Acordo entre Vale e Ibama por tragédia de Brumadinho descumpre legislação ambiental

Nesta sexta-feira (15), a dez dias de a tragédia de Brumadinho completar dois anos, foi publicado no Diário Oficial da União ato aprovando normas e procedimentos para utilização dos recursos advindos do acordo substitutivo da multa ambiental à Vale pelo rompimento das barragens do Córrego do Feijão em Minas Gerais. O desastre deixou 272 mortos. Foi regulamentada a destinação de R$250 milhões por conta da lavratura de Autos de Infração pelo Ibama.

A PORTARIA MMA Nº 20, DE 14 DE JANEIRO DE 2021 aprovou o Regulamento de Aplicação de Recursos do Acordo Substitutivo de Multa Ambiental nº 1/2020 na Agenda Nacional de Qualidade Ambiental. O Acordo Substitutivo foi homologado judicialmente em 27/08/2020 pelo juiz federal Mário de Paula Franco Júnior (12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais), celebrado entre Vale S/A e Ibama, tendo como intervenientes anuentes o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o ICMBio.

Consta na norma que os recursos serão depositados em conta judicial específica, destinados a projetos selecionados pela Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente a serem implementados em municípios ou consórcios públicos localizados no Estado de Minas Gerais.

Haverá um grupo de acompanhamento, composto pelo Ibama, MMA e ICMBio, que irá:

  1. receber os projetos encaminhados pela Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente;
  2. aprovar os projetos ou em caso de não aprovação, indicar os ajustes necessários;
  3. dirimir dúvidas e omissões relacionadas ao cumprimento do presente Instrumento; e
  4. encaminhar os projetos aprovados à entidade executora para implementação e execução.

Quanto à alocação dos valores, foi definido que:

  1. R$100.000.000 serão destinados à melhoria da qualidade ambiental, no âmbito da Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana, em municípios ou consórcios públicos localizados no Estado de Minas Gerais;
  2. e até R$ 150.000.000 aos Parques Nacionais da Serra da Canastra, do Caparaó, da Serra do Cipó, da Serra do Gandarela, Cavernas do Peruaçu, Grande Sertão Veredas e das Sempre-Vivas, todos no Estado de Minas Gerais, viabilizando o fortalecimento dessas unidades de conservação e incremento da atividade ecoturística, com obras (infraestrutura, reforma ou implantação), cercamento e sinalização, fortalecimento e apoio à gestão, planos de manejo, quando ausentes ou desatualizados, combate a incêndios, demarcação e adaptação de trilhas.

A execução dos projetos selecionados ocorrerá de forma indireta, por meio de entidade gestora escolhida de forma justificada pelo MMA, podendo ser até por consórcios públicos ou municípios.

Acordo descumpre legislação ambiental

O ato publicado nesta sexta-feira é uma conversão de pagamento de multas administrativas ambientais em serviços, que inclusive serão “contratados” pelo MMA para serem executados, incluindo atividades em Unidades de Conservação e medidas de saneamento básico. Contudo, o Decreto 6,514/2008 dispõe que é vedada a conversão de multas ambientais nos casos daquelas decorrentes de “infrações ambientais que tenham provocado mortes humanas” (art. 139, §único). Em termos gerais, a legislação ambiental está sendo descumprida em favor do acordo.

À época da discussão do acordo, ora homologado na Justiça Federal, foram produzidas diversas reportagens e análises contrárias às medidas sugeridas, justamente por fugirem ao fim da multa ambiental e transparecer um “benefício” à Vale S/A.

Assim, há a possibilidade de o Acordo Substitutivo objeto da Portaria MMA 20/2021 ser, ainda, alvo de intensas discussões acerca da sua validade.

Sempre importante lembrar que foi instaurada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investigou a tragédia em Brumadinho (MG), a qual propôs o indiciamento da mineradora Vale e da companhia alemã Tüv Süd e de mais 22 pessoas das duas empresas por homicídio doloso, lesão corporal dolosa e poluição ambiental por rejeitos minerais com sérios danos à saúde humana e ao meio ambiente, além de destruição de área florestal considerada de preservação permanente. Até hoje nenhum dos envolvidos foi preso. A CPI produziu relatório final, que foi aprovado em 05/11/2019.

Ainda, além do trágico saldo de 272 mortos (sendo 2 bebês ainda nas barrigas de suas mães), o desastre de Brumadinho deixou danos socioambientais na região, que, dois anos depois, ainda sofre com as perdas e omissões.


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