Contagem regressiva, consenso distante

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Presidência da COP30 realizou reunião com governadores em agosto e publicou três cartas no último mês. Foto: Rafael Medelima/Flickr

Agosto marcou a contagem regressiva dos 100 dias que faltam para a 30ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (COP30). O Brasil, na presidência designada da reunião, corre contra o tempo e as mais diversas pressões para garantir que todos os países membros se façam presentes em Belém, e com metas ambiciosas para o enfrentamento concreto da mudança climática. Dos 10 maiores emissores globais, apenas Brasil e Japão já submeteram as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) com metas para 2035. Os Estados Unidos também o fizeram, mas eram os derradeiros momentos da presidência de Joe Biden – agora uma realidade distante. O placar das NDCs pouco se mexeu em agosto: Barbados, Ilhas Salomão e Camboja depositaram seus documentos no mês passado. Até o momento, somente um quinto das Partes signatárias do Acordo de Paris cumpriu com a obrigação. O prazo para que a submissão possa ser incluída no Relatório Síntese de NDCs que será divulgado às vésperas da COP30 termina neste mês de setembro. 

O Brasil enfrenta seus percalços como anfitrião que tenta fazer da COP deste ano um marco de implementação enquanto se equilibra nos complexos arranjos domésticos, gerando um sem fim de contradições. Agosto deixou um exemplo muito claro que confirma esse diagnóstico: a corrida do Executivo para apresentar uma proposta de “contenção de danos” em relação ao que vem sendo chamado “novo marco” do licenciamento ambiental nacional. Aprovado na Câmara em julho, tal qual já havia acontecido no Senado em maio, a peça levou o governo a estabelecer dezenas de vetos, em um imbricado esforço de ajustes no projeto de lei, que em muitos pontos sequer consegue parar de pé, dado o arrepio de premissas básicas de qualquer atividade licenciadora: previsibilidade, controle estatal e resguardo à saúde pública e à vida em coletividade. Entendendo a dança no campo minado para a qual foi convidado, e talvez até aceitando perder os anéis em vez dos dedos, o Executivo, apesar dos vetos importantes e de eficácia temporária, decidiu endossar o nascimento de um Godzilla: um Licenciamento Ambiental Especial (LAE). 

Agosto se foi com o debate sobre o licenciamento ambiental em andamento,  mas com data-limite para um consenso entre Poderes: 8 de dezembro, último dia de vida possível para a Medida Provisória nº. 1.308, que deu vida à LAE, agora apartada do Projeto de Lei original.

Como se não bastassem as más notícias vindas do Congresso, em agosto, na Suíça, as negociações sobre o Tratado Global contra Poluição por Plásticos terminou sem acordo e a criação de um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre poluição plástica, inclusive no ambiente marinho, foi adiada novamente. 

Voltando ao Brasil, o respiro veio com a apresentação da Estratégia Transversal de Meios de Implementação (ETMI) do Plano Clima, que trouxe a clara mensagem de que não basta só se preocupar com as metas de mitigação e adaptação. É necessário garantir os instrumentos que tornem essas metas uma realidade presente no cotidiano do país. No mês passado, também foi encerrada a consulta pública dos planos setoriais de mitigação. Não há muitas esperanças de que as contribuições corrijam os rumos de algumas propostas, como a falta de sinais claros para uma transição para longe dos fósseis. 

No mês que passou, British Petroleum (BP), uma das gigantes de petróleo do mundo, anunciou ter descoberto, na costa brasileira, sua maior reserva de óleo nos últimos 25 anos. Para se ter uma ideia da proporção do que a BP encontrou, a nova piscina de petróleo na costa brasileira tem largura aproximada de 300 Km² – a área da cidade de Fortaleza! – e uma altura (profundidade) de 500 metros. Tudo isso a quase 6 Km abaixo do piso oceânico. 

Essa descoberta traz à tona um paradoxo científico: à medida que a Ciência progride e enfatiza que já não há mais espaço para mais carbono na atmosfera, sob pena de o planeta se tornar um lugar cada vez menos habitável, vem também da Ciência o alcance de condições tecnológicas descomunais para que petrolíferas sejam capazes de desenterrar petróleo a níveis de profundidade e pressão impensáveis 50 anos atrás.

E, em meio a esse desafio civilizacional, o licenciamento ambiental brasileiro nos indicará se a vida em coletividade caminha para um libera-geral que tornará mais difícil a nossa existência. Ou se fará, da nossa experiência por aqui, algo mais próximo do que um dia chamamos de humanidade.

Boa leitura!

Tá Lá no Gráfico

Durante o mês de agosto, nossa iniciativa Tá Lá no Gráfico foi da fazenda ao datacenter: concluímos a série especial sobre os planos setoriais que compõem o Plano Clima Mitigação, ao detalhar as metas previstas nas peças sobre Indústria, Conservação da Natureza e Agropecuária. Como não poderia deixar de ser, mergulhamos fundo para produzir uma análise visual sobre o grande tema do mês – Licenciamento Ambiental – e o que ele poderá vir a ser ainda neste ano. Tratamos ainda dos impactos da inteligência artificial no clima e fechamos com a esperança de que a COP30 seja o marco de inauguração do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, o chamado TFFF, uma das potenciais entregas da presidência brasileira sobre as quais o time da Política por Inteiro tem muita confiança de que se concretizará.

