Legislação dá autonomia para IBAMA decidir sobre Foz do rio Amazonas

Crédito: reprodução/Petrobras
A tentativa de liberação da perfuração do bloco FZA-M-59, da Petrobras, localizado na foz do Amazonas, na chamada Margem Equatorial, ganhou mais um capítulo. Foi divulgado ontem o parecer da Coordenação-Geral de Políticas Públicas da Advocacia-Geral da União (Parecer 00014/2023/CGPP/DECOR/CGU/AGU), o qual traz argumentos e sugestões que se contrapõem àquele expedido pelo IBAMA quando da negativa de licença ao empreendimento em maio. A manifestação da AGU foi elaborada “em resposta a solicitação realizada em julho deste ano pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira”.

Os fundamentos e pedidos da AGU no parecer devem ser analisados com base na legislação vigente, especialmente relacionada ao licenciamento ambiental, competências dos órgãos da Administração Pública e realidade fática. Com base nesses pressupostos, analisaremos abaixo alguns pontos relevantes no entendimento de que o IBAMA decidiu acertadamente ao indeferir – isto é, negar – a licença em maio e quanto ao pedido de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para a região. Todo e qualquer processo de licenciamento ambiental deve ser desenvolvido tecnicamente, de forma cooperativa entre empreendedor e órgão ambiental e sem qualquer intervenção política nas decisões daqueles que detêm a competência de liberar (ou não) a atividade requerida.

1 – Sugestão de conciliação

Trecho do Parecer da AGU
5. Assim, antes de haver eventual manifestação jurídica quanto aos impactos à comunidade indígena e o plano de proteção à fauna, entende-se que há de se prestigiar a possibilidade de solução conciliatória com o encaminhamento do feito à CCAF, órgão da estrutura da Advocacia-Geral da União vocacionado à prevenção ou encerramento de litígios, em que podem ser ventilados, por todos os envolvidos, os aspectos técnicos da decisão do IBAMA, nos termos do inciso VI do art. 28 do Decreto n.º 11.328/2023 e art. 41 do Decreto n.º 11.328/2023.
O IBAMA, enquanto órgão licenciador, possui autonomia e discricionariedade para decidir sobre o que pedir dentro do processo de licenciamento ambiental, formas de apresentação dos documentos e todas as discussões pertinentes a correta e diligente liberação de atividades de exploração de recursos naturais. Quanto ao ponto, o Regimento Interno do IBAMA estabelece dentre as suas competências:

  • avaliação de impactos ambientais;
  • licenciamento ambiental de atividades, empreendimentos, produtos e processos considerados efetiva ou potencialmente poluidores, e daqueles capazes de causar degradação ambiental, nos termos da lei;
  • disciplinamento, cadastramento, licenciamento, monitoramento e fiscalização dos usos e acessos aos recursos ambientais.

Além disso, o IBAMA possui diretoria própria para a temática (Diretoria de Licenciamento Ambiental), à qual “compete coordenar, supervisionar e executar as ações referentes ao licenciamento ambiental federal de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente poluidores”, especialmente a de”propor normas, procedimentos, acordos, convênios e outros instrumentos referentes ao licenciamento ambiental federal” e “executar e orientar a análise de estudo preliminar de riscos e similares exigidos para a viabilidade ambiental no processo de licenciamento ambiental federal”.

Portanto, a conciliação adentraria as competências formais do IBAMA, visto que não há em si uma controvérsia, mas sim uma exigência do órgão que detém o poder de decidir e exigir o necessário para a liberação de atividades. Há o risco de, caso se entenda ser a conciliação a via necessária, abrir caminho para que todo e qualquer licenciamento ambiental seja questionado, diminuindo, assim, as funções do órgão competente e, por consequência, trazendo maior morosidade nas demais análises licenciatórias em trâmite.

2 – IBAMA, licenciamento ambiental e a necessidade de AAAS

Trecho do Parecer da AGU
27. Não há dúvida: o IBAMA afirma por via transversa que sem os elementos que seriam auferidos via AAAS não é possível analisar o licenciamento ambiental.
(…)

36. E da integral leitura da Portaria Interministerial, de nenhum artigo é possível extrair que a AAAS seria conditio sine qua non, seja para a outorga, seja para o licenciamento ambiental, seja do ponto de vista estritamente jurídico, seja do ponto de vista fático (como está exigindo o IBAMA no presente caso).
(…)

60. In casu, portanto, seja a realização de AAAS, seja a renovação/reedição da manifestação conjunta, ambas são inexigíveis no âmbito do licenciamento ambiental.”
O IBAMA, conforme dito acima, possui competência originária quanto ao licenciamento ambiental, inclusive possuindo diretoria própria para tal. E o CONAMA editou normas que estabelecem a possibilidade de o órgão licenciador solicitar documentos e complementações ao empreendedor, podendo inclusive reiterar o pedido quando os esclarecimentos e complementações apresentados não tenham sido satisfatórios.

Pelo exposto na manifestação elaborada pela AGU, pode haver entendimento de que há um indicativo de se interpretar a legislação de forma diversa da aplicação (e redação) real. Não caberia à AGU sugerir (ou indicar) o que o IBAMA deveria ou não exigir ao empreendedor que solicitou licença.

Quanto à AAAS, a própria Portaria 198/2012 estabelece que a “AAAS e suas respectivas recomendações sobre as áreas aptas deverão subsidiar o planejamento da outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás natural” e que “os estudos produzidos no âmbito da AAAS, bem como as decisões emanadas (…) deverão ser considerados pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, quando do licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades de  exploração e produção de petróleo e gás natural”.

Portanto, resta claro que a AAAS poderá ser exigida, sim, quando da liberação das atividades pelo órgão licenciador, sendo inclusive fundamento para as suas decisões.

