De tudo, um muito.

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Foto: ONU.

A chegada de outubro sinaliza bem mais do que a iminência da COP30, em Belém. No Brasil, quem trabalha com políticas públicas sabe que o mês marca a entrada em uma espécie de “funil de final de ano”. Aliás, diga-se: nos mandatos estaduais e federal, 2025 é o último ano livre de Eleições, e por isso se espera dos governos uma aceleração de entregas, sem a preocupação com as restrições impostas pelo regulamento eleitoral. Em teoria, por ser a reta final de “Ano 3”, os planejamentos que haviam de ser feitos já o foram, e agora estariam com execução de vento em popa. Se não é difícil imaginar que no mês de novembro as atenções serão drenadas pela COP30, então outubro é o último “mês inteiro” para o governo acelerar as entregas a que se comprometeu. Afinal, o calor da engrenagem pública costuma arrefecer nos primeiros dias de dezembro, quando o tal “encerramento de orçamento” e a atmosfera natalina impõem o breve e tradicional desacelerar de tudo.

Em matéria de clima, desse “funil” devem vir peças importantes para a teia de políticas públicas de que o país precisa. São esperados ainda para 2025 os Planos Clima Adaptação e Mitigação, a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), as regulamentações do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), a Estratégia Brasil 2050 de Desenvolvimento de Longo Prazo (EB 2050) e o Plano Nacional de Bioeconomia. Muitas dessas peças já puderam ser vislumbradas em consultas públicas. Além delas, anúncios nacionais e internacionais com potencial de colaborar no jogo também são aguardados, a exemplo da (oxalá controlada) taxa oficial de desmatamento no Brasil, assim como a captação de US$ 25 bilhões para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), “primeira escala” do desafio financeiro do mecanismo antes de chegar aos US$ 125 bilhões que lhe dão condições de decolagem.

Há ainda no checklist de política climática do Brasil outros dois pontos, sob costura em 2025, com previsão de desabrochar no 1º semestre de 2026: as chamadas Estratégias Transversais para a Ação Climática – que cuidam dos meios de implementação necessários para que o Plano Clima seja efetivo, como o financiamento; e, não menos importante, a atualização da “mãe” de todo o esforço tupiniquim pelo clima: a Política Nacional sobre Mudança do Clima, a PNMC, cujas metas, estabelecidas há mais de 15 anos, expiraram em 2020, e precisam de uma recalibragem que as faça conversar com a realidade.

Quanto a setembro, como de costume, nem tudo são flores, mas bons sinais foram registrados. As ações ligadas à regularização de territórios e à garantia de direitos a povos e comunidades tradicionais seguem com boa frequência no monitoramento da Política por Inteiro. Em florestas públicas, o Serviço Florestal Brasileiro parece dedicado a desatar nós que fomentem um desaquecido tema de concessões e, com ele, a bioeconomia nacional, cujo Plano esteve em consulta pública, e parece estar perto – finalmente – do lançamento. Até o climaticamente ausente Ministério da Educação (MEC) resolveu aparecer, ao estabelecer um programa nacional (ainda que de adesão voluntária) para estimular que estudantes enxerguem o mundo a partir do ideal de sustentabilidade, e compreendam como a crise climática já afeta nossas vidas na prática. Por aqui, na Política por Inteiro, a iniciativa do MEC arrancou da gente um sonoro “oi, sumido!”.

Em Brasília, um dos destaques do mês foi o REDATA, o Regime de Tributação Especial para Serviços de Data Center, que finalmente veio a público, com vigor imediato de Medida Provisória. Agora, novos Centros de Dados contam com incentivos tributários, mas as diretrizes de fomento à energia limpa e transformação ecológica se impuseram de pronto: o governo abre mão de receitas, ao abater parte da carga tributária do segmento, enquanto o próprio segmento se compromete a funcionar com energia limpa e ter eficiência hídrica como um mandamento do negócio. Via de mão-dupla que a Política por Inteiro avalia positivamente.

Ah, e por falar em energia e eficiência, casas e prédios a serem construídos no Brasil, seja com finalidade residencial, comercial ou governamental, passam a ter metas de eficiência energética. Pelo menos até 2040.

