No dia 16 de setembro de 2021 foram publicadas, no Diário Oficial da União, duas resoluções do Banco Central do Brasil (BCB) e três do Conselho Monetário Nacional (CMN) que regulamentam o gerenciamento dos riscos sociais, ambientais e climáticos nas instituições financeiras. As normas são resultado das Consultas públicas 85 e 86, realizadas no início de 2021 (de abril a junho). Abaixo, detalharemos cada uma das normas, tecendo observações quando pertinentes. No entanto, gostaríamos de destacar a Resolução BCB n° 140, que cria uma nova seção no Capítulo 2 (Condições Básicas) do Manual de Crédito Rural (MCR), com foco em Impedimentos Sociais, Ambientais e Climáticos. Em tese, ela proíbe o crédito rural para propriedades não inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), e também em áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação, entre outras situações. Na prática, isso pode induzir a inscrição de imóveis no CAR e pressionar os governos estaduais (responsáveis pela tarefa) a avançarem na liquidação do pipeline de áreas inscritas mas não validadas. Mas pode também criar uma situação artificial de conforto para proprietários inconformes com a legislação ambiental (por exemplo, os que inscreverem-se mas sem a perspectiva de verificação tempestiva, mantiveram eventuais desmates ilegais) e até mesmo acomodar a administração pública, que manterá benefícios com crédito. Logo, o movimento ideal seria do Banco Central orientar o crédito rural para práticas sustentáveis e mediante a exigência de validação governamental do CAR. Enfim, o passo dado pelo BCB é de grande valia e demonstra uma tentativa de incorporar questões urgentes e relevantes na esfera financeira do país. É, pois, relevante continuarmos atentos e acompanharmos o desenrolar da implementação das regras e iniciativas das normas, a fim de que não sejam instrumentos simplesmente formais, mas efetivos e propulsores de uma agenda coesa com as crises e emergências brasileiras e globais na esfera climática, ambiental e social. Resolução BCB n° 139 de 15/9/2021 Dispõe sobre a divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (Relatório GRSAC). A norma estabelece que as instituições (financeiras ou autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil) enquadradas nos seguintes segmentos (estabelecidos na RESOLUÇÃO Nº 4.553, DE 30 DE JANEIRO DE 2017) devem divulgar o Relatório GRSAC: Segmento 1 (S1) – Composto pelos bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de câmbio e caixas econômicas que: I – tenham porte igual ou superior a 10% (dez por cento) do Produto Interno Bruto (PIB); ou II – exerçam atividade internacional relevante, independentemente do porte da instituição. Segmento 2 (S2) – Composto: I – pelos bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de câmbio e caixas econômicas, de porte inferior a 10% (dez por cento) e igual ou superior a 1% (um por cento) do PIB; e II – pelas demais instituições de porte igual ou superior a 1%(um por cento) do PIB. Segmento 3 (S3) – Composto pelas instituições de porte inferior a 1% (um por cento) e igual ou superior a 0,1% (um décimo por cento) do PIB. Segmento 4 (S4) – composto pelas instituições de porte inferior a 0,1% (um décimo por cento) do PIB. Assim, a norma não inclui as instituições do Segmento S5, composto (i) pelas instituições de porte inferior a 0,1% (um décimo por cento) do PIB que utilizem metodologia facultativa simplificada para apuração dos requerimentos mínimos de Patrimônio de Referência (PR), de Nível I e de Capital Principal, exceto bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de câmbio e caixas econômicas; e (ii) pelas instituições não sujeitas a apuração de Patrimônio de Referência (PR). Como informações obrigatórias que devem constar no conteúdo do Relatório GRSAC, temos: governança do gerenciamento dos riscos: incluindo as atribuições e as responsabilidades das instâncias da instituição envolvidas com o gerenciamento do risco social, do risco ambiental e do risco climático, como o conselho de administração, quando existente, e a diretoria da instituição; impactos reais e potenciais dos riscos: quando considerados relevantes nas estratégias adotadas pela instituição nos negócios e no gerenciamento de risco e de capital nos horizontes de curto, médio e longo prazos, considerando diferentes cenários, segundo critérios documentados; processos de gerenciamento dos riscos Não há maiores pormenorizações sobre cada um dos itens obrigatórios, mas tão somente que deverão ser divulgadas em forma de tabelas (siglas GVR para governança, EST para estratégias quanto aos impactos e GER para os processos de gerenciamento). Como informações facultativas, temos: indicadores quantitativos utilizados no gerenciamento dos riscos; oportunidades de negócios associadas aos temas Destaca-se que no item “oportunidade de negócios”, e considerando o risco climático, foram estabelecidas as considerações de (i) transição para uma economia de baixo carbono, em que a emissão de gases do efeito estufa é reduzida ou compensada, e os mecanismos naturais de captura desses gases são preservados; e (ii) redução dos impactos ocasionados por intempéries frequentes e severas ou por alterações ambientais de longo prazo, que possam ser associadas a mudanças em padrões climáticos. Não há maiores pormenorizações sobre cada um dos itens facultativos, mas tão somente que deverão ser divulgados em forma de tabelas (siglas MEM para indicadores quantitativos e OPO para oportunidades de negócios). Estabelece que as instituições dos segmentos S1 e S2 deverão elaborar as tabelas GVR, EST e GER. Já as instituições dos segmentos S3 e S4 deverão elaborar somente a tabela GVR. A periodicidade de divulgação do Relatório GRSAC é anual, após, no máximo, 90 dias da data-base (31 de dezembro), devendo estar disponível no site da instituição (em um único local, de acesso público e de fácil localização) pelo período de 5 (cinco) anos e em forma de dados abertos (que será requerido somente a partir da data-base de dezembro/2023). Para os anos de 2022 e 2023, o prazo máximo de divulgação é diferenciado: 2022: cento e oitenta dias em relação à data-base; 2023: cento e vinte dias em relação à data-base. A norma entra em vigor em 01/12/2022. Resolução BCB n° 140 de 15/9/2021 Dispõe sobre a criação da Seção 9 (Impedimentos Sociais, Ambientais e Climáticos) no Capítulo 2
Operação Samaúma: a última GLO?
As operações das forças armadas de Garantia de lei e Ordem, chamadas GLOs, foram estabelecidas com o objetivo de atuação em ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais, direcionada ao desmatamento ilegal, ao combate de incêndios florestais e à fiscalização. Há previsão na Constituição Federal (artigo 142) para emprego das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem. A decisão de emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem (GLO), assim como estabelecida na Lei Complementar 97/1999 e no decreto que a regulamenta (Decreto 3.897/2001) é de competência exclusiva do Presidente da República e ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em ações provisórias em área restrita, de polícia ostensiva, de natureza preventiva ou repressiva “até o restabelecimento da normalidade”. Assim, foram instituídas em 2019 e 2020, as Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) Verde Brasil e Verde Brasil 2 e, recentemente, em julho de 2021, a Operação Samaúma. No entanto, observa-se uma contradição no discurso oficial, considerando que o aumento do desmatamento e de incêndios foram fortemente negados, através de uma narrativa de que havia um exagero na cobertura dessas questões e de que era necessário combater a desinformação a respeito delas. Nesse sentido, o emprego da GLO parece estar mais alinhado com a narrativa de descredibilização das agências ambientais, deliberando uma nova governança militarizada da Amazônia. Liderada pelo Vice-presidente Hamilton Mourão, através do recriado Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), que tomou o lugar do Ministério do Meio Ambiente na atuação sobre a região e de comunicação com atores internacionais. Não há definição clara dos papéis a serem desempenhados pelas Forças Armadas e qual seria a função da Polícia Federal e polícias estaduais, as