Yanomamis: eles pediram socorro. Quem negou?

Uma criança de quatro anos que ainda não alcançou os dois dígitos na balança. Com 9,9 quilos, ela tem o peso de um bebê de menos de um ano. Ela vive na floresta mais biodiversa do planeta, na maior bacia hidrográfica do mundo, na maior terra indígena do Brasil. Os relatos e as imagens de meninos e meninas de cabelos ralos e ossos que parecem quase rasgar a pele mostram que o Estado se omitiu de proteger os yanomamis – brasileiros que ali estão como povo muito antes de aquela terra ser Brasil.

A omissão é evidente, mas parece ser insuficiente para explicar o grave quadro que chegam por relatos de autoridades e equipes deslocadas para socorrer um povo agonizante. É preciso elucidar e responsabilizar motivações para a negligência. A visita do presidente Lula a Roraima e as medidas adotadas pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, marcam uma virada na postura do Estado brasileiro em relação a uma crise que foi ignorada pelo governo federal nos últimos anos, apesar dos gritos dos yanomamis, seus parentes indígenas e outras organizações.

Não é de hoje que os yanomamis têm sido alvo de garimpeiros ilegais na sua terra. Apelos chegaram até o Supremo Tribunal Federal (STF). Reportagem da Folha de S. Paulo expõe a situação crítica e a ligação entre integrantes do Exército que atuavam na região da TI Yanomami e garimpeiros ilegais. Documentos relativos à 5ª fase da operação Ágata jogam luz sobre a situação, com relatos de que os “garimpeiros tinham relação de parentesco com militares do Sétimo Batalhão de Infantaria da Selva (BIS), que por sua vez vazavam informações sobre operações de combate à atividade ilegal e permitiam a circulação de ouro ou drogas mediante pagamento de propina”.

Em 18 de março de 2022, o presidente Jair Bolsonaro chegou a receber a Medalha do Mérito Indigenista, concedida a personalidades que trabalham pelo bem-estar e proteção dos indigenistas. À época, várias entidades de defesa dos povos indígenas se manifestaram contrárias. Na data, a analista de políticas públicas da Política por Inteiro, Taciana Stec, deu entrevista à TV Cultura criticando a honraria e alertando já sobre a invasão dos garimpos, a desnutrição dos yanomamis e o desmonte da FUNAI durante o governo anterior.

Nesta semana, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) com a acusação por genocídio e improbidade administrativa contra o ex-presidente Bolsonaro, Damares Alves (ex-ministra), Marcelo Xavier (ex-presidente da Funai) e Robson Santos (ex-secretário especial de Saúde Indígena), responsabilizando-os pela grave situação dos yanomamis.

Já na Câmara dos Deputados, há a previsão de que logo no início da nova legislatura sejam criadas novas comissões, dentre elas uma Comissão da Amazônia e um colegiado para tratar dos povos originários, segundo apurou a Política por Inteiro nesta sexta-feira.

Vale lembrar que, em 2022, já havia sido solicitado pela APIB, na ADPF 709, algumas medidas emergenciais, como: (i) a retomada de operações para a repressão ao garimpo ilegal na TI Yanomami, com especial destaque para as regiões do rio Uraricoera, Homoxi, Xitei, Parima, Apiaú, Rio Mucajaí e Couto Magalhães; (ii) a repressão do garimpo no entorno da Serra da Estrutura, garantindo a segurança dos grupos Yanomami em isolamento. Ainda, solicitaram a apresentação de Plano para, dentre outras iniciativas, promover a extrusão de invasores, com ações em toda a TI Yanomami, e sua execução em um prazo máximo de 90 dias; e o monitoramento territorial permanente da TI Yanomami, com a presença de forças de segurança por um período mínimo de 10 meses, a fim de evitar novas invasões e, ainda, um Plano Operacional para resposta rápida às novas invasões.

Na mesma ação, o Ministério Público Federal (MPF) reforçou a necessidade da retirada imediata de invasores da Terra Indígena, sendo que já havia sido determinado pelo STF em maio/2021 a obrigação da União adotar as “medidas necessárias para proteção à vida, à saúde e à segurança das populações que vivem nas TIs Yanomami e Munduruku”. Tal reforço se deu, à época, pelo MPF ter verificado que houve expansão do garimpo ilegal na TI, inclusive com grande fluxo de aeronaves.

Segundo o líder indígena Davi Kopenawa, a primeira vez que ele viu garimpo nas terras yanomamis foi em 1986. Com a demarcação, em 1992, houve uma estagnação, mas a atividade voltou a se intensificar em 2016. O gráfico abaixo mostra o crescimento da mineração na TI Yanomami, de 1985 a 2021, segundo dados do MapBiomas Brasil.

