O objetivo é subjetivo? Mudança de entendimento no IBAMA pode dificultar fiscalizações

Despacho do presidente do IBAMA, Eduardo Bim, publicado nesta quinta-feira (14) pode dificultar a fiscalização e as atuações pelo órgão. O documento é a aprovação de um parecer jurídico de 2020 (Parecer 00004/2020/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU) que revisa entendimento sobre a responsabilidade administrativa das infrações ambientais. A nova orientação estabelece o caráter subjetivo da responsabilidade administrativa ambiental mediante comprovação de dolo ou culpa. Isto é, para se responsabilizar (e punir) o infrator, além da conduta, do dano e do nexo causal (tal conduta provocou tal dano), deve ser comprovada a culpa (com intenção – dolo – ou não). O Despacho nº 11459461/2021-GABIN atribui efeito vinculante a todo o IBAMA a essa orientação jurídica (OJN 53/2020). Isto quer dizer que ela deve ser seguida em todas as instâncias do instituto.

O entendimento que passa a orientar as equipes do IBAMA segue o que vem sendo adotado no Judiciário. Assim, os processos administrativos do qual sanções como as multas do IBAMA fazem parte terão de contemplar estratégias para comprovação de dolo ou culpa. Por exemplo, na via de fiscalização remota, incluir tipificações baseadas na culpa por negligência e notificações preliminares.

Apesar de emitido em 2020, o parecer só foi aprovado em dezembro do ano passado e publicado somente agora.

Cronologia dos atos 
 
O que foi revisado

Especificamente quanto ao conteúdo, há uma mudança de entendimento em diversos pontos. Buscando sintetizar as mudanças e respeitando entendimentos divergentes, elaboramos a tabela abaixo. Na sequência, destacamos pontos de atenção.

 

Comparativo de trechos (Política por Inteiro)
OJN 26/2011/PFE/IBAMAOJN 53/2020 (PARECER n. 00004/2020/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU)
A imputação de responsabilidade pela prática do ilícito prescinde de dolo ou culpa, bastando que se demonstre a existência de ação ou omissão e de nexo que, para o Direito Ambiental, já se caracteriza a infração administrativa.(…)A responsabilidade ambiental administrativa, noutro giro, baseia-se na Teoria do Risco Criado, que admite a incidência de excludentes, mas exige do administrado – ante a presunção de legitimidade dos atos administrativos – que demonstre que seu comportamento não contribuiu para a ocorrência da infração (culpa concorrente).A responsabilidade administrativa ambiental possui natureza subjetiva, a demandar a existência de dolo ou culpa do agente para caracterização de infração ambiental.(…)112. Dito isso, há que se observar que, embora a culpabilidade do agente deva estar presente para a configuração da infração, essa diz respeito à uma exigência material da infração e não formal (até porque não exigida menção explícita no Decreto n. 6.514/08 ou nas Instruções Normativas Ibama 10/2012 ou Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio 02/2020).
Vê-se, portanto, que não merece prosperar a alegação apresentada pela maioria dos infratores de que não houve ânimo em praticar a infração ambiental e que a multa simples somente se aplica ao agente que comete infração ambiental intencionalmente.61. Conforme apontado acima, resta claro que a exigência de responsabilidade subjetiva para a ocorrência de infração ambiental não se confunde com o requisito de elemento subjetivo (entendido enquanto psicológico), uma vez que se admite, além do dolo, esse sim um elemento psicológico, a culpa, que possui duas formas de expressão: a consciente e a inconsciente.
Contudo, não se conclui da norma que essas seriam as únicas situações a merecerem a penalidade de multa simples, sob pena de claro prejuízo ao interesse público de repressão a ilícitos ambientais.Não se pode deduzir do dispositivo em tela que em todas as hipóteses de infração administrativa ambiental será exigida a demonstração de dolo ou de negligência, eis que apenas as situações excepcionais estão dispostas expressamente na lei para vincular o agente autuante na aplicação da penalidade mais justa (§3º, I e II, do art.72, da Lei nº 9.605/98).
  1. Em suma, na inexistência de definição na Lei n. 9.605/98 dos conceitos de dolo e culpa, bem como de conceitos correlatos, é imposição legal a adoção daqueles previstos no Código Penal, passando-se a definir os estritos limites que essa aplicação subsidiária se dará nos itens seguintes.
    (…)
  1. No caso da responsabilidade administrativa compreendida a partir da jurisprudência do STF conjugada como o artigo 2º do Decreto n. 6.514/2008, afigura-se adequado que a culpabilidade em sentido amplo (englobando dolo e culpa em sentido estrito) deva analisar a conduta da pessoa jurídica como um todo.
  2. O que se demanda, isso sim, é a demonstração que foram atos dolosos ou culposos realizados em nome de uma pessoa jurídica que levaram a cabo uma infração ambiental, sendo a discussão dos agentes envolvidos eventualmente relevante para fins de dosimetria ou mesmo responsabilização pessoal desses
A pretensão de se anular o ato administrativo punitivo com fundamento no reconhecimento da Teoria da Responsabilidade Subjetiva não possui qualquer amparo legal e vai de encontro ao texto expresso do art. 14, §1º da Lei n.º 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA).27. Em suma, na inexistência de definição na Lei n. 9.605/98 dos conceitos de dolo e culpa, bem como de conceitos correlatos, é imposição legal a adoção daqueles previstos no Código Penal, passando-se a definir os estritos limites que essa aplicação subsidiária se dará nos itens seguintes.

