No MAPA do caminho do Plano Clima, tinha uma pedra

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Foto: Canva

Em seu discurso de posse, em janeiro de 2023, o presidente Lula colocava uma palavra em evidência: previsibilidade. O contexto era o da insegurança que assombrava o país em função de medidas extremadas e polêmicas como método do governo que o antecedeu. Três anos se passaram e agora é esse mesmo ideal de previsibilidade para reduzir o risco-país que se encontra em uma encruzilhada. Ao passo em que precisa avançar na consolidação de uma política climática robusta e protegida da mudança dos ventos políticos, o Estado brasileiro se vê sem saber lidar com o impasse instalado de vez pela insensatez: a aprovação da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, confirmada tanto pela Câmara, quanto pelo Senado, nesta semana.

Agora, com a derrubada dos vetos à lei (aplicados em agosto) e a aprovação dos termos da Medida Provisória sobre uma figura jurídica nova – o Licenciamento Ambiental Especial (LAE), que, vamos ser francos, agrada o próprio governo – é a previsibilidade que sobe no telhado em matéria de clima, no Brasil. Para além da evidente desproteção nas dimensões ambiental e social nos próximos anos, a nova Lei Geral deverá transbordar insegurança a negócios e a investidores no país. Os donos do dinheiro – que o emprestam para que empreendimentos aconteçam – podem não vê-lo retornar, dado o aumento de judicializações e embargos frutos de um ataque frontal ao caráter técnico da principal norma da legislação ambiental brasileira.

Nesse contexto, um setor em especial rouba a cena – e também um tempo precioso para a política climática nacional: o agropecuário. Nos últimos meses, tem sido nítida a influência de representantes do agronegócio em movimentos de tabuleiro essenciais: o primeiro deles é o Plano Clima; o segundo, o licenciamento ambiental. Entre os dois, um terceiro: a destacada participação do segmento durante a 30ª Conferência da ONU sobre Mudança do Clima, em Belém. Afinal, qual é o Agro que prevalece: o retrô, ou o que já acordou para a realidade climática? O que insiste na velha e inexistente dicotomia entre conservação e produção rural, ou o que mostrou uma face moderna e antenada ao clima como visto na AgriZone em Belém, dias atrás? Qual é o Agro brasileiro pra valer? E o quão disposto ele estaria a não ser pedra no (mapa do) caminho doméstico para que o país não sabote sua própria meta climática oficial (NDC) perante o Acordo de Paris?

O Agro, por meio de seu ministério correspondente (Mapa), tem impedido o fecho do Plano Clima, simplesmente por não topar o compromisso de responsabilizar-se pelas emissões em imóveis rurais privados, mesmo após ter colaborado por quase três anos com a elaboração dos planos setoriais de mitigação e de adaptação. Esse refugo na “hora H” vem contrariando parte do governo que, aliás, considerou lançar o Plano Clima durante a COP30, mas, por causa do Agro, deu com os burros n’água. Em simultâneo, era possível encontrar o ministro Carlos Fávaro, todo sorridente e animado na AgriZone, em Belém, exaltando o peso e a importância do agro para o sucesso da política climática nacional. O reforço desse contraste vem dias depois, no caso do Licenciamento no Congresso, com a bancada do setor usando de todo o seu poderio para contratar mais um impasse na República: a rejeição de vetos do Executivo que combatiam dispositivos inconstitucionais (vide os arts. 170, VI, e 225 da Constituição Federal, para começo de conversa).

Não bastasse, Gilmar Mendes, membro do único Poder que pode declarar a inconstitucionalidade da nova lei, ainda inventou de esticar a corda com o próprio Legislativo nesta semana, ao determinar que denúncia de ministros do Supremo para avaliação de impeachment, pelo Senado, ocorra apenas por denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República. Um movimento que a princípio não teria relação com política climática, mas só a princípio. Conjuntura importa e é preciso enxergar política por inteiro. Tanto prova, por exemplo, o Marco Temporal, até hoje com impasse persistente (enquanto a lei mantém seus efeitos). 