Sobre esta temática, em edição extra do Diário Oficial (DOU) desta semana, foram publicados dois atos relevantes:

  • DECRETO Nº 11.384, DE 20 DE JANEIRO DE 2023: Institui o Comitê de Coordenação Nacional para enfrentamento à desassistência sanitária das populações em território Yanomami e aos problemas sociais e de saúde dela decorrentes.
  • PORTARIA GM/MS Nº 28, DE 20 DE JANEIRO DE 2023: Estabelece e mobiliza o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta à emergência no âmbito nacional.

Ainda falando de povos indígenas, merece atenção a situação do povo Pataxó, no sul da Bahia. Na semana passada foi constituído pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) um Gabinete de Crise para acompanhar a situação de conflitos na região do extremo sul da Bahia, que resultou na morte de lideranças indígenas do povo Pataxó. Nesta semana, o número de membros permanentes deste Gabinete foi ampliado, inserindo-se:

  • Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania;
  • Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME;
  • Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia – FINPAT;
  • Movimento Indígena da Bahia – MIBA;
  • Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA.

Em outra decisão, também em relação aos povos indígenas, o ministro do STF Edson Fachin determinou que a União apresente em 30 dias “um plano de ação para a regularização e a proteção das terras indígenas com presença de povos isolados e de recente contato”, dentre as quais a Terra Indígena Tanaru, local onde morreu, no final de 2022, o último representante desse povo, conhecido como “Índio do Buraco”.

Monitor da Reconstrução

Nesta semana houve publicações de atos relacionados ao relatório “Reconstrução”, elaborado pela Política por Inteiro. Destacamos:

  • Controle florestal (PORTARIA Nº 16, DE 23 DE JANEIRO DE 2023): a norma cria o Grupo Especializado de Fiscalização de Fraudes no Sistema de Controle Florestal, com o objetivo de realizar ações de fiscalização de natureza especial voltadas ao combate de fraudes nos sistemas de controle florestal. O Grupo Especializado será composto por Agentes Ambientais Federais – AAFs e Agentes de Inteligência selecionados designados em portaria da Dipro. A norma entra em vigor em 01 de fevereiro de 2023.
    • Reconstrução: abordamos no “item 7 – Fortalecer ações de comando e controle” que houve desmonte na apuração e punição de infrações ambientais, especialmente na esfera administrativa. Assim, recomendamos “o fortalecimento dos órgãos ambientais, inclusive com suficiente dotação orçamentária para ações de comando e controle”.
  • Águas e Saneamento no MMA (DECRETO Nº 11.401, DE 23 DE JANEIRO DE 2023): norma que estabelece a vinculação das entidades da administração pública federal indireta, sendo que ao MMA está vinculada, além do IBAMA, o ICMBio e o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro – JBRJ e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA.
    • Reconstrução: abordamos no “item 2 – Descupinização institucional” o enfraquecimento dos órgãos e ministérios, especialmente nas temáticas socioambiental e climática. Assim, recomendamos que, para o fortalecimento do MMA, deve-se restaurar “as competências e capacidades do ministério nos temas de mudança do clima, água, oceano e educação ambiental”.
  • Gabinete de Crise Pataxó PORTARIA GM/MPI Nº 2, DE 18 DE JANEIRO DE 2023: Constitui Gabinete de Crise, com a finalidade de acompanhar a situação de conflitos na região do extremo sul da Bahia, que resultou na morte de lideranças indígenas do povo Pataxó.
    • Reconstrução: abordamos no “item 5 – Instituir estratégia de gestão de conflitos socioambientais com estratégias coordenadas e interministeriais”, na perspectiva de medidas que possam atacar as causas e evitar novas situações de conflito, utilizando a FNSP para situações urgentes e pontuais.

Seguimos no monitoramento diário com o Monitor da Reconstrução. A ferramenta mostra se as medidas tomadas pelo Governo Federal estão de acordo com o que foi proposto no documento Reconstrução, trazendo um balanço dos atos já revogados, acompanhando a retomada dos colegiados, além do monitoramento dos ministérios que têm relação com a pauta socioambiental e análises da equipe do Instituto Talanoa.

Quatro anos de Brumadinho

Nesta semana, o desastre de Brumadinho completou quatro anos, sem a responsabilização de acusados, com ainda três vítimas desaparecidas e muitas famílias em busca de justiça. Desde a tragédia, a legislação minerária foi se alterando. As normas relacionadas a barragens de mineração se tornaram mais rígidas (notadamente após a CPI para apurar o desastre), mas houve também flexibilizações em outras frentes, como o garimpo.

