Até que ponto o novo PAC está alinhado à agenda climática?

O novo pacote de investimentos lançado pelo governo Lula neste mês, de R$ 1,4 trilhão até 2026, reúne contradições do ponto de vista da emergência climática. Ao mesmo tempo em que traz um avanço na previsão de aporte de recursos para projetos de transição ecológica e sustentabilidade ambiental;  por outro lado, prevê mais investimentos em combustíveis fósseis. 

Pouco mais de uma quinta parte do montante total do PAC vai para o eixo intitulado cidades sustentáveis e resilientes, que reúne investimentos públicos, privados e em parcerias público-privadas de R$ 557,1 bilhões. Grande parte dos recursos está destinada ao programa Minha Casa Minha Vida, embora não fique claro como adaptação e resiliência serão de fato consideradas na construção das moradias. Uma fatia de R$ 10,5 bilhões é destinada à prevenção de desastres, que se multiplicam com a maior frequência de eventos climáticos extremos, com investimentos para a contenção de encostas e drenagem. Os investimentos em oferta e abastecimento de água, de R$ 25,5 bilhões até 2026, também parecem alinhados à agenda climática, já que secas intensas tendem a se intensificar. 

Mas é no eixo intitulado transição e segurança energética que aparecem as maiores contradições do PAC com a agenda climática. Esse eixo reúne investimentos de R$ 449,4 bilhões até 2026. Na parte de geração de energia elétrica, os aportes em fotovoltaicas e eólicas se destacam, com 84% dos investimentos, uma parcela menor vai para a geração nuclear. Porém, a parcela de investimentos em petróleo e gás detém 61% de todo o eixo da transição e segurança energética, com R$ 273,8 bilhões até 2026. O valor é mais de 13 vezes maior do que os investimentos previstos com combustíveis de baixo carbono, nesse mesmo eixo de transição e segurança energética. 

Na análise feita pelo Instituto Talanoa, o PAC se preocupa com os efeitos da mudança climática, mas mantém ênfase exagerada em investimentos em fontes fósseis de energia, que são grandes emissores de gases de efeito estufa. 

Além de uma coleção de obras e investimentos, o novo PAC lista medidas institucionais a serem adotadas. E aí aparecem mais contradições. Ao lado de medidas que incentivam a transição ecológica e a redução das emissões de gases de efeito estufa, o governo fala em facilitar o  licenciamento ambiental  na área de petróleo e gás. Abaixo, parte das medidas institucionais listadas:

1. Incentivos à transição ecológica: O Novo PAC está alinhado ao Plano de Transição Ecológica. O conjunto de medidas do Novo PAC antecipa o compromisso de garantir que os empreendimentos e investimentos estejam em linha com as metas de redução de emissões de gases do efeito estufa e do desmatamento e com o aproveitamento das vantagens competitivas do país na geração de energia renovável e uso sustentável de recursos naturais.
Medida: Nova matriz de investimentos estruturantes para a Transição Ecológica

Articulação de mecanismos regulatórios, de financiamento e de estímulo econômico para a orientar investimentos públicos e privados para a descarbonização da economia nacional, com destaque para:

(a) criação e regulamentação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) – mercado de carbono obrigatório;
(b) elaboração de uma taxonomia nacional para empreendimentos e atividades sustentáveis;
(c) emissão de títulos soberanos sustentáveis;
(d) ampliação dos recursos do Fundo Clima, via emissão de títulos sustentáveis, para garantir crédito competitivo para descarbonização e inovação tecnológica;
(e) estabelecimento de conjunto de normas para simplificar e baratear crédito para projetos sustentáveis por meio de adoção de rating de sustentabilidade, emissão de debêntures para projetos sustentáveis e flexibilização de regras para aval da União a financiamento de projetos sustentáveis de entes subnacionais.
Medida: Estímulo a tecnologias para geração e armazenamento de energia de baixo carbono

Criação de mecanismos de incentivo, regulatórios e econômicos, para a transição energética, englobando:

(a) regulamentação das atividades relacionadas ao hidrogênio de baixo carbono, a implementação do plano nacional de hidrogênio e o incentivo à adaptação da infraestrutura portuária para o armazenamento e escoamento da produção;
(b) regulamentação da geração de energia eólica off-shore;
(c) inclusão no REIDI de itens de energias renováveis e armazenamento de energia, com foco em hidrogênio de baixo carbono;
(d) formulação de política federal de fomento a empreendimentos para a redução de despesas com energia elétrica em edifícios públicos;
(e) garantia do suprimento energético em localidades dos sistemas isolados, por meio da produção independente de energia elétrica de fonte renovável e
(f) ampliação da carteira do FGEnergia (Programa de Garantia a Créditos para Eficiência Energética) do BNDES.
Medida: Expansão da produção e consumo de combustíveis de baixo carbono

Edição de marco regulatório para estímulo aos combustíveis de baixa emissão de carbono com a política Combustíveis do Futuro, que dispõe sobre:

