(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)
Quando o assunto é dinheiro para políticas públicas, a primeira coisa que pode vir à mente é a necessidade de tê-lo em volume suficiente. Natural, para um país grande e diverso como o Brasil. No entanto, os ganhos em volume são só parte da vitória. Não bastam. É aí que uma palavra costuma se apresentar no debate: operacionalização. Isso porque é ela a responsável por fazer com que todo o volume arrecadado tenha vazão, seja executado com agilidade, transparência e, o mais importante, garanta o impacto positivo (também conhecido como efetividade) que motiva a própria captação do recurso financeiro.
No caso do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), ou simplesmente Fundo Clima, dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), apresentados no Boletim Fundo Clima deste mês da Talanoa, indicam que a variável volume vai indo muito bem. Nos últimos anos e já olhando para 2026, a entrada de recursos tem sido uma curva exponencial para professor de matemática nenhum botar defeito – dos R$ 233 milhões em 2020 aos R$ 42,5 bilhões previstos para o ano que vem.
Acontece que o mecanismo como um todo ainda lida com problemas de fluidez, além de estar sob constantes riscos de uso diverso do combinado, por errar o alvo na redução de emissões e/ou por não promover a adaptação necessária diante da realidade climática na qual estamos imersos.
Esses riscos demandam a atenção de governos, bancos (especialmente o BNDES) e, claro, do setor privado. Um risco que tem ganhado destaque nos últimos meses, por exemplo, vem de investimentos em energia solar, cujas usinas, não raro, têm sido projetadas dentro de áreas em que há cobertura vegetal. Ou seja, desmatamento incentivado. Não faz sentido. Seria como comprar o videogame, mas, para isso, ter de vender a televisão. São espaços em plena produção de serviços ecossistêmicos necessários a todo mundo. Inclusive aos negócios.
Felizmente, esse problema já foi detectado por diferentes frentes. Uma delas vem de experts que têm colaborado para a construção da Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), política estruturante que orientará investimentos e prestigiará os baseados em sustentabilidade, e que teve sua conclusão anunciada nos últimos dias. Uma das propostas é incluir na Classificação Nacional de Atividades Econômicas, seção D (Eletricidade e Gás), entre outras atividades, a de “implementar painéis solares flutuantes em reservatórios de usinas hidrelétricas”, de modo a reduzir a mudança no uso da terra. Instalar fazendas solares em faixas de servidão ao longo de Linhas de Transmissão de Energia (LTEs) já existentes também é factível. Todas otimizações necessárias para que a transição energética não seja “cobrir um santo para descobrir o outro”, em tempos em que inovação é obrigação.
Mas bem, não é só o setor privado que precisa encontrar dinheiro para investir no clima. Do ponto de vista do setor público, a demanda também é gigantesca, além do que os obstáculos se apresentam em camadas: os recursos voltados para financiamento climático precisam não só estar disponíveis em volume, como também é essencial que haja saúde fiscal suficiente dos entes federados que os permitam obter financiamento em nome de uma profunda transformação norteada por diretrizes pró-clima.
Muito embora nos últimos anos estados e municípios tenham melhorado sua saúde fiscal – e quem diz isso não somos nós, mas a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), em dados abertos – a vontade política de subnacionais em tomar empréstimos com foco em mitigação e, sobretudo, em adaptação climática ainda engatinha. O tema de empregos verdes, por exemplo, que deveria estar no centro da mesa de 11 em cada 10 prefeitos, tem se mostrado até aqui, rarefeito nos discursos e nas práticas locais.
É bem verdade que muitos estados e municípios têm obtido melhorias significativas na busca por estabilidade fiscal e saúde em suas contas públicas, com importante colaboração de organismos multilaterais como BID e Banco Mundial, vide Profisco. Acontece que, por outro lado, também têm batido com a cabeça em um teto baixo chamado espaço fiscal. A União não tem esse nome por acaso e o sistema federativo brasileiro, para garantir controle e responsabilidade sobre as contas nacionais, precisa ter na União Federal, sua garantidora nas operações de crédito ansiadas por entes federados. Como esses pleitos têm forte repercussão econômica – já que quase sempre estimulam setores que geram emprego e renda como o da construção civil – a União se compromete em garantir perante os credores um determinado volume anual de endividamento permitido: e a isso damos o nome de espaço fiscal.
