Lula na COP27: o Brasil voltou

Luiz Inácio Lula da Silva escolheu a conferência do clima da ONU como seu primeiro compromisso internacional como presidente eleito do Brasil. A agenda de três dias na COP27, em Sharm El-Sheik, no Egito, iniciada na terça-feira (15), foi uma espécie de apresentação de credenciais do futuro governo ao mundo.

O primeiro compromisso oficial na COP27 foi um encontro com os enviados especiais para o clima dos Estados Unidos e da China, John Kerry e Xie Zhen Hua, respectivamente, na terça. Como Lula tem mencionado desde a campanha que a questão climática será tratada de forma transversal, o governo brasileiro deve ter, a partir de janeiro, em seu alto escalão uma governança também dedicada ao tema. Especulou-se que na COP Lula anunciaria quem comandará essa estrutura.

Foi sob essa expectativa que Lula discursou na quarta-feira. Sua fala, porém, não trouxe nomes para a Esplanada, não atendendo à ansiedade dos que querem logo saber quem terá a caneta em mãos. Mas não decepcionou quem esperava ouvir que o Brasil está de volta à cena. Lula deixou claro que a agenda climática e socioambiental será relevante porque se entrelaça com o que afirma ter tomado como sua missão principal: combater a fome. Os compromissos que apresentou mostram que o Brasil ambiciona ser protagonista: zerar o desmatamento em todos os biomas, recuperar terras degradadas e aumentar a eficiência agropecuária nas áreas já abertas, inibir e punir garimpo e mineração ilegais e grilagem, promover a transição energética, entre outros.

Como fizemos nos últimos anos com os discursos internacionais do presidente Jair Bolsonaro, a POLÍTICA POR INTEIRO realiza uma avaliação sob o ponto de vista da mudança do clima da fala de Lula. A escala de pontuação vai de -30 a 30, na qual quanto mais negativo o valor, menos comprometimento com ações nos temas que monitoramos. Para cada item, avaliamos se houve menção e, se houve, se foi “Bom”, “Razoável”, “Neutro”, “Ruim” ou “Péssimo”.

O discurso de Lula obteve 16 pontos (76% do total possível). O último discurso de Bolsonaro na ONU, em setembro, obteve -23 (em uma escala de -26 a 26: 6%)

O resultado é a soma das pontuações de cada item de acordo com seus pesos: “Bom” tem peso +2; Razoável, peso +1; “Neutro”, peso 0; “Sem menção” e “Péssimo” têm peso “-2”

Confira abaixo cada item comentado:


Metas de redução de emissões

  • Reforça compromisso imediato/Implementar NDC: Não houve menção à NDC.
  • Desmatamento zero até 2030: Comprometeu-se com o desmatamento zero até 2030, não apenas ilegal e em todos os biomas.


Mudança do Clima

  • Adaptação e resiliência: Falou da necessidade urgente de mecanismos financeiros para remediar perdas e danos; compartilhou a responsabilidade de ajudar os países mais ameaçados pelas mudanças climáticas; não fez menção específica à palavra “resiliência”, mas citou vários casos de eventos extremos. Os conceitos de adaptação e resiliência permearam todo o discurso.
  • Transição energética e descarbonização da matriz: Ressaltou as oportunidades criadas pela transição energética, com investimentos em energia eólica, solar, hidrogênio verde e bicombustíveis. Falou sobre a relevância do Nordeste brasileiro nesse contexto.
  • Considera o senso de urgência referente ao Relatório do IPCC: Trouxe dados da OMS para falar sobre como a saúde das populações é afetada pela emergência climática. Usou não apenas a expressão “emergência climática”, mas também “tragédia climática”. Falou como os mais vulneráveis são os mais afetadas. Afirmou que não temos tempo a perder, dando o senso de urgência. Enumerou desastres, eventos extremos que já testemunhamos. Relacionou com os problemas sociais e críticos, principalmente, a fome.
  • Apresenta ações de neutralidade para 2050: Não mencionou.