(a) Mobilidade Sustentável de Baixo Carbono,
(b) Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV),
(c) Programa Nacional de Diesel Renovável (PNDR) e
(d) marco normativo da Captura e Estocagem de Dióxido de Carbono, bem como pelo
(e) aumento da mistura obrigatória do etanol na gasolina e do biodiesel no diesel rodoviário, de acordo com as metas decenais do RenovaBio fixadas pelo CNPE.
Medida: Promoção do transporte de baixo carbono

Estabelecimento de mecanismos de incentivo para soluções de mobilidade e logística de baixo carbono, com:

(a) lançamento do segundo ciclo do Programa Rota 2030, com foco em veículos híbridos e elétricos;
(b) abertura de linha de crédito Finem/Fundo Clima (BNDES) para financiamento de programa municipais de eletrificação de frotas de ônibus;
(c) atualização do Programa de Renovação de Frota de Ônibus e Caminhões (Renova Brasil);
(d) regulamentação do Programa Frota Verde Ferroviária.
Medida: Incentivo à descarbonização e uso de materiais sustentáveis no setor de construção civil

Adoção de medidas para descarbonização do setor de construção civil, por meio da:

(a) redução de alíquota para substitutos do clínquer menos intensivos em GEE na fabricação do cimento;
(b) atualização da NBR 16697:2018, que estabelece requisitos para a composição do cimento portland, com a inclusão de critérios para a redução de emissão;
(c) instituição do Sistema de Informação para Construção de Baixo Carbono no Brasil (SiCARB), prevendo critérios para aferição do desempenho ambiental de materiais de construção e
(d) estabelecimento de metas e formas de aferição de gases do efeito estufa associada aos projetos financiados pelo Minha Casa Minha Vida (realizado).
Medida: Incentivo para a Gestão de Resíduos e Logística Sustentável

Elaboração de marco regulatório e políticas públicas que incentivem as melhores práticas em gestão de resíduos e logística, notadamente por meio de:

(a) lançamento do programa Brasil +Sustentável, que visa aprimorar práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) das empresas brasileiras e estimular a adoção de práticas da Economia Circular;
(b) criação de incentivo fiscal ou linhas de financiamento para indústrias que destinarem seus resíduos para reciclagem como fertilizante;
(c) elaboração de programa federal de suporte técnico para encerramento de lixões e aterros não-controlados em municípios de pequeno porte;
(d) alteração da legislação que rege o cofaturamento de serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos (SMRSU) junto às contas de água e energia elétrica.
Medida: Revisão e atualização dos planos setoriais da Política Nacional sobre Mudança do Clima

Processo de revisão integrada dos planos setoriais previstos na PNMC, de modo a compatibilizá-los:

(a) aos compromissos nacionais de redução do desmatamento;
(b) às metas de emissão de GEE estipuladas na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) no âmbito do Acordo de Paris;
(c) aos mecanismos de precificação de carbono previstos no Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (mercado de carbono obrigatório).
2. Aperfeiçoamento do ambiente regulatório e do licenciamento ambiental: Marcos regulatórios modernos, claros e desburocratizados são fundamentais para incentivar o investimento em setores estratégicos como geração de energia renovável, novos portos e aeroportos, mobilidade, telecomunicações, dentre outros. Nessa categoria há medidas que simplificam procedimentos, reduzem a complexidade e inconsistências regulatórias, trazendo maior segurança jurídica e previsibilidade, o que reduz incertezas. O fortalecimento institucional e aperfeiçoamento do quadro normativo do licenciamento ambiental também são fundamentais para destravar investimentos com a garantia de que os empreendimentos não apenas respeitarão a legislação ambiental, mas contribuirão para o esforço de Transição Ecológica no Brasil.
Medida: Aperfeiçoamento do marco regulatório do licenciamento ambiental

Consolidação e aperfeiçoamento dos normativos relacionados ao licenciamento ambiental, com foco em:

(a) revisar a regulamentação da Lei Complementar No. 140/11, para trazer mais clareza à distribuição de competências sobre o licenciamento ambiental nas diferentes esferas administrativas;
(b) regulamentação da Convenção No. 169 da Organização Internacional do Trabalho, que trata da consulta livre, prévia e informada aos Povos Indígenas, Territórios Quilombolas ou comunidades tradicionais;
(c) modernizar e integração dos sistemas de licenciamento ambiental federal para maior eficiência e transparência na organização das informações e bases de dados, incluindo aplicações de Inteligência Artificial;
(d) aprimoramento do planejamento da oferta dos blocos para exploração e produção de petróleo e gás, a fim de facilitar os procedimentos de licenciamento ambiental e
(e) fortalecimento institucional dos órgãos com atribuições no processo de licenciamento ambiental, por meio da recomposição e qualificação de sua força de trabalho.
Medida: Aperfeiçoamento marco regulatório do setor energético – Energia elétrica.