É bem verdade que não se pode dar tratamento homogeneizante ao Agro, já que se trata de um segmento que congrega visões e comportamentos tão diferentes, mas é certo que parte do setor tem escancaradamente se movimentado para obstaculizar pautas de interesse nacional, por motivações particulares ou, quando muito, oligárquicas. Tão evidente quanto o movimento da porção “ogro” é, também, a falta de barulho de um contra-movimento do agro que trabalha corretamente, e que sabe que produzir desconsiderando o risco climático é tempo que há muito já passou. Elementos como as revisões do Manual de Crédito Rural, as centenas de Zoneamentos Agrícolas de Risco Climático (Zarc) e as resoluções do Banco Central sobre critérios para a concessão de crédito agropecuário conectados à preocupação com o clima constituem um combo a sinalizar que os tempos, definitivamente, são outros. No que confiam aqueles que decidiram parar no tempo? O agronegócio vai contratando problemas contra sua própria produtividade, e precisa desde agora de um plano de adaptação que o socorra. Alô, Fávaro! Não dá pra ficar só com o bônus do socorro governamental aos prejuízos, tem que topar fazer parte da solução! 

Encorajada por força de lei (e por uma lei à força), a devastação que o Brasil começa a contratar agora abre caminho para o estouro dos custos de remediação por perda de serviços ecossistêmicos, dentre os quais a oferta de água, que volta a rondar as regiões brasileiras. Tipologias como pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e lagoas de dessedentação animal – que demandam o barramento de cursos d’água – se darão com menor controle ambiental, o que deve destravar problemas para a adaptação climática. Não bastassem os problemas ligados ao aumento de emissões nacionais, a baixa capacidade dos ambientes em lidar com os efeitos já presentes da mudança do clima tende, agora, a ficar ainda mais evidentes. Mesmo devidamente alertado, o Legislativo insiste em se pôr contra a Ciência. 

Os presidentes das duas casas parlamentares estão considerando o risco de a elevação dos custos públicos com remediação a prejuízos causados pela mudança do clima resultarem em menor disponibilidade de dinheiro para emendas nos próximos anos? A gente não gosta de aposta, mas a nossa seria que não. 

Boa leitura!

TÁ LÁ NO GRÁFICO

Nas COPs, as decisões dependem do consenso, e os países atuam por meio de grupos de negociação. Esses blocos não são fixos e podem atualizar posições e membros conforme a conjuntura política. No Tá Lá no Gráfico desta semana, mostramos como esses grupos se movimentaram sobre dois temas quentes nas mesas de negociação da COP30: adaptação e o mapa do caminho para o abandono dos combustíveis fósseis.

FRASE DA SEMANA

“A crise climática é um problema de saúde pública. Debater saúde e clima é uma questão de equidade. Precisamos de um sistema que se antecipe, responda e se adapte às mudanças climáticas para garantir atendimento a todos.”

Alexandre Padilha, ministro da Saúde, ao anunciar investimento de R$ 9,8 bilhões em ações de adaptação no SUS. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

ABC DO CLIMA

Escassez hídrica: definida como a situação em que a demanda por recursos hídricos excede a oferta disponível, seja em quantidade ou qualidade de água, em uma determinada área e período. A escassez hídrica não é resultado apenas de condições climáticas, como seca e estiagem, mas está totalmente relacionada à má gestão dos recursos hídricos. A ausência de licenciamento ambiental adequado para atividades industriais, de irrigação e geração de energia, em um contexto de mudança dos padrões de chuva e ondas de calor, transforma a crise hídrica em uma grave crise social, que afeta desproporcionalmente as populações mais vulneráveis.

No Brasil, desde 2024, já foram emitidas 9 declarações de escassez hídrica pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), algumas recorrentes e que afetaram as bacias da Região Hidrográfica do Paraguai, do Rio Xingu, do Rio Tapajós, do Rio Purus e seus afluentes, do Rio Madeira, Juruá e do Rio Acre e seus afluentes. Diante da mudança do clima, o planejamento estratégico dos recursos hídricos, alinhado à justiça climática, é essencial para garantir segurança alimentar, energética, saúde pública e direitos territoriais.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Nosso Monitor de Atos Públicos captou 12 atos relevantes para a política climática nesta semana, com destaque para o tema Terras e Territórios, com metade das ocorrências, puxados em função de novos assentamentos criados, um território quilombola reconhecido e adição de terras à Comunidades Remanescentes de Quilombos já existentes. Nas classes, Regulação dominou a semana.