3 – Natureza da AAAS

Trecho do Parecer da AGU
40. A AAAS é acima de tudo um instrumento de auxílio, de apoio ao licenciamento ambiental, e não um fim em si mesma, o que fica claro da leitura do inciso V do art. 3º da Portaria Interministerial (é objetivo da AAAS “possibilitar maior racionalidade e sinergia necessárias ao desenvolvimento de estudos ambientais nos processos de licenciamento ambiental”), e do inciso IV do art. 5º (“proposição de recomendações ao licenciamento ambiental”).

A afirmação da AGU vai no mesmo sentido do exposto pelo presidente do IBAMA quando da negativa da licença, no qual afirma “que a AAAS é o instrumento mais adequado para se proceder à avaliação estratégica das áreas possíveis”. Tal abordagem não afasta a necessidade da AAAS, pois ser instrumento de apoio, planejamento e análise pelo órgão licenciador não o reveste de “dispensa”. Como dito anteriormente, a competência para dizer o que deve ser solicitado ao empreendedor é do órgão ambiental licenciador e não de outros órgãos, entidades ou instâncias. Nesse caso, entendeu-se pela essencialidade da AAAS, o que deve ser respeitado por possuir subsídio técnico ou, quando muito, resolvido no âmbito do processo de licenciamento ambiental entre as partes envolvidas.

LEGISLAÇÃO CORRELATA UTILIZADA NAS ANÁLISES

Portaria 198/2012 Art. 21§ 1º A AAAS e suas respectivas recomendações sobre as áreas aptas deverão subsidiar o planejamento da outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás natural. Art. 22. Os estudos produzidos no âmbito da AAAS, bem como as decisões emanadas de seu processo de aprovação pela Comissão Interministerial, deverão ser considerados pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, quando do licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades de  exploração e produção de petróleo e gás natural. Art. 26. Enquanto as áreas sedimentares não forem submetidas à AAAS, aplicam-se as regras previstas no art. 27 e demais normas aplicáveis. Art. 27. As áreas nas quais serão admitidas atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, enquanto ainda não forem submetidas à AAAS, conforme estabelecido nesta Portaria, serão definidas a partir de manifestação conjunta dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, de acordo com diretriz estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE.
  • 1º A manifestação conjunta prevista no caput considerará as áreas de interesse para as atividades ou empreendimentos de petróleo e gás natural, assim como sua sensibilidade ambiental, identificando-se aquelas passíveis de outorga.
  • § 2º A manifestação conjunta terá a validade de no máximo cinco anos, devendo ser revista e ratificada por iguais períodos, para as áreas ainda não submetidas à AAAS, até que o processo se estenda a todas as áreas sedimentares do País.
Res. CONAMA 237/97 Art. 2º A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

§ 2º Caberá ao órgão ambiental competente definir os critérios de exigibilidade, o detalhamento e a complementação do anexo 1, levando em consideração as especificidades, os riscos ambientais, o porte e outras características do empreendimento ou atividade.

Art. 10. O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas:
(…)
III – Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA , dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias;

IV – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;

(…)
VI – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;

VII – Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico;

VIII – Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade.

Art. 12. O órgão ambiental competente definirá, se necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação.

Art. 15. O empreendedor deverá atender à solicitação de esclarecimentos e complementações, formuladas pelo órgão ambiental competente, dentro do prazo máximo de 4 (quatro) meses, a contar do recebimento da respectiva notificação Parágrafo único. O prazo estipulado no caput poderá ser prorrogado, desde que justificado e com a concordância do empreendedor e do órgão ambiental competente.

Art. 16. O não cumprimento dos prazos estipulados nos artigos 14 e 15, respectivamente, sujeitará o licenciamento à ação do órgão que detenha competência para atuar supletivamente e o empreendedor ao arquivamento de seu pedido de licença.

Art. 19. O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:

I – violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais;

II – omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença;

III – superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.
Constituição Federal Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(…)
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;


Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Portaria nº 92, de 14 de setembro de 2022 Aprova o Regimento Interno do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama Art. 1º O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, autarquia criada pela Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com autonomia administrativa e financeira, dotada de personalidade de direito público, com sede em Brasília, Distrito Federal, e jurisdição em todo o território nacional, tem como finalidades:
(…)
II – executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às competências federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à regulação e autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, ao monitoramento e ao controle ambientais, observadas as diretrizes emitidas pelo Ministério do Meio Ambiente; e

Art. 2º O Ibama, em conformidade com os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, instituída pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, nos limites das competências fixadas pela Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, e observada a legislação de regência, os Decretos do Presidente da República, as diretrizes emitidas pelo Ministério do Meio Ambiente e as Resoluções expedidas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama, possui as seguintes competências em âmbito federal:
(…)
III – avaliação de impactos ambientais;

IV – licenciamento ambiental de atividades, empreendimentos, produtos e processos considerados efetiva ou potencialmente poluidores, e daqueles capazes de causar degradação ambiental, nos termos da lei;

(…)
X – disciplinamento, cadastramento, licenciamento, monitoramento e fiscalização dos usos e acessos aos recursos ambientais, florísticos e faunísticos;

Art. 88. À Diretoria de Licenciamento Ambiental compete coordenar, supervisionar e executar as ações referentes ao licenciamento ambiental federal de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente poluidores e, especificadamente:
(…)
IV – propor normas, procedimentos, acordos, convênios e outros instrumentos referentes ao licenciamento ambiental federal, bem como orientar os Órgãos Descentralizados e os demais Órgãos Específicos Singulares sobre sua aplicação;

V – executar e orientar a análise de estudo preliminar de riscos e similares exigidos para a viabilidade ambiental no processo de licenciamento ambiental federal;

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