Revisão do quadro normativo do setor elétrico para:

(a) racionalização e redução de encargos e subsídios do setor, com o objetivo de redução de custos de energia elétrica ao consumidor;
(b) aprimoramento da regulação das transações de curto prazo no mercado atacadista; (c) interconexão elétrica entre o Brasil e países da América do Sul e redução de restrições regulatórias para exportação de energia elétrica e excedente energético, bem como o
(d) estabelecimento de diretrizes para renovação das concessões de distribuição de energia elétrica.
Também serão revistos:
(e) normas e incentivos aplicados à geração distribuída e energias renováveis;
(f) ampliação do mercado livre de energia elétrica, inclusive para os consumidores de baixa tensão, mitigando os impactos sobre os consumidores do mercado regulado;
Medida: Aperfeiçoamento marco regulatório do setor energético – Gás natural

Implantação de medidas referentes ao programa Gás para Empregar, envolvendo:

(a) normativos que possibilitem melhor aproveitamento e redução dos níveis de injeção para aumento da oferta de gás;
(b) medidas de incentivo à ampliação de instalações de escoamento e processamento, como:
(c) a inclusão do custo da infraestrutura de escoamento no custo em óleo dos contratos de partilha e
(d) adequação regulatória e tributária do serviço de estocagem subterrânea.
Medida: Aperfeiçoamento marco regulatório do setor de mineração

Fortalecimento da capacidade regulatória para o setor de mineração com:

(a) revisão do quadro normativo vigente e reforço da atuação da ANM e do CPRM; (b) atualização dos mecanismos e instituições voltadas para as atividades de pesquisa mineral;
(c) revisão dos instrumentos normativos e padronização dos procedimentos que tratam da proteção das cavidades naturais subterrâneas e
(d) atualização da legislação sobre mineração em áreas de fronteira.
Medida: Aperfeiçoamento marco regulatório do setor de transportes – Rodoviário e Ferroviário

Revisão do quadro normativo relacionado às concessões para:

(a) normativo que discipline as modalidades de solução de problemas contratuais das concessões, com simplificação e padronização de procedimentos, como de relicitação, repactuação regulatória e extinção de contrato;
(b) regulamentação da prorrogação antecipada de concessões;
(c) maior previsibilidade para critérios de devolução de trechos federais;
(d) revisão de procedimentos para delegação de trechos federais a entes subnacionais;
(e) estabelecimento de critérios para chamamento público para exploração de trecho ferroviário sob outorga de autorização e
(f) regulamentação dos procedimentos relacionados à desapropriação para projetos rodoviários e ferroviários, inclusive o procedimento de emissão de (DUP).
Medida: Aperfeiçoamento marco regulatório do setor de transportes – Portos e Aeroportos

Ampla atualização do marco regulatório do setor, com destaque para:

(a) racionalização de taxas portuárias;
(b) Programa Navegue Simples, voltado à racionalização de dispositivos regulatórios infralegais aplicáveis sobre entes privados;
(c) regulamentação do Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem;
(d) possibilidade de aplicação de recursos do porto para financiar empreendimentos fora da área do porto organizado, que tragam benefício à operação portuária;
(e) aperfeiçoamento da legislação que disciplina a implantação e gestão de aeroportos de menor porte e sua relação contratual com a Infraero.
(f) normativo que discipline as modalidades de solução de problemas contratuais das concessões, com simplificação e padronização de procedimentos, como de relicitação, repactuação regulatória e extinção de contrato. 
Medida: Aperfeiçoamento marco regulatório de recursos hídricos e gestão de barragens – Recursos hídricos

Revisão do marco normativo de gestão de recursos hídricos, incluindo:

(a) atualização e consolidação de normas relativas à concessão e suspensão de outorga de uso e à Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH);
(b) regulação da outorga de autorização de captação de água e lançamento de efluentes, em bacias hidrográficas com criticidade de oferta;
(c) definição de regras para a operação de reservatórios e sistemas hídricos prioritários, em especial daqueles destinados à geração hidrelétrica;
(d) implantação do aplicativo Águas Brasil, plataforma única de serviços para usuários de recursos hídricos de domínio da União (realizado);
(e) estabelecimento de protocolos de cooperação para monitorar e fiscalizar a disponibilidade e balanço hídrico do país.
Medida: Aperfeiçoamento marco regulatório de recursos hídricos e gestão de barragens – Gestão de barragens

Aprimoramento de normativos voltados à segurança de barragens e definição de responsabilidade pela gestão de barragens federais, com:

(a) melhoria na governança e definição clara de responsabilidades nos procedimentos emergenciais;
(b) agilização da transferência de patrimônio e
(c) concessão de incentivos para a recuperação das estruturas e elaboração dos planos de segurança e emergência pelos operadores.
Medida: Aperfeiçoamento marco regulatório do setor de mobilidade urbana

Revisão do marco normativo, incluindo:

(a) prorrogação do prazo e assistência técnica aos municípios para elaborarem seus planos de mobilidade e
(b) elaboração de marco legal de transporte como serviço público essencial, nos termos da EC 90/2015

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