No entanto, setembro não foi um 7×1 a favor do clima. Os avanços do governo contabilizados no mês não escondem gols-contra, como o atraso de políticas que já eram para estar com o bloco na rua (Bioeconomia, Transição Energética), e outras que sequer deveriam existir, como a expansão da exploração de petróleo, cujo expoente do momento – o Bloco 59 da Margem Equatorial, à conta da Petrobras – teve o rito de licenciamento se movendo uma casa à frente, neste mês.

Setembro também é mês de falar em política internacional, já que a Assembleia Geral da ONU e a Semana do Clima de Nova York são pautas inevitáveis. Em 2025, para além do usual, o mês também foi prazo final para os países entregarem suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que, juntas, devem funcionar como “o coração” do Acordo de Paris. Dado o balanço final de apenas 58 NDCs apresentadas (até 2 de outubro) – o que significa apenas metade do que o mundo havia reunido em 2021, último período de atualizações – parece que o coração, agora, bate mais frágil e devagar do que pede um mundo sob emergência climática.

No geral, tem faltado coragem aos líderes mundiais, e um certo “padrão” nos chamou a atenção nas novas NDCs: vários países têm anunciado metas de redução de emissões supostamente expressivas em termos percentuais, no entanto com uma artimanha atrelada: a comparação com referências distantes no tempo: anos 1980, 1990, 2000, 2005… Temos visto de tudo. Por que não utilizar, como referência, anos mais recentes, já que isso compararia realidades mais próximas do mesmo país? Preferencialmente, 2019, que é o referencial trazido no Primeiro Balanço Global (GST, 2023), com base no Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ao que parece, comparar-se com uma distante versão de si soa a uma esperteza inconveniente para o que a política climática precisa: efetividade. Não adianta prometer cortar 70% das emissões em comparação a 1995, se isso representar, na prática, nem 10% das emissões do ano passado. 

A ver o que dirão o Relatório-Síntese do Secretariado da Convenção do Clima e o Relatório sobre as Lacunas de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que devem vir a público em outubro.

Já sabemos que não é cedo, mas também não é tarde demais para o Brasil e o mundo dizerem adeus ou dizerem jamais para um futuro de baixo carbono.
 

Boa leitura!

Tá Lá no Gráfico

Durante o mês de setembro, nossa série Tá Lá no Gráfico foi da Amazônia ao Sol, passando pelo desafio de um regime global de Adaptação climática, que, a poucas semanas da COP30, busca indicadores capazes de “aterrissar” em diferentes países, segmentos da vida em sociedade e particularidades locais. Para celebrar o mês em que comemoramos o Dia da Amazônia, trouxemos uma maneira visual de constatar a existência de diferentes Amazônias, todas com potencialidades e desafios que passam pelo sucesso da política climática. Nasceu, ainda, um material especial sobre energia solar, cada vez mais disponível pela Ciência (e pela Economia!), mas que também enfrenta grandes desafios para ser justa e não afetar os direitos de ninguém.

Confira e, se quiser, compartilhe!
(Clique nas capas para ir direto aos infográficos!)

Monitor de Atos Públicos

Foram captados 58 atos relevantes para a política climática brasileira em setembro. Mais uma vez, o tema dominante no mês foi Terras e Territórios, com 23 atos. Institucional apresentou 8 atos e na sequência o tema Florestas e Vegetação Nativa, com 7 normas. 

A classe mais frequente em setembro foi Regulação, com 37 atos, seguida de Planejamento, com 12, e em terceiro lugar a classe Resposta, com 9. 

Nas agendas climáticas, Governança e Mitigação foram destaque neste mês, com 24 e 23 atos, respectivamente. Financiamento manteve a tendência dos últimos meses. Adaptação passou o mês em branco, justamente no momento em que ela precisa de prioridade no Brasil. Sinal ruim.

