China 2026–2030: o clima como eixo de poder na disputa industrial global

Foto: Canva

As recomendações para o 15º Plano Quinquenal (2026-2030) deixam explícito que a China entende as mudanças climáticas não apenas como uma variável ambiental, mas como um eixo estruturante da disputa por poder econômico, tecnológico e geopolítico no século XXI. A transição energética e a descarbonização se consolidaram como o maior mercado emergente do mundo: em 2023, os investimentos globais em tecnologias limpas ultrapassaram US$ 1,8 trilhão, superando pela primeira vez o montante investido em combustíveis fósseis. Em 2024 e 2025, esse número seguiu crescendo, com estimativas para 2025 variando entre US$ 2,0 e 2,2 trilhões. Esse volume coloca a economia climática como a mais previsível, estrutural e resiliente do século e, essa mesma razão, um campo central de competição estratégica entre Estados.

A China reconhece esse movimento e posiciona seu 15º Plano como uma plataforma para disputar a liderança em setores que estruturam o futuro da indústria global: semicondutores verdes, armazenamento de energia, hidrogênio, veículos elétricos, redes inteligentes, manufatura avançada, biotecnologia climática, materiais de baixo carbono e tecnologias digitais críticas. 

O país já detém vantagens consolidadas: controla aproximadamente 80% da capacidade global de produção de painéis solares, cerca de 65% da cadeia de baterias de íon-lítio e mais de 50% da capacidade instalada de manufatura de eletrolisadores para hidrogênio verde. Em 2024, exportou mais de US$ 46 bilhões apenas em veículos elétricos, ampliando significativamente sua influência sobre mercados europeus, asiáticos e latino-americanos.

O plano reforça que a geopolítica climática se torna o novo eixo de poder econômico internacional. Os Estados disputam três frentes simultâneas: (1) produção e manufatura de soluções climáticas; (2) controle e padronização das tecnologias que permitirão a transição energética; e (3) influência política nos regimes internacionais de clima, comércio e finanças sustentáveis. A  Lei de Redução da Inflação dos Estados Unidos (US$ 369 bilhões), o Green Deal Industrial Plan da União Europeia (que mobiliza centenas de bilhões em garantias e flexibilizações estatais), as metas industriais da Índia e do Japão, bem como o  Programa Nova Indústria Brasil indicam que as maiores economias já tratam clima como política industrial pesada e instrumento de competição. Sob o microgerenciamento do Partido Comunista Chinês, a China responde a esse cenário com coordenação estatal de grande escala, financiamento direcionado e estratégias de substituição tecnológica, reduzindo dependências externas em áreas sensíveis como semicondutores, software industrial, biotecnologia e metais críticos.

As recomendações confirmam que o país mobilizará o período 2026–2030 para acelerar sua transição interna e consolidar autonomia estratégica. O documento projeta investimentos anuais em inovação superiores a 3% do PIB, buscando transformar empresas chinesas em protagonistas globais nos setores que moldarão a economia de baixo carbono. Apenas em energia renovável, a China instalou mais de 340 GW em 2024, para a sua ciência, isso é mais do que a soma de Estados Unidos, União Europeia e Índia. A integração dessas capacidades com manufatura avançada e com inteligência artificial aplica-se também à modernização de indústrias como química, têxteis, metalurgia e construção, que passarão por processos de digitalização, automação e descarbonização com apoio estatal.

No novo plano, a dimensão doméstica aparece como fator essencial para sustentar esse movimento. Reconhecem-se as fragilidades pós-pandemia na demanda interna e propõe ampliar renda e proteção social, reduzir fragmentações regulatórias entre províncias e unificar o mercado doméstico. Para estimular consumo e investimento, o governo recorrerá a infraestrutura social, inovação, energia limpa e segurança econômica, com incentivos para que o setor privado migre para cadeias de valor de maior intensidade tecnológica. A reforma das estatais e o fortalecimento da economia de mercado dita socialista complementam essa agenda, buscando alinhar crescimento, estabilidade e inovação de longo prazo.

No campo internacional, o 15º Plano reforça a abertura econômica seletiva da China. O país pretende atrair capital estrangeiro em setores como manufatura avançada, inteligência artificial, saúde, energia limpa e serviços digitais, enquanto simultaneamente aperfeiçoa mecanismos de proteção tecnológica. A China também buscará maior protagonismo em padrões técnicos globais, especialmente em áreas como hidrogênio, armazenamento de eletricidade limpa, eletromobilidade e IA, notando por óbvio que quem define padrões controla mercados.

Para empresas estrangeiras, o cenário que emerge é promissor e, simultaneamente, desafiador. A China oferece oportunidades significativas nas cadeias de valor da economia limpa, mas o ambiente competitivo é cada vez mais dominado por empresas domésticas fortalecidas por política industrial, economias de escala e apoio regulatório. Firmas estrangeiras que quiserem prosperar precisarão alinhar-se às prioridades nacionais chinesas, investir em inovação de fronteira e operar com elevada adaptabilidade. Setores vinculados à transição energética, soberania tecnológica e infraestrutura digital serão ao mesmo tempo atrativos e altamente concorridos, fazendo cumprir o que os especialistas da Talanoa dizem há muito: ganhará mais quem fizer mais, e melhor. 

À luz desses elementos, as recomendações do 15º Plano devem ser lidas como parte de uma virada estratégica: a China pretende moldar as regras do sistema-mundo descarbonizado, pelo controle de ponta das tecnologias e os mercados que definirão a era pós-fóssil. Em um mundo onde o clima é poder e a inação climática é sinônimo de risco existencial, a capacidade de produzir, financiar, padronizar e exportar soluções de baixo carbono tornou-se o vetor mais importante da competição entre Estados. O plano de 2026-2030 mostra que a China está disposta a liderar essa disputa, apostando que a transição energética será o motor econômico mais seguro, expansivo e estrutural do século XXI. 

Quem não acompanhar ficará para trás.

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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