 

  • Pressupostos da responsabilidade administrativa ambiental – O que mudou?

Na OJN 26/2011, a responsabilização não dependia de demonstração de culpa ou dolo, mas sim de ação ou omissão do agente (pessoa que supostamente cometeu a infração) e do seu nexo causal com um ilícito ambiental. Pela nova diretriz, deve haver a necessária demonstração da culpa ou dolo do agente. Em ambos os casos são admitidas as chamadas excludentes de culpabilidade (a se pensar, por exemplo, no caso fortuito, força maior ou fato de terceiro).

 

  • Quais são os possíveis efeitos dessa mudança?

Ao se pensar na mudança dos pressupostos, o parecer aprovado deixa sem maiores delimitações a quem cabe comprovar a culpa ou dolo. O que está claro é que quem deve comprovar que há excludentes de culpabilidade é, por óbvio, o autuado. No entanto, ao dispor que se deve “demandar a existência de dolo ou culpa do agente para caracterização de infração ambiental” pode-se interpretar a necessidade de tal demonstração de existência está a cargo de quem vai caracterizar determinada situação como uma infração ambiental, ou seja, o agente ambiental fiscalizador.

Caso seja essa interpretação possível a correta, é de se pensar a dificuldade que poderá ser gerada para que se realize a autuação de cada ilícito ambiental ocorrido no país. No limite, pode haver um movimento necessidade de praticamente um “inquérito/investigação” para cada infração, a fim de se apurar a materialidade da subjetividade. Combinando isso com o baixíssimo quadro de servidores para tal função, desenha-se um cenário de possível paralisação nas autuações ambientais.

Caso se aplique o entendimento trazido pelo Código Penal, a dificuldade para se comprovar culpa ou dolo pode tornar a autuação impossível, pois depende praticamente de uma confissão do autuado. Veja-se:

Código Penal

Art. 18 – Diz-se o crime:

Crime doloso

I – Doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo

Crime culposo

II – Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia

Assim, para o crime doloso deverá haver a demonstração do “querer” ou da “plena consciência” do agente infrator. Para o crime culposo, a demonstração de imprudência/negligência/imperícia também tem traços de subjetividade tais que podem inclusive ir além das competências técnicas dos agentes ambientais (ex: se o profissional tinha habilidade para manusear equipamento de fogo em campo). Isso se torna especialmente dificultoso em casos de crimes mais complexos e que envolvam diversos agentes.

Enquanto isso, anteriormente havia formas mais amplas para se caracterizar a responsabilidade administrativa ambiental: ato omissivo (em termos gerais, deixar de atuar, permanecer inerte) ou ato comissivo (em termos gerais, ação que, por si só, enquadra-se numa ilicitude/tipo infracional). É o que dispõe a Lei de Crimes Ambientais:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

 

  • Análise conjuntural sobre processo administrativo sancionador

Mudanças no processo administrativo sancionador ambiental vêm ocorrendo desde 2019. Abaixo sintetizamos esses atos:

  • Decreto Federal 9.760/2019: Altera o Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações. Institui os Núcleos de Conciliação Ambiental. Sofreu alterações posteriores pelo Decreto 11.080/2022.
  • Instrução Normativa MMA/IBAMA/ICMBIO 1/2021: Regulamenta o processo administrativo federal para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, revogando a Instrução Normativa Conjunta Nº 2, DE 29 DE JANEIRO DE 2020, tendo alterado de forma significativa diversos dispositivos da norma anterior, a qual já havia alterado sobremaneira a forma como os processos administrativos federais para apuração de infrações administrativas eram conduzidos. Confira nosso post exclusivo e com análise completa aqui.
  • Despacho nº 11996516/2022-GABIN: Entende pela (i) nulidade da notificação por edital para apresentação de alegações finais; (ii) que a nulidade da intimação gera a anulação de todos os atos processuais subsequentes; e (iii) a movimentação no processo administrativo de questões paralelas à cobrança da multa, como embargos, demolições, apreensões ou medidas acautelatórias em geral, não é causa interruptiva da prescrição.
  • Decreto Federal 11.080/2022: Altera o Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, para dispor sobre as infrações e sanções administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Confira nosso post exclusivo e com análise completa aqui.

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