O Poder Executivo não pode mudar uma lei. Para isso, a Casa Civil deve mandar ao Congresso Nacional uma proposta de projeto de lei ( PL) a ser tramitada nas duas Casas (Câmara e Senado). Há sempre o risco de que sejam pendurados “jabutis”, isto é, pautas indesejáveis. E, por isso, geralmente, quando o Poder Executivo quer modificar uma Lei, o faz em estreita articulação com o Congresso.
Na corrida do Governo para melhorar sua imagem, enquanto acontece a COP 26, a Casa Civil publicou HOJE (5/11) uma resolução, a RESOLUÇÃO Nº 5, DE 20 DE OUTUBRO DE 2021, que aprova a consulta pública de minuta de Projeto de Lei que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima, o Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde e dá outras providências.
Sem clara articulação com o Congresso Nacional, a minuta proposta revoga a Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, indo na contramão da proposta do projeto de lei já aprovado pelo Senado. O PL 6539/2019, aprovado nesta semana, apenas altera a Lei que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, para atualizá-la ao contexto do Acordo de Paris e aos novos desafios relativos à mudança do clima. O relator, Jaques Wagner, teve seu parecer aprovado (Parecer nº249/2021-PLEN/SF) , mas a redação final (Parecer 270/2021-PLEN/SF, da Comissão Diretora) ainda não foi disponibilizada.
Ao mesmo tempo está em tramitação o PL 1539/2021, de iniciativa da senadora Kátia Abreu, com a relatoria do senador Marcelo Castro, que também propõe alterar a Política Nacional sobre Mudança do Clima, já comentado aqui pela Política por Inteiro.
Ao que tudo indica, o governo terá dificuldades para emplacar a nova proposta de Lei sobre a PNMC junto ao Congresso Nacional, o que pode ser positivo, pois verificamos sérios problemas como vamos mostrar aqui.
Com essas recentes proposições, causa estranheza que haja movimento contínuo e duplo no Executivo e no Legislativo sobre a mesma matéria. Há, pois, um sentimento de confusão e falta de articulação entre os Poderes, o que traz maior enfraquecimento, inclusive nas tomadas de decisões e na imagem internacional brasileira para fins de acordos e cumprimento de metas, pois não traz clareza, tampouco compromissos rígidos/reais. A bem da verdade, revisões múltiplas da legislação tem o condão de, muitas das vezes, dificultar o cenário e não ajudar no desenvolvimento do tema no País. Congressistas estão em Glasgow acompanhando, discutindo e articulando medidas, mas ao que parece o Governo Federal está tomando decisões por conta própria.
Na comparação entre a atual PNMC (Lei 12.187/2009) e a proposta de minuta apresentada hoje pelo governo, temos como principais problemas identificados:
- Há problemas quanto à governança. O Comitê proposto não tem participação ampla da sociedade nem sequer de governos subnacionais. Portanto, instituí-lo em lei pode cristalizar uma governança desalinhada com os objetivos da própria política. Governança centralizada.
- Não há tampouco clareza sobre o que significa crescimento verde, que aparece como novo título da lei.
- Está excluído da lista de fontes os aerossóis. Tal exclusão pode ter impactos sobre o inventário nacional.
- Retira a possibilidade de expansão das áreas protegidas e mantém apenas a consolidação dessas áreas como objetivos da PNMC.
- Há a exclusão do Art. 12 original, onde estavam descritos os compromissos nacionais e a meta de 2020.
- Não há processo para definição da NDC e não há atualização das obrigações do Acordo de Paris.
- A redação dos objetivos deveria estar adequada ao Acordo de Paris que contém 3 metas (adaptação, mitigação e fluxos financeiros).
- A minuta já sai desalinhada com o documento do próprio governo disponibilizado pelo MMA.
E como demais destaques de itens que foram modificados, temos:
- A norma institui tanto a Política Nacional sobre Mudança do Clima quanto o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e o Crescimento Verde, sendo que o Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e Crescimento Verde terá caráter permanente, como “instância máxima de governança da agenda de mudança do clima no Brasil”. A sua composição, organização e funcionamento foram estabelecidos em regulamento, tendo sido substituído o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). Sem a inserção do princípio da participação social e com a retirada de princípios anteriores sobre combate às desigualdades regionais, a governança proposta é, não participativa nem federativa.
- Retirada a necessidade de “razoável consenso por parte dos meios científicos e técnicos ocupados no estudo dos fenômenos envolvidos” referente às tomadas de medidas para prever, evitar ou minimizar as causas/impactos da mudança climática.