Parques Urbanos pela Adaptação Climática

Nesta semana, o Ministério das Cidades (MCid) publicou um conjunto de critérios e condições para orientar o enquadramento e o acompanhamento de projetos de investimento prioritários em parques urbanos públicos, no contexto da emissão de debêntures incentivadas e debêntures de infraestrutura. Esses instrumentos financeiros são importantes para a mobilização de capital privado em iniciativas de interesse público e estão alinhados às diretrizes da Lei nº 12.431/2011, da Lei nº 14.801/2024 e do Decreto nº 11.964/2024.

A regulação busca garantir que os recursos captados por meio desses títulos financeiros contribuam para ganhos socioambientais e climáticos nas cidades brasileiras, priorizando intervenções que ampliem a qualidade dos espaços urbanos e, ao mesmo tempo, respondam aos desafios da mudança climática. Isso significa que projetos não podem ser apenas obras físicas, mas devem incorporar soluções que reforcem a resiliência climática, de acordo com as especificidades de cada território. 

Entre os blocos de investimento definidos pela norma, está o Bloco II, que prevê a implantação, recuperação ou modernização de áreas com cobertura natural e de intervenções baseadas na natureza. Contempla desde a criação de jardins públicos, hortas comunitárias, bosques até a implementação de infraestruturas verdes, soluções baseadas na natureza (SbN), adaptação baseada em ecossistemas (AbE), bacias de contenção, refúgios climáticos e outras estruturas destinadas a reduzir a impermeabilização do solo.

Além de critérios técnicos, para ser aprovado como projeto prioritário de parque urbano público, a proposta deve promover a ocupação democrática, inclusiva e acessível, assegurando o parque como infraestrutura social.

A diretriz destaca que os parques vão além do lazer: são fundamentais para reduzir desigualdades, melhorar a qualidade ambiental e oferecer espaços de convivência seguros e integrados. Trata-se de um marco regulatório importante, já que os parques passam a ser compreendidos como peças-chave para a adaptação climática nas cidades.

Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos e para a Transformação Ecológica  

Lançada na COP29 de Baku, em 2024, a Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos, conhecida também como BIP (Brazilian Investment Platform), teve o comitê gestor e a governança, finalmente, instituídos nesta semana. A coordenação será realizada pelo Ministério da Fazenda e o secretariado ficará a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.  Compõem o Comitê, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ministério de Minas e Energia.

O objetivo principal é mobilizar recursos financeiros, públicos e privados, nacionais e internacionais, para viabilizar projetos prioritários relacionados à transformação ecológica, conectando com a execução dos planos de desenvolvimento sustentável, das Contribuições Nacionalmente Determinadas e de outras metas climáticas e setoriais.

BRASIL

CONAMA integra a justiça climática ao rol de princípios ambientais

O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) aprovou, nesta semana, a Resolução nº 26.916/2025, cujo objetivo é inserir os princípios e diretrizes de justiça climática e do combate ao racismo ambiental nas políticas ambientais do país. A resolução insere no ordenamento jurídico brasileiro o reconhecimento formal de que o racismo é marca estrutural na sociedade brasileira e, portanto, gera efeitos negativos nas questões climáticas, piorando a qualidade de vida de recortes populacionais já vulnerabilizados.

A resolução que foi levada à votação definiu assim os conceitos:

justiça climática: abordagem de combate às desigualdades socioambientais e de promoção dos direitos humanos no enfrentamento da mudança do clima, em todas as suas políticas considerando especialmente os grupos vulnerabilizados, tais como povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares, pessoas negras, migrantes e deslocados, mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social, trabalhadores e populações em áreas de risco climático ou contaminadas e pessoas discriminadas em virtude de gênero, raça e orientação sexual, bem como a busca de uma distribuição justa dos investimentos e do tratamento de responsabilidades históricas pela mudança do clima e da proteção de garantias e direitos fundamentais.

racismo ambiental: a discriminação institucionalizada envolvendo políticas, impactos ou diretrizes ambientais e climáticas que afetam ou prejudicam, por ação ou por omissão, indivíduos, grupos ou comunidades de forma diferenciada com base em raça ou cor, pessoas de ascendência africana e asiática, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, ciganos, refugiados, migrantes, apátridas e outros grupos raciais e etnicamente marginalizados.

A partir dessa leitura da realidade, o Conama determina que todas as políticas, projetos e empreendimentos prioritários para as avaliações do Conselho devem considerar subprincípios integrantes da justiça climática, tais como a não-discriminação, o cuidado e a assistência para com os públicos prioritários da agenda de justiça climática, bem como o combate ao racismo ambiental. 

