Adote Um Parque: os protocolos de intenções fora do protocolo

Como é sabido, o Programa Adote Um Parque foi instituído pelo Decreto Federal nº 10.623/2021, publicado no Diário Oficial da União em 9 de fevereiro.

Em linhas gerais, o Decreto estabeleceu metodologia para que a “adoção” de uma Unidade de Conservação federal seja realizada:

(i) abertura, por meio de publicação de edital;

(ii) apresentação das propostas de adoção;

(iii) avaliação, seleção e aprovação das propostas de adoção; e

(iv) homologação do resultado.

Contudo, apesar dessa metodologia ter sido formalizada e, portanto, legalizada quando da publicação do decreto, já havia um movimento de bastidores no sentido de se assinar os chamados “protocolos de intenções” entre o Ministério do Meio Ambiente e possíveis “adotantes”.

Cabe ressaltar, no entanto, que (i) não há a figura do “protocolo de intenções” na legislação relativa às Unidades de Conservação, incluindo-se nesse rol o Decreto Federal nº 10.623/2021; e (ii) mesmo que houvesse algum regramento jurídico, não há na norma que instituiu o Programa Adote Um Parque qualquer disposição sobre entendimentos ou alinhamentos entre Ministério do Meio Ambiente e empresas, seja antes, durante ou depois da seletiva iniciada por edital de chamamento público.

ASSINATURA DE PROTOCOLOS DE INTENÇÕES COM EMPRESAS PRIVADAS

Como visto, há um “passo-a-passo” a ser seguido para que haja a “adoção” de uma Unidade de Conservação federal no âmbito do Programa Adote Um Parque. É, pois, o caminho legalmente instituído e válido. Pois bem.

Antes mesmo da assinatura e publicação do Decreto Federal nº 10.623/2021, o ministro Ricardo Salles já divulgava amplamente que o Carrefour havia sido a primeira empresa a demonstrar interesse em “adotar” uma Unidade de Conservação federal no âmbito do programa. Inclusive, cabe recordar que o Carrefour participou, com direito à fala, da cerimônia de assinatura e lançamento oficial do programa, com presença e fala do presidente Jair Bolsonaro e ministro Ricardo Salles. Ainda, no mesmo dia em que foi publicado o Decreto, o Carrefour já utilizava a sua “adesão” ao Adote Um Parque como marketing em suas redes sociais e publicações em mídia.

A POLÍTICA POR INTEIRO obteve acesso à cópia do PARECER n. 00033/2021/CONJUR-MMA/CGU/AGU, pelo qual a Consultoria Jurídica do MMA analisa a viabilidade da então “minuta” de protocolo de intenções que, à época, estava em vias de ser assinada pelo MMA e Carrefour. Fato curioso é que, apesar dos pontos acima ressaltados, a CONJUR constata que “como o protocolo de intenções não possui forma definida em lei, não se constata qualquer irregularidade na minuta em apreciação”. Ora, como se conclui que, se não há “forma definida em lei”, não há ilegalidade? No mínimo, há transgressão do princípio da impessoalidade, ao passo que, à época, sequer havia sido instituído o programa e a metodologia de “adoção”.

Depois do Carrefour, a Genial Investimentos assinou “protocolo de intenções” com o ministro Ricardo Salles, especificamente quanto à “adoção” da ARIE Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais. Segundo site do MMA, em 2 de março, “o ministro do Meio Ambiente assinou contrato com a segunda empresa habilitada a participar do programa Adote um Parque: a Genial Investimentos, que adotará uma área de 3.180 hectares da Arie Dinâmica Biológica Fragmento Florestal”. Cabe ressaltar que a listagem das Unidades de Conservação federais incluídas na primeira etapa do programa foi publicada em 1º de março – ou seja, um dia antes das tratativas entre ministro e Genial Investimentos –, e que o edital de chamamento público, primeira etapa do processo de “adoção”, só foi disponibilizado no dia 4 de março. Salienta-se que, segundo a citada notícia no site do MMA, a Genial investimentos já é tratada como “adotante”, pois consta a tratativa junto ao MMA em item chamado “Quem já adotou um parque”, havendo inclusive indicação de que a “primeira empresa a adotar uma Unidade de Conservação na Amazônia Legal foi o Carrefour”.

Pergunta-se: como o Carrefour e a Genial Investimentos podem ser consideradas “adotantes” se sequer houve finalização do chamamento público e tampouco avaliação de propostas?

A POLÍTICA POR INTEIRO obteve acesso às cópias dos protocolos de intenções assinados entre o MMA, Carrefour e Genial Investimentos:


Protocolo de intenções Carrefour - Adote Um Parque

Protocolo de intenções: Genial Investimentos - Adote Um Parque

Conforme se verifica, os protocolos de intenções não são exatamente de “intenções”, mas efetivamente de “ações concretas para a adoção”, vez que o próprio MMA admite em notícia no seu site que Carrefour e Genial Investimentos já são empresas adotantes.

A Genial Investimentos já noticia em seu site (imagem abaixo) que adotou a ARIE Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais.

Print de texto no site da Genial informando que a empresa é agora responsável pela ARIE Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais

Há, pois, uma constante transgressão de normas e procedimentos estabelecidos, bem como a temporalidade dos atos é atentatória à própria probidade de todo o processo dentro do Programa Adote Um Parque.

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