Se de um lado progressivos avanços pró-clima podem ser contabilizados em políticas públicas nos últimos três anos, de outro, a forma e os meios pelos quais essas políticas se concretizam precisam apertar o passo. Do contrário, o cenário é de políticas abrangentes no papel, mas capengas na prática. Por isso mesmo é que operacionalização – e não só volume – é palavra que deve estar no centro da preocupação brasileira quando o tema é financiamento.
Faltam 58 dias para a COP30.
Boa leitura!
TÁ LÁ NO GRÁFICO
As fontes renováveis de energia já são mais baratas e concentram a maior parte dos investimentos globais. Mas o Brasil ainda destina a maioria dos subsídios do setor a fontes fósseis como petróleo, gás e carvão. Essa escolha pode manter o país preso a tecnologias ultrapassadas, caras e poluentes, em um momento em que o mundo acelera a transição para energias limpas e competitivas.
Entre as renováveis, a energia solar é a que se apresenta como uma das mais promissoras. No Brasil, em 2024, representou 9,3% da matriz elétrica, consolidando-se como a terceira maior fonte de eletricidade do país. Além de reduzir emissões, a expansão da solar traz benefícios como diversificação da matriz, geração de empregos, redução da conta de luz e atração de investimentos.
Porém, seu aumento exponencial merece atenção para não se tornar vetor de desmatamento e desencadear conflitos fundiários e violar direitos ao território de povos indígenas e comunidades tradicionais.
O Tá Lá no Gráfico desta semana mostra essa expansão da energia solar e os desafios da transição para longe dos combustíveis fósseis.
FRASE DA SEMANA
“Diante dos terraplanistas políticos, que são muitos, a emergência climática é uma realidade. Não é apenas uma evidência científica, mas algo que vivenciamos no dia a dia.”
Pedro Sánchez, premiê espanhol, na rede social TikTok, falando do plano que inclui nas escolas formação obrigatória em emergências e catástrofes. Para ele, até as crianças da educação infantil (3 a 5 anos), devem aprender a reconhecer alertas e os primeiros sinais de perigo. Foto: TikTok/Reprodução.
ABC DO CLIMA
Curtailment: é um termo de origem inglesa, utilizado com frequência dentro do jargão técnico do setor de energia, para descrever a situação em que uma fonte de geração de energia, geralmente renovável, produz mais eletricidade do que a rede de transmissão ou distribuição é capaz de absorver. Nessas circunstâncias, a geração é interrompida, o que resulta em desperdício de energia em razão da defasagem na infraestrutura física ou por incapacidades de gestão do sistema elétrico. Se tentarmos traduzir o termo em inglês, seria algo próximo da palavra encurtamento, o que reflete essa limitação existente entre geração e transmissão.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
Nosso Monitor de Atos Públicos captou 12 atos relevantes para a política climática nesta semana. O tema mais frequente foi, surpreendentemente, Desastres com 3 atos captados, relacionados aos protocolos de atuação integrada propostos pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e ao crédito extraordinário em favor da pasta. A classe mais captada foi Regulação, com 9 atos, entre eles a aprovação do acordo entre o governo brasileiro e o secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para realização da COP30 em Belém.
Mais do mesmo no Fundo Constitucional do Nordeste
Nesta semana, uma resolução do Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Condel/Sudene) determinou que, em 2026, os investimentos do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) priorizem a expansão das cadeias de Óleo & Gás. Paradoxal e curiosamente, o texto da mesma resolução traz como diretrizes a economia verde e a transformação ecológica. O requinte de crueldade sobre mais dinheiro público indo para fósseis é que as ações estão previstas adivinhem em qual seção do documento? Inovação.
Mais de meio bilhão de reais para desastres
Uma lei publicada nesta semana determinou a adição de crédito orçamentário em R$ 520 milhões para a gestão de riscos e desastres no país, a cargo do Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR). A iniciativa havia começado com o próprio governo, quando lançou a Medida Provisória (MP) nº. 1.299, no início de maio.
Noutra frente, em agosto, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), via Portaria, havia internamente remanejado créditos para suplementar o MIDR em R$ 310 milhões. A leitura da situação, como um todo, indica o quanto o orçamento público no Brasil vem sendo pressionado em razão de desastres, grande parte desencadeados por eventos climáticos extremos.
BRASIL
Arborização Urbana entra em Consulta Pública
O governo anunciou a abertura da Consulta Pública para o Plano Nacional de Arborização Urbana, o Planau. O Planau tem caráter operativo e é parte importante do Programa Cidades Verdes Resilientes (PCVR), lançado por decreto em junho de 2024. O PCVR objetiva entregar adaptação climática a partir da melhoria da qualidade ambiental nos centros urbanos brasileiros. Uma das “regras de ouro’ do Planau é a chamada “3-30-300”, que consiste basicamente em:
- Cada habitante avistar ao menos 3 árvores da janela de sua residência;
- Cada bairro urbano ter pelo menos 30% de sua área coberta por copas de árvores
- Cada habitante morar a uma distância de pelo menos 300 metros de um espaço verde público de qualidade.
