcionarem como “esponjas” (para usar o novo termo da vez), poderiam ter sua replicação estimulada por descontos tributários;
- Hortas comunitárias, que, no lugar de imóveis abandonados onde proliferam vetores de doenças, poderiam ampliar a segurança alimentar e nutricional de famílias de baixa renda, assim como fortalecer laços sociais entre a vizinhança do bairro;
- Telhados verdes, que poderiam a baixos custos ampliar nossas relações com a biodiversidade, “agarrar” água da chuva e ainda trazer economia nas contas de energia elétrica de residências, empresas e repartições públicas;
- A própria arborização urbana em grandes corredores de tráfego, que traria especial conforto térmico a pedestres, ciclistas e motociclistas, reduzindo o estresse e, consequentemente, a ocorrência de acidentes e brigas de trânsito, além de estimular uma circulação menos carregada e patogênica;
- E, é claro, robustos programas de reflorestamento (e florestamento também, onde antes não tinha árvore!) nos centros urbanos, entre tantas outras iniciativas.
Caberiam, também, medidas inspiradas na natureza e que a sociedade pode “imitar” com baixo custo e ótimo retorno, a exemplo do aproveitamento de água da chuva a partir de sistema inteligente de calhas nas edificações. Uma tecnologia social de baixo custo, que levaria boa parte da água dos temporais para cisternas (similares às raízes de plantas, numa floresta), para as mais variadas demandas humanas diárias, e que reduziria a pressão sobre os reservatórios das cidades, trariam economia para o bolso e, não bastasse, diminuiriam as chances de alagamentos.
Num Brasil ideal, se esperaria que a proposição de Programas Municipais de Soluções Baseadas na Natureza, com espírito pragmático e mão-na-massa, fosse já um movimento espontâneo de vereadores e prefeitos, cujas administrações têm sido cada vez mais minadas por eventos climáticos. A premissa é simples: mais investimento hoje em prevenção e planejamento é menos gasto amanhã com remediação e gestão de crise. No entanto, como o Brasil está longe de qualquer ideal e isso não vem acontecendo, o governo federal pode induzir esse movimento nos municípios, descentralizando orçamento e fazendo da elaboração e da implementação desses programas condicionantes para ampliar os repasses federais.
Medidas como essa encontrariam fáceis e fartas justificativas técnicas. Uma delas no campo da saúde fiscal, já que num Brasil de baixos tetos de gastos, os custos para remediar eventos climáticos têm tomado o espaço de investimentos públicos, o que, no fim do dia, impede que a conta feche. De novo, a coisa volta para o ponto de sempre: parecem faltar visão, vontade e decisão políticas.
A dificuldade de as soluções provenientes da biodiversidade emplacarem na vida das cidades talvez decorra da ideologia desenvolvimentista reinante no século passado na América Latina, que deixou de herança visões – que hoje a Ciência demonstra – estavam equivocadas sobre a Natureza: ela não era um insistente obstáculo ao progresso, muito menos um objeto a ser apropriado ou dominado. Ela era – e continua sendo – a infraestrutura mais importante, sem a qual todas as demais infraestruturas, projetadas pelo ser humano, não prevalecem.
Num país em que trocar a terra pelo cimento no quintal e cortar a árvore da calçada (em nome de estacionar o carro…) ainda é sinônimo de progresso para muita gente, já poderíamos ter admitido que nossa cidadania falhou ao não formar indivíduos que compreendam o papel essencial da biodiversidade para as nossas vidas. Em vez disso, ainda somos um país que comumente reduz educação ambiental a explicar lixeiras coloridas. Se de um lado a inclusão de Soluções Baseadas na Natureza como instrumentos de gestão das cidades pode dar bons resultados ainda nesta década, serão somente profundas reformas – a começar da revisão dos estímulos governamentais a cidadãos e empresas, passando pelo repensar de nossas bases educacionais formais – que irão melhorar, concretamente, a vida de nossas cidades.
É tarde, mas ainda temos tempo.