Ao considerar a vulnerabilidade exacerbada de diversas demografias, como as populações negras e quilombolas, indígenas e tradicionais, LGBTQIA+, meninas e mulheres, idosos, crianças e pessoas com deficiência, o diploma jurídico dita que as diretrizes do fomento à justiça climática baseiam-se em diversas ações positivas. Notavelmente, destaca-se a reparação emergencial aos territórios que passarem por eventos climáticos e já tiverem a constatação de danos ambientais previamente levantados, evitando a produção de impactos sinérgicos e cumulativos; e o reconhecimento e aporte financeiro às iniciativas e tecnologias sociais de enfrentamento das mudanças climáticas e do racismo ambiental dos povos e comunidades tradicionais e da agricultura familiar.  

A atualização da principiologia ambiental do País possuiu participação da sociedade civil organizada, destacadamente, do Movimento Negro e passa a refletir o que especialistas em teoria política determinam como a terceira fase do ambientalismo: a imersão de perspectivas sociais dentro dos paradigmas da conservação ambiental e das mudanças climáticas. A mutação ao socioambientalismo. Tardia, mas muito bem-vinda.

MUNDO

Capital do Irã pode ser evacuada por colapso hídrico

Teerã vive em 2025 a sua pior crise de água em quatro décadas e, nos últimos dias, autoridades elevaram o alerta ao máximo. A capital iraniana, com uma população de aproximadamente 10 milhões de pessoas, corre o risco real de se tornar inabitável nas próximas semanas se as chuvas não retornarem. O presidente Masoud Pezeshkian declarou que, se não chover até o fim do ano, o governo começará o racionamento de água e, se o abastecimento não se recuperar, “não sobrará água” e a evacuação de Teerã poderá ser necessária. Ainda que os moradores da capital e também especialistas achem improvável uma evacuação, o alerta do presidente mostra a gravidade da situação. 

A crise vai além da seca: trata-se de uma “falência hídrica” estrutural. Décadas de má gestão, explorações excessivas de aquíferos, barragens em excesso, uso intensivo da água na agricultura e falta de planejamento deixaram o sistema frágil e vulnerável a variações climáticas. Boa parte da água do país destina-se à agricultura, setor que consome mais de 90% da água nacional, embora represente uma fração pequena do PIB e do emprego

A crise de Teerã não é um caso isolado. Ela ilustra um padrão global: megacidades construídas em regiões áridas, com desafios de abastecimento de água, expostas à mudança climática, à má gestão e ao uso insustentável de recursos naturais. A combinação desses fatores transforma crises pontuais em ameaças sistêmicas.

No Brasil, a maior região metropolitana do país, também enfrenta um momento de crise hídrica – ainda não tão grave quanto a iraniana. Em comunicado na semana passada, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas) anunciaram que o Sistema Cantareira seguirá operando em dezembro na Faixa de Restrição, uma vez que o volume útil acumulado fechou novembro em 21,27%. O último boletim mensal sobre a situação hidrológica do Cantareira, publicado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), informa que o volume do sistema fechou novembro 2% abaixo do registrado no final de outubro e está no menor patamar desde a crise hídrica de 2014/2015. 

As projeções para 2030 apontam que 71% dos 5.570 municípios brasileiros enfrentarão risco alto ou muito alto de falta de água. O Plano Nacional de Adaptação, que está à espera da aprovação do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) para ser submetido à Convenção do Clima (UNFCCC), prevê reduzir para 7,5% o total dos municípios com insegurança hídrica até 2035.

Inundações já mataram mais de 1,5 mil pessoas na Ásia  

Chuvas intensas, agravadas por dois ciclones tropicais incomuns, vêm atingindo regiões da Indonésia, Sri Lanka, sul da Tailândia e norte da Malásia desde a semana passada. Embora a estação das chuvas sazonais seja fundamental para a agricultura, as mudanças climáticas têm tornado esse período mais irregular e perigoso. Mais chuvas estão previstas para os próximos dias na região.

No Sri Lanka, a chegada das monções do nordeste elevou o risco de deslizamentos de terra em áreas já muito afetadas. Moradores foram orientados a não retornar para suas casas devido à instabilidade das encostas. O país enfrenta um cenário crítico, com 479 mortes confirmadas e centenas de desaparecidos. As autoridades estimam a necessidade de até US$ 7 bilhões para reconstrução e pedem ajuda internacional.