A consulta pública em meio virtual vai até o dia 30 de setembro.
Congresso confirma acordo entre Brasil e ONU para sediar a COP30
Nesta semana, um ato do Congresso Nacional trouxe a público a confirmação do Brasil para a realização da COP30. Essa etapa, conhecida no Direito Internacional como ratificação, é fundamental para o cumprimento de qualquer tratado internacional pelo país, já que acordos assinados pelo Executivo não têm eficácia se não forem devidamente autorizados pelo Poder Legislativo.
O acordo traz as obrigações que o governo brasileiro contraiu com o Secretariado da UNFCCC. Todos os encargos mínimos de infraestrutura e logística para a Conferência em novembro estão nele. Confira a íntegra do Acordo.
Sobrevida à “limpeza energética” em zonas industriais de exportação
Nesta semana, o Congresso Nacional decidiu por dar sobrevida à Medida Provisória (MP) nº. 1.307, que trata de dar direcionamento ao Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) em relação à análise de novos projetos industriais que tenham a intenção de operar nessas áreas especiais. A MP importa para política climática porque determina que, a partir de então, toda e qualquer análise de projetos industriais só poderá resultar em aprovação após sinalizada a obrigação de que toda energia elétrica a ser utilizada por empresas instaladas em ZPEs seja proveniente de usinas de fontes renováveis. Agora, em teoria, a MP vigora até 15 de novembro de 2025.
O Brasil tem, até o momento, 12 ZPEs em funcionamento, grande parte na Região Nordeste.
MUNDO
Workshop do Artigo 2.1c em Roma
O Workshop dos Diálogos de Sharm-el-Sheikh (SeSD, em inglês), em Roma, nos dias 6 e 7 de setembro, reuniu os negociadores de financiamento dos países signatários da Convenção Quadro de Mudanças do Clima. O SeSD foi criado na COP27 como um espaço para discutir e aprofundar a implementação do Artigo 2, parágrafo 1c do Acordo de Paris – isto é, “fazer com que os fluxos financeiros sejam consistentes com um caminho de baixa emissão de gases de efeito estufa e de desenvolvimento resiliente ao clima” – e sua complementaridade com o Artigo 9 (financiamento climático, principalmente apoio a países em desenvolvimento).
O artigo 2.1c do Acordo de Paris diz, a grosso modo, que todos os fluxos financeiros devem alinhar-se a um desenvolvimento de baixo carbono e resiliente. Desde a COP27, o alinhamento de fluxos de financiamento de “baixo carbono” tem ganhado protagonismo, enquanto o componente de resiliência e adaptação tem ficado em segundo plano.
O tema vem ganhando relevância e pode ser uma oportunidade para priorizar o financiamento para adaptação em Belém. Se implementação é a palavra-chave da COP 30, deve haver um compromisso das Partes em operacionalizar o Artigo 2.1(c) com centralidade para adaptação climática.
O especialista sênior da Talanoa Benjamin Abraham participou das discussões e contou que a oficina demonstrou um maior senso de propósito, com expectativa de negociações mais substantivas na COP30 do que nos anos anteriores. “Houve um reconhecimento generalizado do fato de que a implementação do Artigo 2, parágrafo 1c está em andamento em todo o mundo, mas também que a implementação atual não é suficiente e não é suficientemente equilibrada”, disse. Segundo Benjamin, não há foco suficiente na adaptação, e algumas implementações têm consequências indesejadas, por exemplo, tornando mais difícil o acesso a alguns financiamentos para alguns países em desenvolvimento.
E é sobre financiamento climático que Benjamin Abraham escreveu um artigo publicado nesta semana no Climate Home News (ver Talanoa na Mídia). “Como a COP30 pode entregar um resultado ambicioso nos fluxos financeiros globais” (versão traduzida) traz que é necessário motivação política de alto nível para que os investidores coloquem dinheiro em uma transição resiliente ao clima.