Agendas

Governança 

A agenda de Governança, que até aqui tem 48% do total de atos para clima no monitoramento da Política por Inteiro em 2025 (210 em 434), se aproximou desse padrão em setembro e foi responsável por mais de 40% das normas do mês. A agenda se movimentou em diferentes direções, a saber:

Minerais estratégicos e terras raras… no Senado: logo no início de setembro, o Senado Federal tratou de criar uma frente parlamentar “política e suprapartidária” para se ocupar do “debate estratégico” sobre exploração de minerais estratégicos e terras raras no Brasil. A Resolução Senado nº. 20/2025 estabelece que o grupo se dedicará a articular a criação de um “Plano Nacional de Terras Raras”, a ser oferecido ao Poder Executivo como um “plano estratégico de curto, médio e longo prazo que defina diretrizes para o desenvolvimento sustentável da cadeia das terras raras no País”. A norma fala em “fortalecer a soberania nacional” a partir do tema. A ver. Até agora, apenas uma empresa, de capital brasileiro e estadunidense, opera em território nacional para explorar terras raras, em Goiás. E o Brasil ainda não tem um destino claro de como aproveitar suas reservas para viabilizar sua transição energética e, com ela, o necessário anseio por uma transformação ecológica

E por falar em Goiás… Ainda sobre minerais estratégicos, em setembro o governo de Goiás sancionou lei que institui a Autoridade Estadual de Minerais Críticos e cria o Fundo Estadual de Desenvolvimento do setor, com o objetivo de atrair investimentos e consolidar a gestão de recursos estratégicos como as terras raras. Na ótica da Política por Inteiro, apesar do apoio político, o texto legal carece de diretrizes concretas para agregar valor à cadeia produtiva, limitando-se a menções genéricas à inovação. Sem planejamento estratégico, a exploração pode reforçar o papel de exportador de matéria-prima, com remessa de lucros ao exterior e riscos de colapso econômico quando os depósitos se esgotarem. Outro ponto crítico é a notada ausência de salvaguardas socioambientais, já que não há previsão de mecanismos de proteção ambiental ou participação das comunidades afetadas. Assim, Goiás parece apenas replicar um padrão histórico de dependência e descapitalização, com impactos ambientais e sociais duradouros.

Consultas públicas: setembro foi também um mês de importantes consultas públicas. A mais aguardada delas, sobre o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio), se encerrou no início de outubro. O Ministério de Minas e Energia (MME) abriu debate também para metas compulsórias anuais de redução de emissões de gases estufa para a comercialização de combustíveis no decênio 2026–2035. Em infraestrutura e logística, também foi aberta consulta para os indicadores para o Plano Nacional de Logística 2050. Houve, ainda, consulta para o que virá a ser o Plano Nacional de Arborização Urbana, o Planau.

Agenda Regulatória: em setembro, foi a vez de o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) apresentar seus compromissos de regulação a superar no biênio setembro/2025–setembro/2027. Um dos temas principais da Agenda diz respeito à bioeconomia, e se propõe a superar gargalos que tornam inviável a exploração sustentável do patrimônio ambiental madeireiro e não-madeireiro por povos e comunidades tradicionais, assim como assentados da reforma agrária. Trata-se de um desafio e tanto, já que, pelo menos na Amazônia Legal, conceitos como o de “Manejo Florestal Comunitário e Familiar (MFCF)”, até aqui, não vingaram em escala. Nas contas da Política por Inteiro, já apresentaram agenda regulatória (com rebatimento em clima) nos últimos 12 meses os Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), de Minas e Energia (MME) e o Ibama, além do CGIEE (Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência Energética, CGIEE) e da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

Força Nacional: os seis acionamentos no mês (mais do que um por semana) mantêm elevados os números (e os gastos) ligados à proteção territorial e apaziguamento temporário de conflitos, que estão longe de ser “episódicos e planejados”, como usualmente dizem as determinações. Alerta para a agenda de ordenamento fundiário acelerar. 

COP30: super em cima do lance, maas…. o Congresso ratificou e o Executivo botou pra valer o Acordo entre o Secretariado das Nações Unidas para a Convenção do Clima e o Brasil, sobre a realização da COP30 no país. Apesar de formais, são etapas importantes para revelar as obrigações brasileiras na história e garantir de vez que a COP30 será em terras brasileiras.

Mitigação 

Como habitualmente ocorre, a agenda mensal de mitigação teve como carro-chefe múltiplas normas em ordenamento fundiário, desta vez com 10 atos (em agosto, haviam sido 13) ligados a assentamentos da Reforma Agrária e territórios quilombolas, quase todas situadas nas regiões Norte e Nordeste. 