O número de mortes provocadas pelas inundações que atingem vários países da Ásia superou, nesta semana, a marca de 1,5 mil.

Veja no mapa as regiões mais afetadas.

Noruega congela planos de mineração submarina no Ártico  

A Noruega suspendeu seus planos de abrir extensas áreas do Ártico à mineração submarina após o Partido da Esquerda Socialista (SV) assegurar, nas negociações finais do orçamento, uma pausa imediata no processo. O acordo congela até o fim de 2025 qualquer etapa de licenciamento para exploração e extração de minerais no fundo do mar, marcando a inflexão política mais relevante até agora nas ambições norueguesas de avançar em mineração em águas profundas.

O primeiro-ministro Jonas Gahr Støre descreveu a medida como um adiamento, não um abandono. Isto é, indicando que o governo busca mais tempo antes de decidir sobre a viabilidade comercial da atividade. Já a líder do SV, Kirsti Bergstø, reconheceu que o partido não permanecerá indefinidamente no poder, mas enfatizou que nenhum licenciamento avançará nesta legislatura. O povo Sami, conhecido como o “último povo indígena vivo do continente europeu”, celebrou a decisão. 

Organizações ambientais alertam há anos que a mineração em mar profundo pode causar danos irreversíveis a ecossistemas frágeis e ainda pouco estudados, e vêm criticando de forma consistente os planos de Oslo, sobretudo por destoar da reputação internacional da Noruega em gestão responsável dos oceanos. No curto prazo, a decisão desacelera a tentativa do país de se tornar um dos primeiros a abrir seu leito marinho à mineração comercial e aproxima a política norueguesa das posições de países que defendem uma moratória global sobre a atividade. 

A pausa também se insere em um Ártico em rápida transformação geopolítica, onde o derretimento acelerado provocado pelas mudanças climáticas redesenha rotas marítimas, abre novas fronteiras econômicas e intensifica a competição estratégica entre potências regionais e extrarregionais. É uma nova frente geopolítica de disputa entre Canadá, Noruega, Rússia e Estados Unidos. Nesse contexto, qualquer decisão sobre mineração no fundo do mar deixa de ser apenas ambiental ou econômica e passa a integrar calculadamente a nova arquitetura de poder emergente no extremo norte em franco derretimento.

Estados Unidos de Donald Trump assumem a Presidência do G20 

A assunção da presidência do G20 pelos Estados Unidos despertou outra onda de ansiedade nos analistas de política externa e de política climática, visto o lapso entre a responsabilidade climática do grupo e suas efetivas entregas. 

No mesmo dia da posse, 1º de dezembro, o Departamento de Estado, comunicou seus três pilares para o exercício pró-tempore: 1.) acelerar a prosperidade econômica por intermédio da redução regulatória; 2.) destravar cadeias de suprimento de energia acessíveis e seguras, o que se lê como combustíveis fósseis; e 3.) impulsionar novas tecnologias e inovações. 

O grupo tem oscilado entre ambição retórica e entregas insuficientes. Ao anunciar prioridades centradas em desregulação e expansão de cadeias de energia “seguras”, a nova Presidência reforça exatamente a assimetria que faz o G20 perder relevância por tratar o crescimento econômico e a ação climática como agendas contrastantes, quando, na verdade, são dimensões interdependentes da transição global. Sem incorporar metas de mitigação robustas, quaisquer agendas de adaptação, prazos claros para eliminação de combustíveis fósseis e nem ao menos se comprometer com a aceleração efetiva da implementação das NDCs, o G20 continuará sendo um ator de peso nas emissões, mas leve nos resultados.

O Instituto Talanoa relembra que o G20 é responsável por cerca de 80% das emissões globais de gases de efeito estufa, enquanto permanece estruturalmente aquém do necessário para alinhar suas economias aos objetivos do Acordo de Paris. Uma vez que a atual presidência saiu formalmente do Acordo, prevê-se o escanteamento de decisões de alinhamento socioeconômico ao clima e a recentralização de ações promotoras de dependência de petróleo e gás. Sobretudo em um momento geopolítico tenso, no qual os Estados Unidos ameaçam a Venezuela com invasão militar e guerra híbrida, sob a procuração do combate ao narcotráfico.

DESASTRES

Nota de esclarecimento: Nosso Monitor de Desastres tem apresentado instabilidades nas últimas semanas e teve de ser submetido a reparos. Retornaremos com ele o mais rápido que pudermos.

