O governo brasileiro vinha desde a COP 26 anunciando que seria criado no país um mercado de carbono. Minutas circularam nos bastidores do que seria o texto do decreto nas últimas semanas. Desagradaram diferentes setores ligados ao tema, mas as críticas pouco foram ouvidas tampouco estimularam mecanismos de participação para construção de uma norma de consenso. Depois de muita expectativa, finalmente, saiu na quinta-feira (19) o Decreto 11.075 em edição extra do Diário Oficial da União.
Agora temos um mercado brasileiro de carbono? Não. O decreto traz orientações para que sejam editadas outras normas que venham a regular e, então, dessa forma, instituir esse mercado. Por isso, na Metodologia de monitoramento e classificação da POLÍTICA POR INTEIRO, esse decreto é de “Planejamento”, e não uma “Regulação”.
A norma estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare) e também altera o Decreto nº 11.003, que trata da Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano, publicado em março/2022.
Importante notar que a nova norma tampouco regulamenta o MBRE, presente no Artigo 9º da Politica Nacional de Mudanca do Clima (PNMC). Ela faz referência ao Artigo 11º da PNMC, que trata justamente dos planos setoriais. Vale notar assim que, no decreto editado, a natureza jurídica dos créditos de carbono é financeira, enquanto a redação que consta na lei de 2009 é mobiliária.
Apesar de criar o Sinare e definir sua governança, sob competência principal do Ministério do Meio Ambiente, o ato tem natureza facultativa para a maior parte dos itens, até mesmo em relação aos Planos Setoriais. Dessa forma, não pode ser considerado uma Regulação, haja visto que não institui novas regras nem produz diretrizes aos agentes econômicos. Como não se trata de um processo regulatório em si, mas de estratégia orientadora, encaixa-se na classe Planejamento.
Pontos de atenção acerca do Decreto nº 11.003
- Cria Unidades de Estoque de Carbono, isto é, ativos atrelados a estoque de carbono, principalmente florestal. Não se sabe se serão fungíveis com ativos medidos em CO2eq propriamente. Risco alto de não integridade ambiental.
- Cria o crédito de metano, também diferente dos ativos mensurados em CO2eq. Tampouco há clareza sobre integridade ambiental.
- Está baseado em planos setoriais, que poderão ser cumpridos via reduções internas e créditos de carbono.
- O prazo de apresentação dos planos está em aberto e também pode variar entre setores. Não há penalidade em caso de não cumprimento.
- Há ambiguidade sobre a obrigatoriedade e a autoridade relativa a quem propõe planos setoriais de mitigação: o Artigo 3º do decreto atribui a responsabilidade ao Poder Executivo, o que poderia evitar captura pelos setores. Mas o Artigo 12º traz outra interpretação: os próprios setores podem propor sua trajetória de reduções. Ou seja, não há claro sinal de obrigatoriedade de redução de emissões e nem governança clara e independente sobre as metas.
- No coração do decreto, está o registro único de projetos e créditos de carbono nacionais, que segue as transações e aposentadoria dos créditos (não obrigando registro de todos os créditos). A central de registro de créditos e projetos pode ser positiva em termos de visibilidade dos créditos voluntários gerados no Brasil, mas a sua implementação dependerá de capacidades e competências de alto nível do Ministério do Meio Ambiente, uma vez que o Sinare ficou sob sua competência.
- Por fim, o Decreto apresenta algo distante de uma Regulação de cap-and-trade, ou sistema de comércio de emissões. Certificam-se projetos de mercado voluntário e não se dão bases para um sistema mandatório, que protegeria nossa indústria de taxas internacionais de ajuste de fronteira, tornando o processo pouco efetivo.
E o Legislativo?
O caráter não mandatório delineado no decreto torna necessária legislação via Congresso Nacional para o tema. E um sinal político evidente sobre essa disputa de protagonismo – que foi observada desde a COP 26 entre Legislativo e Executivo no assunto – foi emitido na quinta-feira (19) também, com a deputada Carla Zambelli apresentando seu relatório sobre o PL 2148/2015 (e apensados 10.073/2018, 5.710/2019, 290/2020 e 528/2021).