Indígenas: o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), recriado em abril de 2023, recomendou, em sua primeira resolução de 2025, que Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) não regulamentem a mineração em Terras Indígenas, e não descuidem do direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI). Vale lembrar que o STF, desde 2024, segue insistindo em “conciliar” algo que é direito fundamental já expresso em Constituição, por meio de uma “comissão especial”, da qual os indígenas se retiraram naquele mesmo ano. As queixas principais estavam no modo como a conciliação vinha sendo conduzida pelo Tribunal, além da incompatibilidade de tempo entre a comunicação da liderança indígena a seus pares e a agilidade buscada pelo STF para resolver o impasse. 

Outros temas também puxaram o carro das ações de mitigação em setembro: 

Incêndios florestais: uma resolução do Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo (COMIF) definiu medidas a serem seguidas para prevenção de incêndios. Até aqui, 2025 felizmente não repetiu 2024 em fogo alastrado pelo país. A biodiversidade (e a conta das emissões de carbono nacionais) agradecem.

Recuperação da vegetação nativa: outra resolução veio para aprimorar o sistema de informações e a transparência sobre ocorrência do fogo no Brasil, passo importante para calibrar melhor políticas públicas e medidas particulares.

Dados e tecnologia: ainda que por Medida Provisória, o já aguardado Regime Especial Tributário para serviços de Data center no Brasil – REDATA – começou a valer, com determinações importantes para o clima: as mais relevantes são (i) que 100% da energia a abastecer essas “usinas de dados” sejam baseada em energia “limpa ou renovável”, vedadas, portanto, as fontes fósseis; (ii) obrigatoriedade de eficiência hídrica durante a operação, para tanto sujeita à fiscalização. Caso não se enquadrem nas métricas estabelecidas pela MP, sanções são previstas. A curiosidade é que no mesmo período, foi notícia o fato de o sistema elétrico brasileiro estar tendo dificuldades para conseguir utilizar toda a energia renovável que o país já produz. A questão deixa claro que não se trata só de produzir energia limpa, mas também investir na infraestrutura nacional para armazenar e utilizar a chamada geração distribuída, ao mesmo tempo em que se reduz a pressão sobre o sistema convencional. (Nota: como a Medida Provisória tem eficácia temporária, duas frentes se impõem: a primeira é que o conteúdo da MP vire Lei, seja por ela própria, seja por Projeto de Lei que vá na mesma linha; em paralelo, o governo já abriu consulta pública para outras regulamentações necessárias ao Redata).

E por falar em renováveis como carro-chefe… O Congresso decidiu dar sobrevida à MP nº. 1.307, que determina que todas as novas Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) a serem instaladas no Brasil só poderão entrar em operação se comprovarem que se alimentam de energia renovável. Agora, a MP vigora até 15 de novembro de 2025. Até o final de setembro, o Brasil tinha 12 ZPEs em funcionamento, grande parte na Região Nordeste.

Adaptação 

Em setembro, a agenda de Adaptação passou zerada em atos. Coincidentemente, Adaptação também não constou no discurso do Presidente da República durante sessão de abertura da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em 23 de setembro, conforme avaliamos em detalhes, no mesmo dia. Ausências em discursos oficiais são também uma forma que o mundo político encontra para dizer que determinados temas não fazem parte das prioridades de governo. Esperamos que não seja o caso da Adaptação à nova realidade climática que vivemos, pauta que precisa ganhar em investimentos e centralidade no debate público.

Financiamento 

Em setembro, o dinheiro público predominou na agenda de financiamento. Apesar de alterações pontuais promovidas em regras de blended finance (como uma alteração realizada na linha EcoInvest Brasil, no final do mês), regulações em fundos constituídos e alocações para evitar desastres – ou para remediá-los – foram os destaques:

Fundo Constitucional do Nordeste em mais do mesmo: olhando para 2026, uma resolução do Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Condel/Sudene) determinou que os investimentos do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) priorizem a expansão das cadeias de Óleo & Gás. Por ignorância ou má-fé, o texto da mesma resolução traz como diretrizes a economia verde e a transformação ecológica. O requinte de crueldade sobre mais dinheiro público indo para fósseis é que as ações estão previstas adivinhem em qual seção do documento? Inovação. É mole?!