Biodiversidade

  • Assume metas de proteção para todos os biomas: Comprometeu-se a zerar o desmatamento e a degradação em todos os biomas; afirmou estar aberto à cooperação internacional para preservar biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica.
  • Ataca as causas do desmatamento e perda de biodiversidade: Afirmou que fortalecerá os órgãos de fiscalização e sistemas de monitoramento, e defendeu punição com rigor às atividades ilegais (garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida).


Agropecuária

  • Ações para transição para agricultura de baixo carbono: Falou na agricultura para sequestrar carbono, com proteção da biodiversidade, regenerando o solo em todos os biomas e gerando aumento de renda para os agricultores e pecuaristas. Afirmou que agronegócio será um aliado estratégico na busca por uma agricultura regenerativa e sustentável, com investimento em ciência, tecnologia e educação no campo, valorizando os conhecimentos dos povos originários e comunidades locais. Citou que já existem exemplos de valorização das agroflorestas.


Democracia e direitos

  • Compromete-se a respeitar os direitos indígenas: Falou da criação do Ministério dos Povos Originários, para que sejam os próprios povos originários os protagonistas das políticas para os indígenas. Citou também que os indígenas são os mais afetados pela criminalidade ambiental (garimpo e mineração ilegal, grilagem).
  • Compromete-se c/ participação popular e diálogo: Principalmente sobre a Amazônia, falou como os amazônidas devem participar da elaboração das soluções e se beneficiar delas.


Financiamento

  • Empenha orçamento compatível com a ambição climática: Lembrou que o Fundo Amazônia dispõe hoje de mais de 500 milhões de dólares, congelados desde 2019, devido à falta de compromisso do governo atual com a proteção da Amazônia. Disse que o Brasil estará aberto à cooperação internacional para preservar os biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Enquanto isso no Brasil, o vice-presidente Geraldo Alckmim entrega texto da PEC da transição, excluindo do teto de gastos o Bolsa Família e também retira do limite projetos ambientais bancados com doações e parte dos investimentos.
  • Intenção de contribuir p/ precificação de carbono: Sem menção.


Cooperação internacional

  • Cumprimento de acordos: Afirmou que cobrará os valores acordados pelos países ricos na COP 15, em Copenhague, de US$ 100 bilhões para financiamento climático dos países em desenvolvimento. Por outro, lado não falou sobre o quanto o Brasil poderá contribuir financeiramente.
  • Proposições de novos acordos e mecanismos de cooperação: Falou que é necessário criar uma nova governança global para lidar com as questões climáticas; disse estar de acordo com a cooperação entre Brasil, Congo e Indonésia para as florestas; propôs uma “Aliança Mundial pela Segurança Alimentar, pelo fim da fome e pela redução das desigualdades, com total responsabilidade climática”, propôs a realização da Cúpula dos Países Membros do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA); propôs realização da COP30 na Amazônia; afirmou que o Brasil, ao presidir o G20 em 2024, colocará a agenda climática no centro da discussão; afirmou estar aberto à cooperação internacional para preservação dos biomas.


Encontro com representantes da sociedade civil

Nesta quinta-feira, a agenda de Lula foi de encontro com representantes da sociedade civil brasileira, no Brazil Hub, e com representantes de povos originários de todo o mundo, do Fórum Internacional dos Povos Indígenas e Fórum dos Povos sobre Mudança Climática.

Aos representantes da sociedade civil, Lula agradeceu a resiliência das organizações nos últimos anos. Afirmou também que cobrará participação de todos na reconstrução das políticas públicas. No discurso da quarta-feira, a questão da participação apareceu direcionada à Amazônia e aos amazônidas e também em relação aos povos originários – motivo pelo qual a POLÍTICA POR INTEIRO avaliou o item com uma pontuação menor “Razoável” e não “Boa” (leia acima). Desta vez, houve sinalização mais clara sobre o tema.

No encontro com os povos originários, Lula reafirmou o que já vinha anunciando em campanha e disse no discurso da quarta-feira: criará o Ministério dos Povos Originários. “No fundo, pobres e indígenas não são tratados como humanos, mas como se fossem números. Não são levados em conta quando se faz o Orçamento do país”, disse.

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