quais historicamente atuam em campo em suporte à atuação do Ibama, o que potencializa riscos de sobreposição de responsabilidades e falhas de coordenação. Diferente de políticas públicas adotadas no combate ao desmatamento na Amazônia, como o PPCDAM, a GLO não é política pública e não pode ser tratada como tal, trata-se de uma medida emergencial garantida pela Constituição, de apoio pontual ao restabelecimento da normalidade. As normas que instituem e autorizam as GLOs não estabelecem metas e somente para a Operação Samaúma foi definida, oficialmente, a área de atuação. A escolha das regiões está, em parte, relacionada aos municípios prioritários de combate ao desmatamento da Amazônia Legal. Inicialmente foram selecionados 26 municípios, porém de acordo com o previsto no decreto, a operação foi estendida para os estados do Pará, Amazonas e Mato Grosso, a pedido dos governadores e autorizadas via despacho do Presidente da República. Ao todo foram 352 municípios cobertos pela GLO e 420 fora da área de atuação da operação, localizados na Amazônia Legal. Através dos alertas de desmatamento do INPE analisamos as áreas cobertas pela Operação Samaúma, nos meses de julho e agosto de 2021, comparando esse período na série histórica para a mesma região. Em julho e agosto de 2021 foram 2.418 km² de área desmatada na Amazônia Legal e os municípios cobertos pela GLO foram responsáveis por 2.018 km², ou seja, 83% de todo o desmatamento do período. Em 2020 essa proporção foi de 81% nos mesmos municípios, o que demonstra um avanço da participação dos municípios foco da GLO no desmatamento da Amazônia. Os dados demonstram que nos municípios cobertos pela Operação houve uma redução de 18% no desmatamento em relação ao mesmo período de 2020 mas, no restante da Amazônia Legal a redução foi de 29%. Esse resultado indica que a ação das forças armadas tem sido insuficiente para conter o desmatamento ilegal. Mesmo que a região tenha sido escolhida devido aos altos índices de desflorestamento, a Operação Samaúma não foi eficaz no controle dos crimes ambientais. Apesar da significativa redução do desmatamento em julho e agosto deste ano em relação ao mesmo período de 2020, a tendência de queda anual é baixa e está distante da meta, pouco ambiciosa, de 8,7 mil km² estabelecida pelo Plano Amazônia 21/22. Os sistemas PRODES e DETER possuem metodologias e satélites diferentes, o que gera diferenças entre os valores identificados. A resolução dos satélites do DETER é menor e por isso captura apenas uma parte do desmatamento identificado no PRODES. Entre 01/08/2019 e 31/07/2020 o PRODES identificou 10.851 km² e o DETER 9.216 km². Entre 01/08/2020 e 31/07/2021 o DETER já identificou 8.793 km², com recordes em abril e maio, indicando uma tendência superior à faixa de 8 mil km² esperado pelo Plano Amazônia. Histórico O emprego das Forças Armadas teve início em 2019, via Decreto Federal 9.985/2019, no período de 24 de agosto a 24 de setembro de 2019 (depois ampliado até 24 de outubro de 2019 pelo Decreto Federal 10.022/2019), nas áreas de fronteira, nas terras indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas dos Estados da Amazônia Legal que requererem: ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais, levantamento e combate a focos de incêndio. Operação Período Duração 1ª GLO 2019 Verde Brasil 24 de agosto a24 de outubro de 2019 2 meses 2ª GLO 2020/2021 Verde Brasil 2 11 de maio de 2020 a 30 de abril de 2021 11 meses 3ª GLO 2021 Samaúma 28 de junho de 2021 a31 de agosto de 2021 2 meses Posteriormente, e conforme Decreto Federal 10.341/2020, tivemos a 2ª GLO na Amazônia no período de 11 de maio a 10 de junho de 2020 (ampliado para 10 de julho de 2020 conforme Decreto Federal 10.394/2020, depois, até 6 de novembro de 2020 pelo Decreto Federal 10.421/2020 e, por fim, até 30 de abril de 2021 pelo Decreto Federal 10.539/2020). Ainda, em 11 de maio de 2020 foi publicada a Portaria 1.804/GM-MD, que aprova a Diretriz Ministerial nº 09/2020, que regula o emprego das Forças Armadas, sob a coordenação deste Ministério, na “Operação Verde Brasil 2” e no
Autoritarismo Ambiental ou Antiambiental?