Exatamente por completar quatro anos, a ministra do STF Rosa Weber havia determinado agilidade por parte da Justiça Federal em analisar o caso, já que os crimes ambientais poderiam prescrever na quarta-feira, dia 25/01, data em que a tragédia completou quatro anos. Como resposta, a Justiça Federal em Minas Gerais acatou denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra 16 executivos da Vale e da empresa de consultoria Tüv Süd. Acesse o material exclusivo produzido pela Política por Inteiro.

Gasoduto

O presidente Lula fez uma série de viagens internacionais nesta semana, destacando-se a sua passagem pela Argentina, onde, além de falar sobre uma moeda única para o Mercosul, fez uma polêmica sinalização sobre o projeto do gasoduto de Vaca Muerta. O indicativo é de que poderia haver aporte de recursos pelo BNDES, que aprovou no seu Conselho de Administração o nome de Aloizio Mercadante para a presidência. O projeto de Vaca Muerta tem diversas questões conflituosas, especialmente por ser considerado uma grande exploração de uma região rochosa a quatro mil metros de profundidade, via técnica conhecida como “fracking” (perfuração da rocha para extração). Essa técnica foi objeto de atos do Governo Bolsonaro, conforme demonstramos no relatório “Reconstrução”. Indicamos como recomendação: “Todas as normas relacionadas à pesquisa e desenvolvimento do fracking devem ser revogadas de forma imediata, pois a atividade tem alto impacto socioambiental e caminha na direção oposta à descarbonização”.

Mata Atlântica no STF

O STF divulgou o seu calendário de julgamentos do primeiro semestre de 2023. Dentre os processos pautados está a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6446, que busca fazer prevalecer o entendimento de que o Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012) seria aplicável ao bioma Mata Atlântica (que possui lei específica e é regido pela Lei Federal 11.418/2006), especialmente quanto à alegada permissão para “a continuidade de atividades de baixo impacto (agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural) e estabelecem critérios para a recomposição das Áreas de Preservação Permanente (APAs) de acordo com o tamanho do imóvel rural”. A ação foi ajuizada pelo então presidente Jair Bolsonaro, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), em 2020. O julgamento está previsto para ser realizado em 01/06. À época do ajuizamento da ação, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, buscou consolidar essa interpretação via Despacho 4.410/2020, o qual, após diversas reações negativas, foi revogado pelo Despacho 19.258/2020-MMA.

Congresso Nacional

Na próxima quarta-feira, dia 1º de fevereiro, tomarão posse os congressistas eleitos para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal. No mesmo dia, ocorrem as eleições para a Mesa Diretora das Casas. Os atuais presidentes, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devem ser reconduzidos aos cargos. Bastante relevante acompanhar a composição das respectivas mesas, com os demais cargos.

Nomeações

Desde o início do novo Governo Lula, a sociedade está acompanhando de perto os nomes indicados para cargos no Governo Federal. Tal atenção tem gerado rápidas mobilizações, com respostas do Executivo, como, por exemplo:

  • Carla Fonseca de Aquino Costa, nomeada em 25/01 para o cargo de Diretora de Programa da Assessoria Especial da Secretaria Especial para o Programa de Parcerias de Investimentos da Casa Civil. Após reações negativas (exemplo), Carla foi exonerada em 26/01.
  • Hiago Usliam Braz, que assumiu cargo na Diretoria de Planejamento, Administração e Logística (Diplan). Após divulgação na imprensa de que o servidor ocupou “cargos de comando na cúpula do órgão durante a gestão de Salles e liderou o programa Adote Um Parque”, foi emitida nota pelo ICMBio esclarecendo que a função foi exercida provisoriamente por Hiago por somente 3 dias para “evitar descontinuidades dos serviços”.

Bruno e Dom

Mais de meio ano após o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, no Vale do Javari/AM, a Polícia Federal divulgou a conclusão de que Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como “Colômbia”, foi o mandante dos crimes.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Nesta semana, o Monitor de Atos Públicos captou 9 normas relevantes no Diário Oficial da União (DOU), sendo 6 atos de Resposta, englobando:

  • Desastres – reconhecimentos de situações de emergência em municípios;
  • Indígena – prorrogação do emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Funai, na Terra Indígena Sararé (MT); e ato que adicionou entidades ao Gabinete de Crise instalado com a finalidade de acompanhar a situação de conflitos na região do extremo sul da Bahia, que resultou na morte de lideranças indígenas do povo Pataxó.

 

Ainda, destaca-se norma sobre:

  • Finanças (PORTARIA CVM/PTE/Nº 10, DE 23 DE JANEIRO DE 2023): norma que aprova a Política de Finanças Sustentáveis da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com o objetivo de auxiliar no fortalecimento das atribuições, consolidação, organização e estruturação dos trabalhos de finanças sustentáveis da CVM, bem como aprimorar a divulgação e a comunicação dos resultados das atividades atuais e prospectivas.

Bom fim de semana,

Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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