- Nos objetivos específicos, foi inserido o de “possibilitar o desenvolvimento de mecanismo de mercado doméstico regulado para promover mitigação de emissões de gases de efeito estufa”, redação essa que atualiza o texto em relação ao mercado regulado doméstico.
- Também foi inserido o objetivo de “avaliar oportunidades de inserção do Brasil em abordagens cooperativas internacionais baseadas em mercados”, que atualiza a redação da PNMC de 2009 em relação ao artigo 6 do Acordo de Paris;
- Inclui a “conservação ambiental, produção de alimentos e de biocombustíveis” como pontos a serem compatibilizados quando do cumprimento dos objetivos da PNMC. Especial atenção para a inclusão de questões relativas à segurança energética.
- Inserida, de modo genérico, o objetivo de “promover modelos de desenvolvimento econômico baseados na bioeconomia, no pagamento por serviços ambientais e na valorização dos conhecimentos e modos de vida de povos e comunidades tradicionais”;
- Retirada a necessidade dos padrões e metas ambientais para redução de emissões antrópicas e suas remoções por sumidouros de gases de efeito estufa serem “verificáveis”. Se inseriu que deverá se “orientar” o estabelecimento desses padrões e metas, os quais serão quantificáveis “na medida do possível”;
- Participação: foi retirada a diretriz de estímulo e apoio à participação dos governos federal, estadual, distrital e municipal, assim como do setor produtivo, do meio acadêmico e da sociedade civil organizada, no desenvolvimento e na execução de políticas, planos, programas e ações relacionados à mudança do clima. Ponto problemático e grave ao retirar a participação plural dessa agenda.
- Produção e consumo: Retirada das diretrizes da PNMC o estímulo e apoio à manutenção e promoção de padrões sustentáveis de produção e consumo. Dispositivo grave, principalmente numa transição mundial para melhores práticas climáticas e socioambientais.
- Inserida diretriz de “aperfeiçoar o conhecimento e a avaliação de riscos e de impactos climáticos observados e projetados no território nacional, reduzindo incertezas quando possível e subsidiar a implementação da adaptação”, mas sem maiores delimitações, tampouco se referindo à ciência e pesquisa;
- Adaptação e mitigação: Alterada a finalidade da utilização de instrumentos econômicos, que antes eram para “promover ações de mitigação e adaptação” e agora são para “incentivar mitigação” e “promover adaptação”.
- Ciência: Inserido dispositivo genérico que traz como diretriz da PNMC “a utilização da melhor ciência disponível para o aumento dos níveis de precisão e confiança no cálculo de emissões e remoções, considerando-se fatores, metodologias e estudos específicos locais, regionais e nacionais e as diversas características dos sistemas produtivos e dos biomas brasileiros”. É também competência da União “incentivar e fomentar a pesquisa e o desenvolvimento da melhor ciência disponível para o monitoramento, a avaliação, a mitigação e a adaptação à mudança do clima”;
- Governança: Foi inserido como instrumento da PNMC o Plano Nacional de Crescimento Verde, que foi recentemente lançado pelo Governo Federal, mas que pouco se conhece e cujo conteúdo não foi objeto de consulta pública. Deve-se destacar que não há planos setoriais vigentes pós-2020.
- No campo institucional, foram retirados dos “instrumentos institucionais” o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, sendo inserido como “instâncias consultivas” o que se chamou de “outras entidades públicas ou privadas com notória atuação na temática de mudança do clima”. É um rebaixamento dos instrumentos institucionais para instâncias consultivas, o que traz evidente retrocesso.
- Traz obrigações para os entes federados, quais sejam: (i) elaborar, revisar e submeter ao Poder Executivo Federal os planos estaduais e distrital sobre mudança do clima; e (ii) fornecer dados para subsidiar a elaboração do inventário nacional de emissões e remoções de gases de efeito estufa no âmbito da Comunicação Nacional à CQNUMC. Os planos estaduais e distrital sobre mudança climática deverão ser elaborados com alinhamento à Contribuição Nacionalmente Determinada do País. De se destacar que não há mecanismos claros de alinhamento e incentivos associados dentro da lógica de pacto federativo.
- São estabelecidas competências da União, especialmente relacionadas à NDC (elaborar, revisar, planejar), articulação com demais entes federativos/setor privado/sociedade para subsidiar a posição brasileira em acordos internacionais sobre mudança do clima, instituir e manter plataforma que disponibilize informações sobre impactos da mudança climática e adaptação, instituir e manter sistema on-line de registro nacional de informações sobre emissões, remoções e mitigação de gases de efeito estufa;
A Política por Inteiro, elaborou também uma tabela comparativa da proposta de minuta do Governo disponibilizada hoje com a Lei em vigor, veja abaixo (ou abra em nova janela para ampliar):