Mais de meio bilhão para desastres: uma lei publicada em setembro determinou a adição de crédito orçamentário em R$ 520 milhões para a gestão de riscos e desastres no país, a cargo do Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR). A iniciativa havia começado com o próprio governo, quando lançou a Medida Provisória nº. 1.299, no início de maio. Noutra frente, em agosto, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), via Portaria, havia internamente remanejado créditos para suplementar o MIDR em R$ 310 milhões. A leitura da situação, como um todo, indica o quanto o orçamento público no Brasil vem sendo pressionado em razão de desastres, grande parte desencadeados por eventos climáticos extremos.

Fundo de Infraestrutura Social carece de diretrizes pró-clima: o Fundo Nacional de Investimento em Infraestrutura Social (FIIS), criado por lei há pouco mais de um ano, para fomentar ações em saúde, educação e segurança pública, aprovou seu Plano Anual de Aplicação de Recursos financeiros (PAAR) para (sim, ainda) 2025. O PAAR aprovado foca em ampliar infraestruturas para educação e saúde no volume de R$ 10 bilhões de reais, sob a forma de empréstimos, a serem geridos pelo BNDES, com regras específicas. Como a batalha para fazer com que cada vez mais o dinheiro público conduza o Brasil à sustentabilidade e à resiliência climática, o governo tem no FIIS uma grande oportunidade de aplicar diretrizes pró-clima ligadas tanto à mitigação quanto à adaptação. A Política por Inteiro mergulhou a fundo no assunto em uma análise recente.

CMN aprova socorro bilionário a produtores rurais: uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) criou oficialmente uma linha de crédito rural para produtores rurais que tenham sofrido prejuízos por “eventos adversos”. A norma vem a reboque da Medida Provisória n°. 1.316, que já havia aberto crédito extraordinário de R$ 12 bilhões para a mesma finalidade, dias antes. Apenas empreendimentos rurais situados em municípios em calamidade pública ou emergência – e que tenham sofrido pelo menos 2 perdas de pelo menos 30% de safra no intervalo entre janeiro/2020 e dezembro/2024 – estão elegíveis ao crédito. Desinvestir gradualmente em fontes fósseis e, ao mesmo tempo, investir em pesquisa e inovação para a adaptação agropecuária a um clima mais hostil à produção é o caminho para que medidas como essa se multipliquem (e pressionem as contas públicas), nos próximos anos.

👎 DESTAQUES DO MÊS 👍

👎 DESTAQUES DO MÊS 👍

👎 Atravessou o samba!

Em uma declaração inacreditável em tempos em que a desordem climática se instala a olhos vistos, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, disse que a produção de energias renováveis como solar, eólica e a proveniente de hidrogênio verde será uma prioridade da estatal brasileira apenas de 2035 em diante. O posicionamento de Chambriard é um dos maiores “na volta a gente compra, filho” do ano. (Foto: Fernando Frazão/Ag. Brasil)

👍 Tá afinado! 

O REDATA, Regime Tributário Especial para Serviços de Data Center no Brasil, foi lançado pelo governo. E não de qualquer jeito. Se é inevitável que o Brasil entre de vez em um mundo cada vez mais imerso em Ciência de Dados e na dimensão digital, a Medida Provisória que lançou o regime é uma via de mão-dupla: só concede abatimentos e isenções de tributos (como PIS, Cofins e até IPI, na aquisição de equipamentos tecnológicos) se métricas de descarbonização forem seguidas à risca. Por exemplo: novas plantas de data centers só podem se instalar e funcionar se alimentadas unicamente por energia renovável. Além disso, o chamado Índice de Eficiência Hídrica também entra no jogo, e cumpri-los é obrigação, não faculdade. Assinam a MP, junto ao Presidente da República, os Ministérios da Fazenda (MF), do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e de Minas e Energia (MME). Agora, a bola está com o Congresso. (Foto: Joedson Alves/Ag. Brasil)

BRASIL

No Brasil de setembro, as principais movimentações ocorreram no tema energia. Enquanto o Ministério de Minas e Energia (MME) passava a ter nova direção à frente da Secretaria Nacional de Energia Elétrica, a sociedade civil propunha o futuro da Petrobras. A iniciativa “A Petrobras de que precisamos” – que é muito mais do que meramente a Petrobras que queremos – procura mostrar o quanto a maior empresa de capital estatal do país pode não só se reinventar e colocar o Brasil, de fato, no trilho da transição energética, como pode, ainda, valer-se das vantagens competitivas que têm em relação a concorrentes mundo afora. Um dos produtos da iniciativa é um estudo, publicado recentemente. Além disso:

Biocombustíveis entram (um tanto mais) no jogo: o Plano Decenal de Expansão de Energia até 2035 passou a ter um novo Caderno: o de Oferta de Biocombustíveis. Ele foi lançado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em parceria com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O documento traz projeções de crescimento de 30% na produção de etanol, com destaque para o etanol de milho, e demanda de 48,2 bilhões de litros até 2035. O biodiesel deve atingir 13,9 bilhões de litros, enquanto os combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) podem chegar a 2,8 bilhões de litros, atendendo parte das metas de redução de emissões. O potencial de bioeletricidade e biometano (que em parte pode vir dos aterros sanitários das regiões metropolitanas brasileiras) também deve ser ampliado. Nos próximos anos, estão previstos investimentos na ordem de R$ 110 bilhões para fortalecer toda a cadeia de biocombustíveis no país.

São Paulo e o preocupante nível dos reservatórios de água: A Sabesp anunciou a ampliação do horário de redução da pressão da água da Região Metropolitana de São Paulo para 19h às 5h. No último Boletim Semanal de agosto, havíamos noticiado que a concessionária estava implantando a medida para o intervalo das 21h às 5h. Ou seja, a escassez hídrica dos reservatórios que abastecem a Grande São Paulo está se agravando. A medida talvez se dê em consequência de o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) indicar que o volume disponível nos reservatórios do Subsistema Sudeste/Centro-Oeste caiu de 58% para 51,6% de agosto para setembro. E, ao que tudo indica, ainda vai levar tempo até o fim do período de estiagem. Não custa reforçar o que a Ciência há muito já vem alertando: uma das consequências mais graves da desordem climática é a redução na disponibilidade de água potável.

Nordeste: os estados que integram o Consórcio Interestadual do Nordeste se puseram a falar sobre clima. Foi durante a 3ª Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (ICID–3), realizada em Fortaleza/CE. O momento foi denominado “COP Nordeste”, por tratar dos desafios do semiárido brasileiro frente às mudanças climáticas e oportunidades de desenvolvimento por meio da transição energética. Entre os compromissos firmados pelos governadores, estão a Declaração Conjunta com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), uma Carta-Compromisso para o Plano Nacional de Transformação Ecológica e a “Declaração de Fortaleza pelas Renováveis”, na qual a região se compromete a triplicar a capacidade de produção de energia renovável até 2030. Está anotado, Governadores.

MUNDO

Diplomacia da Energia: a Agência Internacional de Energia (IEA, da sigla em inglês) recebeu, do Brasil, uma carta oficial solicitando tornar-se membro pleno da organização. No pedido, o governo agradece a parceria de anos com a agência em áreas como segurança energética, dados e análise de políticas, destacando que o país é exportador de petróleo, possui uma matriz diversificada e liderança crescente em fontes limpas e renováveis. O diretor da IEA, Fatih Birol, celebrou o pedido e afirmou que o Brasil já é peça central no sistema energético global. Maior país da América Latina em tamanho, população e economia, o Brasil busca fortalecer sua posição internacional em energia e clima, especialmente por sua presidência da COP30, após já ter integrado a “família IEA” desde 2017 como país associado. A IEA tem atualmente 32 membros plenos, com predominância de europeus e desenvolvidos, como Canadá e Austrália.

(Vale lembrar: o Brasil também ingressou recentemente na Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados, a OPEP+, como membro associado. Após liderar as cúpulas do G20 e dos BRICS, o país tem retomado sua “diplomacia universalista”, inserindo-se em diferentes instituições para defender seus interesses e difundir suas preferências, como no caso dos biocombustíveis.)

