Eco Invest deve respeitar a governança do Fundo Clima

O Ministério da Fazenda tem trabalhado para criar mecanismos que direcionem a transição da economia brasileira a um modelo de baixo carbono, sob o guarda-chuva do Plano de Transformação Ecológica. O programa Eco Invest, instituído pela Medida Provisória (MP) 1.213, nesta semana, é um desses instrumentos que visam a canalizar fluxos de capital para a descarbonização e a adaptação às mudanças climáticas. Uma iniciativa necessária, visto que é indispensável a participação do capital privado em grande escala para alcançar os montantes mínimos estimados para a transição.

Instituído no âmbito do Fundo Nacional de Mudança do Clima (FNMC ou Fundo Clima), o Eco Invest deveria seguir os ritos de governança estabelecidos na criação desse instrumento, pela Lei 12.114/2009, regulamentada pelo decreto 9.578/2018, alterado pelo decreto 11.549/2023. Porém, não é o que consta na MP publicada nesta semana. Segundo ela, a linha de financiamento do programa terá contabilidade e governança próprias, com recursos segregados e apartados dos demais valores do Fundo Clima. 

Segundo a MP, a gestão e a governança da linha caberão ao Comitê Executivo do referido programa, vinculado ao Ministério da Fazenda. O Comitê Gestor do Fundo Clima será apenas informado a posteriori, por meio de relatório anual consolidado, sobre atos e atividades. No parágrafo § 2º do Art. 31 da referida MP, fica claro que “a Linha de que trata o § 1º terá contabilidade e governança próprias e contará com recursos segregados e apartados dos demais recursos do FNMC”.

A mobilização de capital externo com a proteção cambial estruturada pelo Eco Invest tem potencial de atrair investimentos para as finalidades da PNMC e do Fundo Clima. Porém, sua eficácia dependerá justamente da credibilidade da política climática e das instituições dedicadas a ela no Brasil. Portanto, é fundamental o alinhamento do programa às diretrizes do Fundo Clima e da PNMC, para que os recursos privados externos ingressem nos projetos que reduzam significativamente o patamar de emissões de gases de efeito estufa nacionais.

O Eco Invest está sendo apresentado como um programa que “amplia o escopo do Fundo Clima”. Sua operacionalização, entretanto, não foi levada ao conhecimento do Comitê Gestor do Fundo, instância que deve aprovar anualmente o plano de aplicação dos recursos do FNMC, não havendo margem para gestão “paralela” de recursos dentro do instrumento.

Além disso, a MP indica que ato do ministro da Fazenda estabelecerá os critérios para a “elegibilidade dos investimentos ao Programa Eco Invest Brasil”, o que diverge da natureza e governança do Fundo Clima. Como instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), instituída pela Lei 12.187/2009, ele possui uma governança estruturada e que contempla garantias de transparência, participação e controle social. 

Em recente evento em São Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou sobre a relevância da agenda climática e destacou os riscos de que ela seja capturada por lobbies econômicos, perpetuando benefícios, como normalmente ocorre no país. Ele defendeu que a ameaça do que chamou de patrimonialismo verde precisa ser evitada “pela organização da sociedade e pela transparência no trato da coisa pública e pelo acompanhamento dos interessados do que está se fazendo em termos estratégicos para uma transformação ecológica e social com os cuidados devidos”.

Como bem pontuou o ministro da Fazenda, não se podem abrir brechas para o “patrimonialismo verde”. E a MP do Eco Invest traz um risco grande quando determina a criação de uma “governança ad hoc dentro do Fundo Clima”, com regras próprias.

O Governo Lula 3 é marcado pelo objetivo de reconstrução nacional e a agenda de participação social e governança compartilhada são marcas históricas das administrações do Partido dos Trabalhadores. Portanto, espera-se que o Ministério da Fazenda possa ajustar os pontos críticos da MP do Eco Invest, a começar por uma apresentação do programa ao Comitê Gestor do Fundo Clima, em caráter imediato e extraordinário, de modo a esclarecer como ele será operacionalizado e possibilitar a clara e livre informação de seus membros. Esses esclarecimentos devem ser reforçados com um parecer jurídico apresentando os riscos e oportunidades e um parecer indicativo quanto à oportunidade da implementação do disposto na MP, de modo a respeitar os ritos de governança do Fundo Clima e buscando evitar a abertura de precedente à terceirização de responsabilidades sobre o FNMC. 

Do ponto de vista normativo, deve ser necessária uma nova MP ou a submissão de propostas e emendas na tramitação legislativa da medida, a partir das deliberações do Comitê Gestor do Fundo Clima. Dessa forma, confere-se maior segurança jurídica do instrumento proposto, possibilitando o sucesso do programa Eco Invest.

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