TALANOA POR AÍ

A semana foi marcada por diálogos que fizeram o balanço da COP30, buscando identificar avanços e frustrações de Belém. Na quarta-feira, o especialista da Talanoa dedicado à Energia, Caio Victor Vieira, participou de um debate organizado pelo Youth Climate Leaders, com a colaboração de colegas de Geledés e da LACLIMA. Durante a conversa, Caio pontuou aspectos positivos da Conferência de Belém, mas também considerou que, apesar dos esforços na Agenda de Ação, a COP30 não conseguiu se consolidar como a COP da Implementação diante do fato de que as negociações não se encaminharam para instrumentos práticos de implementação e, sim, para mecanismos de uma futura implementação. Por outro lado, apontou que houve uma mudança de paradigma, tanto na elevação de Adaptação como tema relevante quanto no agendamento de um debate sobre a necessidade de se estruturar um Mapa do Caminho para que o mundo efetivamente abandone os combustíveis fósseis. Neste aspecto, a COP trouxe um novo fôlego de esperança, ainda que os instrumentos de implementação ainda não estejam claramente estabelecidos.

Na quinta-feira, o especialista dedicado à Adaptação, Daniel Porcel, também tratou dos desafios que se desenharam após a COP30 e quais são as responsabilidades compartilhadas por governos, sociedade civil e empresas durante o “Diálogo online: análise pós-jogo da COP30”, debate anual promovido pelo Stockholm Environment Institute (SEI), em colaboração com a Universidade de Linköping e o Centro de Ciência e Pesquisa em Políticas Climáticas (CSPR). A conversa teve a participação de Mattias Frumerie, embaixador do Clima e chefe da Delegação para a UNFCCC no Ministério do Clima e Empreendimento da Suécia, Annika Markovic, diretora de Engajamento e Impacto, Stockholm Environment Institute, Mairon G. Bastos Lima, Pesquisador Sênior, Stockholm Environment Institute, Eva Lövbrand, Professora, Departamento de Estudos Temáticos – Mudança Ambiental, Universidade de Linköping e Paul Watkinson, Especialista independente em ação climática internacional, ex-principal negociador e ex-presidente do SBSTA. É possível assistir a gravação do debate aqui.

Olhando para próximos passos, a vice-presidente da Talanoa, Liuca Yonaha, participou do encontro promovido pela Oficina de Direito Ambiental da USP. O encontro teve a participação do Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, João Paulo Capobianco, e do professor de Direito Internacional da USP Daniel Damásio Borges. Capobianco, que nesta sexta-feira responde como ministro substituto em decorrência de férias de Marina Silva, afirmou que a COP30 foi bem-sucedida, trazendo resultados, entre outros pontos, em adaptação, com a adoção dos indicadores do Objetivo Global em Adaptação (GGA) e do compromisso de triplicar o financiamento de adaptação explícito na Decisão do Mutirão. Esses estão entre pontos que Liuca colocou como representativos  do Pacote de Adaptação que emergiu em Belém. A vice-presidente da Talanoa afirmou que as posições brasileiras na COP30 expõem contradições internas: um Plano Clima que não sai entraves com o setor agropecuário (como já mencionado na abertura deste boletim) e a necessidade de traçar igualmente um mapa nacional do caminho para longe dos fósseis. Capobianco concordou que as contradições foram expostas e que há um intenso trabalho buscar soluções, com expectativas ainda de aprovação do Plano Clima pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) ainda neste ano e também um mapa do caminho doméstico a começar a ser discutido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). O professor Daniel Damásio trouxe um panorama de como o multilateralismo climático evolui com consensos costurados mesmo em um sistema que contém o princípio basilar da soberania estatal de cada Parte.

TALANOA NA MÍDIA

Valor Econômico Natalie Unterstell, presidente da Talanoa, fala que manter os subsídios fósseis é sustentar o atraso da transição.
Diário do Povo Caio Victor Vieira, especialista da Talanoa, comenta que a presidência brasileira da COP deve liderar as construções diplomáticas para a substituição gradual dos combustíveis fósseis.
Valor Econômico Daniel Porcel, especialista da Talanoa, explica sobre a necessidade de financiamento para adaptação.
O Globo A eliminação dos combustíveis fósseis foi uma pauta destacada no O Globo desta semana, com participação de Caio Victor Vieira.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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