Financiamento: Em Roma, o Workshop dos Diálogos de Sharm-el-Sheikh (SeSD, em inglês), reuniu negociadores de financiamento dos países signatários da Convenção do Clima. O SeSD foi criado na COP27 como um espaço para discutir e aprofundar a implementação do Artigo 2, parágrafo 1c do Acordo de Paris – isto é, “fazer com que os fluxos financeiros sejam consistentes com um caminho de baixa emissão de gases de efeito estufa e de desenvolvimento resiliente ao clima” – e sua complementaridade com o Artigo 9 (financiamento climático, principalmente em apoio a países em desenvolvimento). O artigo 2.1c do Acordo de Paris diz, a grosso modo, que todos os fluxos financeiros devem alinhar-se a um desenvolvimento de baixo carbono e resiliente. Desde a COP27, o alinhamento de fluxos de financiamento de “baixo carbono” tem ganhado protagonismo, enquanto o componente de resiliência e adaptação tem ficado em segundo plano. O tema vem ganhando relevância e pode ser uma oportunidade para priorizar o financiamento para adaptação em Belém.

África: Durante setembro, a África teve sua semana do clima, com direito a uma Cúpula do Clima do próprio continente, para, entre outros assuntos, priorizar a adaptação dos governos no continente e, para tanto, a mobilização de financiamento capaz de tornar essa adaptação uma realidade. Uma fala marcante veio do anfitrião do evento, o Primeiro-Ministro etíope e Prêmio Nobel da Paz em 2019, Abiy Ahmed Ali, quando frisou que os africanos não querem ser vistos como “vítimas de uma crise” que eles próprios não criaram, mas sim como “arquitetos de um futuro justo, verde e resiliente”. A Etiópia apresentou sua NDC ainda em setembro e o país tem intenção de sediar uma COP.

COP30: o mundo também deu sinais de que começa a arrumar as malas para Belém. Em 17 de setembro, a Presidência da COP30 anunciou que 79 países (dos 195 que assinaram o Acordo de Paris) estão confirmados para a Conferência. A informação oficial tem como base os dados vindos das plataformas de hospedagem com negócios concretizados, e informações vindas dos próprios países. Outros 70 países ainda estariam em negociação a concluir nos próximos dias. O comunicado no site oficial da COP30 não entra em detalhe sobre se as delegações dos mais de 50 países africanos, por exemplo, estão na conta dos atuais 79. Nos últimos meses, a delegação africana tem sido uma das mais vocais quanto às dificuldades enfrentadas para alcançar a logística necessária para estarem presentes na Conferência.

MONITOR DE DESASTRES

Em setembro, o Monitor de Desastres captou 39 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 112 municípios. Neste mês, a quantidade de municípios impactados teve queda em relação a agosto (158), apesar do aumento na frequência de atos constatada no atual período (contra 26 do mês anterior).

TÚNEL DO TEMPO

Capa da análise mensal - setembro de 2020

O Túnel do Tempo nos leva à edição de setembro de 2020. Naquele mês, um dos destaques era o anúncio do presidente da China, Xi Jinping, de que seu país se compromete em alcançar a chamada neutralidade climática até 2060, considerado “um verdadeiro marco na política climática internacional”. Nosso documento também comentava a performance do então presidente brasileiro, que, por incapacidade ou má-fé, afirmava na tradicional tribuna de fundo verde-ardósia da ONU que o país obtinha recorde na atração de investimentos estrangeiros. Tratava-se de falsa informação, uma vez que “2020 foi um ano com saída recorde de capital do país e há indicações do mercado de que que o Brasil está perdendo capital de longo prazo em virtude da situação ambiental e da incapacidade do governo em responder adequadamente a essas cobranças”. De volta à situação chinesa, o Túnel do Tempo nos mostra que, se naquele 2020 em meio a uma pandemia de Covid-19, a comunidade climática se animava com os anúncios do presidente chinês, agora, cinco anos depois, o pronunciamento de Xi Jinping durante a Cúpula do Clima realizada em Nova York frustrou. Apesar dos compromissos em sextuplicar sua capacidade de renováveis na matriz nacional, ampliar mercados de carbono e seguir investindo na substituição de frota, quando o assunto é emissões, a China prometeu apenas uma faixa de 7% a 10% em relação a um “pico de emissões”, que ainda não se sabe ao certo qual será. A nova NDC chinesa ainda não foi oficialmente submetida ao Secretariado da Convenção do Clima, então ainda há um fio de esperança que ela levante o sarrafo de compromissos dos países. O regime global depende não só dos números chineses, mas de seu real empenho e exemplo na trilha da descarbonização.

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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