Atentado à democracia, perseguição aos servidores federais, ativistas e indígenas, tentativa de calar e intimidar as pessoas. Estas são algumas das ações praticadas pelo governo federal, elencadas durante o debate Conjunturas & Riscos na noite desta terça-feira, 14 de setembro. O tema “Autoritarismo Ambiental ou Antiambiental?” foi o centro da discussão entre os convidados do evento. Natalie Unterstell, diretora da Política Por Inteiro, apresentou a parceria da Política por Inteiro com o LAUT – Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo – que desenhou linhas do tempo sobre a trajetória, nesses últimos dois anos e meio, de como se deu o autoritarismo que desmontou as políticas públicas ambientais. “Temos um estoque autoritário com baixa de democracia e políticas ambientais”, disse Natalie. E concluiu uma triste notícia: “O Brasil está na lista dos países que mais mata ambientalistas ambientais no mundo, um ranking que não temos orgulho”. Dentro da parceria ainda, foi publicado na edição de setembro da Revista Quatro Cinco Um o artigo “Autoritarismo antiambiental”, escrito por Ana Paula Prates, Marina Slhessarenko Barreto, Olivia Ainbinder e Taciana Stec. Na pauta, uma análise sobre a política ambiental no atual governo. Clique aqui para ler. Há anos estudando o autoritarismo, Conrado Hübner Mendes, fundador do LAUT e professor de Direito da USP, ressaltou que as ações do governo federal são uma tentativa de intimidar, calar a opinião pública. “O LAUT monitora o autoritarismo no Brasil, de forma geral, manifestações informais do poder – que chamamos de estoque autoritário brasileiro. O Governo Bolsonaro pratica, estoca e aprofunda o autoritarismo no país”. Maria Laura Canineu, diretora do escritório da Human Rights Watch Brasil na Divisão das Américas, lembrou que estamos em um país em que o governo cada vez mais ataca os pilares da democracia. “A gente está vivendo um momento de restrição da participação social e nessa área ambiental isso se deu de forma bem flagrante”. O jornalista André Borges, em seus mais de 20 anos de cobertura em vários veículos de comunicação no país, comentou que nunca viu tamanhas arbitrariedades e uma agenda tão contundente de desconstrução do meio ambiente. Corroborando nisso, Denis Riva, presidente da Ascema Nacional (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista Ambiental), relatou a experiência de viver sob tensão nos últimos anos. “O que ocorreu desde o princípio foi a tentativa de intimidar os servidores. Todo o governo está meio paralisado pelas cobranças do autoritarismo”, comentou. No cerceamento da liberdade de expressão e manifestação, as ONGs têm sofrido bastante nos últimos tempos, segundo Maria Laura. Ela disse que as instituições estão abrindo outros canais de diálogo e com a comunidade internacional para ampliar as possibilidades de atuação. “Esse governo usa o sistema criminal para anular e eliminar a crítica e a participação no debate público. As ONGs têm vivido um momento de bastante insegurança.” Um dos assuntos levantados no debate foi o julgamento do marco temporal para demarcação das terras indígenas. Para Conrado, do ponto de vista Jurídico, a tese é estapafúrdia, absurda. Mas é necessário observar o lado político. “O STF não tem capital político para enfrentar todas as teses ao mesmo tempo. O STF era o alvo do 7 de Setembro. Muita coisa convergiu na pauta e calhou que esse caso estivesse sendo julgado com milhares de indígenas em Brasília”. Conrado acredita que há uma probabilidade que o STF adie o caso, com prazo indefinido. “O STF está tentando sobreviver e neutralizar o Bolsonaro. O ambiental não está na primeira ordem”, concluiu. Outro assunto também discutido foi a militarização da Amazônia e o povoamento de cargos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) por agentes das forças armadas. Denis comentou do prejuízo que esse tipo de política traz para a sociedade, com a falta de pessoas com capacidade técnica para exercer as funções. “Com a ocupação dos cargos ambientais por militares, boa parte do trabalho não é realizado”, disse. Ainda a respeito do MMA, a abertura de concurso neste mês é vista de forma temerária. “Colocar muitas vagas para nível médio é uma forma de rebaixar qualificação e salário dos agentes”, completou Denis. Finalizando o debate, sobre as perspectivas para este mês, os convidados se mostraram apreensivos com os desdobramentos do julgamento do marco temporal. André foi enfático na necessidade dos jornalistas de cobrirem melhor o Congresso. “Tem uma agenda de uma dúzia de projetos de lei que atacam as questões ambientais, mas eu dedicaria mais atenção no PL 490 (marco temporal).” Neste tema, Maria Laura destaca o viés “da possibilidade das comunidades indígenas em participar deste debate, de poderem se mobilizar de forma segura”. Conrado está mais interessado em saber qual a negociação de bastidores está rolando para esta fase de racionalidade do presidente Bolsonaro, o que há por trás disso. E Denis trouxe outro ponto para ser acompanhado: o projeto de lei que altera o CISNAMA, que coloca a Polícia Militar para fazer o trabalho dos fiscais ambientais. Estes foram alguns dos destaques do debate Conjunturas & Riscos: Política Climática Por Inteiro, que aconteceu nesta terça-feira. Você pode assistir o evento completo no vídeo abaixo ou pelo link: https://youtu.be/lcuU8pidyUI.