Era março de 2019. Em um jantar em Washington, o presidente Jair Bolsonaro resumiu o que seriam seus quatro anos no governo: “Nós temos de desconstruir muita coisa, de desfazer muita coisa para depois recomeçarmos a fazer”. A desconstrução já havia sido iniciada em janeiro daquele ano: ao alcance da caneta de Bolsonaro, atos infralegais deflagraram reformas institucionais de amplo efeito. A seara climática e ambiental foi um dos alvos prioritários da desconstrução, para usar o termo escolhido pelo presidente, porque nela se camuflaram batalhas ideológicas. Em 40 meses de governo Bolsonaro, foram publicados mais de 140 mil atos com interface às políticas ambiental e climática. Desse universo, aplicando-se metodologia e tipologia próprias desenvolvidas pela POLÍTICA POR INTEIRO, identificamos 2.189 atos infralegais relevantes para as políticas climáticas e socioambientais no Diário Oficial da União (DOU).  E, dentre essas normas, 855 contribuíram para o processo de desconstrução. Desse estoque, concluímos que 401 atos requerem ações imediatas, entre revogações e revisões. Esse total contém medidas expedidas tanto em nível presidencial quanto ministerial, oriundas de diversas pastas e não somente a ambiental. Por exemplo, 48 atos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A análise minuciosa desses atos, junto de discursos oficiais, apontou a emergência de sinais e orientações padronizadas do governo de Jair Bolsonaro em relação à agenda socioambiental e climática. O documento Reconstrução: 401 atos do Poder Executivo Federal (2019-2022) a serem revogados ou revisados para reconstituição da agenda climática e ambiental brasileira sintetiza o primeiro ciclo de quatro anos de gestão federal monitorado pela POLÍTICA POR INTEIRO. “Nossa lista conta milhares de atos relacionados ao clima que reduzem a proteção ambiental ou promovem emissões de gases de efeito estufa. Hoje, 3 de novembro, demos um passo adiante e publicamos o pacote de 401 medidas que mostra como Lula poderá restaurar o que Bolsonaro enfraqueceu ou eliminou da proteção ambiental e das ações climáticas nos últimos quatro anos”, afirma Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, do qual a Política por Inteiro faz parte. A elaboração deste trabalho, lançado nesta quinta-feira (3), também possibilitou uma reflexão sobre a metodologia inédita estabelecida para classificar as políticas climáticas e socioambientais no Brasil. Entender as movimentações do Governo Federal captadas diariamente desde 1º de janeiro de 2019, por meio de algoritmo exclusivamente desenvolvido para esse fim e curadoria humana, permitiu compreender a dinâmica do Método da Desconstrução. E, então, propor o Método da Reconstrução, que perpassa diversos setores econômicos e áreas de políticas públicas. “O monitoramento de quatro anos, cobrindo todo o governo federal, não somente o Ministério do Meio Ambiente, permitiu observar o que chamamos de Método da Desconstrução. O desmonte nas diferentes áreas e políticas se iniciou com atos predominantemente de Reforma Institucional (uma das 12 classes da tipologia da Política por Inteiro). Para então, serem feitas as desregulações, flexibilizações e mesmo regulações sobre novas bases”, diz Liuca Yonaha, vice-presidente da Talanoa. A desconstrução foi iniciada antes mesmo da posse do governo, com um discurso ainda na campanha que apontava uma gestão que não daria importância às pautas climática e socioambiental – pelo contrário. “Com o monitoramento foi possível ver toda a estratégia de cupinização das instituições que começou com os atos publicados já em 2 de janeiro de 2019 e seguiu para o desmonte das esferas de participação e controle social com a extinção de colegiados, comitês e outros espaços de participação social. É preciso mostrar um antídoto com a descupinização dos órgãos ambientais o quanto antes: um Ministério do Meio Ambiente forte e reestruturado será a melhor resposta”, afirma Ana Paula Prates, diretora de Políticas Públicas da Talanoa. Acesse a publicação Reconstrução com urgência O documento Reconstrução aponta os atos que devem ser imediatamente revogados: 107. “A rapidez com que o governo Lula pode reescrever as normas editadas por Bolsonaro é particularmente crítica para três áreas principais de políticas climáticas: desmatamento, perda de biodiversidade e emissões de gases de efeito estufa”, diz Unterstell.  “A presidência de Bolsonaro vai acabar, mas seus retrocessos ambientais permanecem – por enquanto. É preciso que Lula e Alckmin iniciem o processo de revogação e substituição de regulamentos tão logo empossados, para tirarmos o atraso das nossas metas climáticas. Mas, além de desfazer as canetadas, eles precisarão fazer diferente: retomar o diálogo com a sociedade e abrir consultas sobre temas sensíveis, como as nossas metas para o Acordo de Paris.”