Construindo pontes entre COP30 e COP31
A Talanoa já está costurando diálogos para a COP31, que deve ser realizada na Austrália em 2026. Na próxima terça-feira, 16 de setembro, às 7h (horário de Brasília), em parceria com Better Futures Austrália, UN Race to Zero & Climate Champions Team, o Instituto vai realizar um webinar internacional para debater como a Agenda de Ação da COP30 pode contribuir para moldar uma COP31 confiável, centrada na equidade e participativa. O evento será em inglês, totalmente online e gratuito. Inscrições no link.
Adaptation is Life: Ampliando o Financiamento para Adaptação rumo à COP30
Adaptação climática não é mais uma escolha, mas sim uma prioridade vital e um assunto de todos. Pensando nisso, a Dan Church Aid, o Instituto Talanoa e a Fundação das Nações Unidas vão realizar um evento em Nova York durante a Climate Week e a Assembleia Geral da ONU. Será discutida a importância crítica da adaptação para desenvolvimento, crescimento, estabilidade e equidade, bem como apresentado o perfil de vários novos mecanismos que estão sendo construídos para ampliar a adaptação e o financiamento para perdas e danos, a partir de uma variedade de líderes dos setores público e privado. O evento será realizado de forma híbrida (presencial e online) na terça-feira, 23 de setembro, das 8h às 10h no horário de Nova York (9h às 11h no Brasil). Para participar remotamente, se inscreva aqui. O público presencial vai se encontrar no endereço: Industrious – Nuveen 730 3rd Ave, Nova York, NY 10017 (entre as ruas 45 e 46).
Africa Climate Summit
A Segunda Cúpula de Clima da África – AC2S ocorreu poucos dias após o fim da Semana de Clima da África, também em Adis Abeba, na Etiópia. Voltada para os países africanos, o evento teve como tema principal o financiamento resiliente para o desenvolvimento sustentável da África.
A cúpula teve como resultado a “Declaração dos Chefes de Estado Africanos de Adis Abeba sobre as Mudanças Climáticas e Chamado à Ação”, na qual se reconhece que o aquecimento global tem avançado de forma mais rápida no continente, pese às reduzidas emissões históricas de gases do efeito estufa. Ainda, enfatiza que a adaptação é prioridade absoluta da África, ao passo que reafirma as necessidades de financiamento para adaptação climática na região: apenas US$ 14 bilhões anuais para adaptação foram destinados à África entre 2021 e 2022, enquanto as necessidades estimadas rondam a casa dos US$ 84 bilhões anuais.
Embora o financiamento para adaptação tenha sido temática central na Semana e na Cúpula do Clima, uma proposta plausível de decisão para a COP30 continua distante, já que Países Menos Desenvolvidos (LDCs) e o Grupo Africano de Negociadores (AGN) vêm divergindo sobre quantificar uma nova meta de financiamento.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 6 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que impactaram 18 municípios. O evento mais recorrente, assim como na semana passada, segue sendo Estiagem, com dois terços das ocorrências, todos na Região Nordeste, especialmente no estado da Bahia. A tipologia Tempestades vem logo em seguida, com casos nas Regiões Norte e Sul.
TALANOA POR AÍ
Nesta semana, a Talanoa apresentou um modelo de governança climática para o Brasil, com a proposta de criação de um Sistema Nacional do Clima. Marta Salomon, analista sênior da Talanoa e também membro da Câmara de Participação Social do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), discutiu a proposta durante o Seminário de Governança Climática em Brasília. A intenção é provocar um debate amplo e transversal para o amadurecimento do modelo, além de pavimentar de maneira colaborativa os melhores caminhos para implementar a governança climática que o Brasil precisa para avançar no cumprimento de suas metas climáticas.
A proposta em construção é fruto de uma parceria da Talanoa com a FGV e o professor Fernando Abrucio, uma das maiores autoridades no estudo de sistemas de políticas públicas do país, que mostrou detalhes do trabalho durante o encontro. A pesquisa originou uma coletânea de quatro volumes que aprofunda a discussão sobre o histórico e as inspirações para a governança do clima brasileira.
TALANOA NA MÍDIA
| Climate Home News | O especialista sênior da Talanoa Ben Abraham publicou o artigo “How COP30 could deliver an ambitious outcome on global finance flows”. |
| Poder 360 | Artigo sobre o Plano Clima cita texto da presidente da Talanoa, Natalie Unterstell, sobre o Plano Setorial de Energia. |
| O Tempo | Caio Victor Vieira, especialista em políticas climáticas da Talanoa, é entrevistado sobre os reflexos que teriam uma possível ausência dos EUA na COP30. |
| Revista Amazônica | A revista repercutiu o lançamento da coletânea sobre Governança Climática do Instituto Talanoa. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