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Monitor de Atos Públicos

Foram captados 45 atos relevantes para a política climática brasileira em agosto. Mais uma vez, o tema dominante no mês foi Terras e Territórios, com 22 atos. Finanças apresentou 7 atos e na sequência o tema Outros, com 4 normas. 

A classe mais frequente do mês foi Regulação, com 26 atos, seguida de Planejamento, com 10, e em terceiro lugar a classe Resposta, com 6 normas. 

Nas agendas climáticas, Governança e Mitigação foram destaque neste mês, com 19 e 20 atos, respectivamente. Financiamento manteve a tendência dos últimos meses e Adaptação não teve nenhuma norma captada, uma queda em relação ao último trimestre.

Agendas

Governança 

Na agenda de Governança, o assunto do mês foi a promulgação da Lei Geral do Licenciamento, Lei Federal nº. 15.090, e seus desdobramentos. A Lei foi publicada com vetos e dividida em uma Medida Provisória e um novo Projeto de Lei, proposto pelo Poder Executivo, dessa vez com a chamada urgência constitucional, ou seja, com a obrigatoriedade de análise, pelo Congresso, em até 45 dias após recebido. A Política Por Inteiro analisou a fundo o tema aqui e aqui

Nos colegiados criados, o destaque foi o Grupo de Trabalho sobre Recuperação da Vegetação Nativa, Restauração Florestal e Produtiva – GT RESTAURA, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, além disso Casa Civil e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima colocaram adiante o Plano de Ação para o Fortalecimento da Gestão Socioambiental da BR-319. Além de uma Comissão, com 7 Ministérios, e um Comitê liderado pela Casa Civil, a norma estabelece que o “Plano BR-319” será embasado em ações de “governança socioambiental” tratadas como emergenciais, além de uma Avaliação Ambiental Estratégica sobre a rodovia, de modo a se ter claros os riscos e as medidas a tomar para gerenciá-los.

Na governança fundiária, foi criado o Programa +Justiça Socioambiental que foca no tratamento de conflitos fundiários, socioambientais e climáticos, ainda que não esteja claro qual o conceito de “conflito climático” adotado. A principal diretriz é ampliar o acesso ao sistema de justiça em territórios e populações vulneráveis. 

A Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais (CTD) tomou a decisão de destinar 171.920,25 ha ao MMA e ao MDA, para fins de desenvolvimento de estudos voltados ao reconhecimento e à regularização do uso e da ocupação de povos e comunidades tradicionais em áreas de florestas públicas federais. 

Em resposta à seca, e assim como já havia acontecido em julho de 2024 (Resolução ANA nº. 203/2024), os rios Juruá, Acre e Iaco – e, agora, o Purus – voltaram a entrar em situação crítica de escassez hídrica, no Norte do país. Esse enquadramento em situação crítica vem logo após 21 dos 22 municípios acreanos terem tido situação de emergência reconhecida pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, em 18 de agosto.

Mitigação 

Em agosto, o destaque da agenda de mitigação foi a demarcação administrativa de três Terras Indígenas, no estado do Ceará. Foram também reconhecidos Territórios Quilombolas e criados Projetos de Desenvolvimento Sustentável e Assentamentos Rurais. Uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) também foi criada neste mês, no estado do Rio de Janeiro. 

Além da agenda de ordenamento territorial, que ainda caminha em ritmo lento, o Programa Nacional de Estradas Rurais, do Mapa,  passou por uma revisão textual que inseriu a “adequação” das estradas rurais aos objetivos do programa, que já incluíam a “expansão e melhoria” destas estradas. A iniciativa, criada em fevereiro de 2025, precisa se manter no radar da agenda de mitigação, já que apresenta um potencial vetor de incremento de desmatamento, caso a expansão prevista para as estradas rurais não siga critérios socioambientais e climáticos robustos e transparentes. 

As políticas públicas de mitigação em curso também receberam um reforço orçamentário de R$48,5 milhões para o fortalecimento do combate a incêndios florestais no país, fortalecendo o PPCDAm na Amazônia e PPCDs nos demais biomas.

Adaptação 

Não foram captados atos na agenda de Adaptação no mês de agosto.

Financiamento 

Neste mês, a agenda de Financiamento focou em adequar regulações para contemplar novos programas de investimento e títulos verdes nas prioridades de investimento. 

Dentre as prioridades de investimento de Fundos Constitucionais, foram incluídos projetos alinhados ao Plano de Transformação Ecológica (PTE), Nova Indústria Brasil (NIB), ou que tenham recebido recursos do Programa EcoInvest Brasil. Trata-se de uma alteração de portaria regulamentadora, de 2023.

O Banco Central inseriu e conceituou, dentre os tipos de crédito externo reconhecidos pelo Brasil, os Títulos Verdes, Títulos Sociais, Títulos de Sustentabilidade e Títulos Vinculados a Metas de Sustentabilidade (Sustainability-Linked Bonds), emitidos por decisão do Brasil no mercado internacional. A norma alterou a Resolução BCB de 2022, que regulamenta a Lei Federal nº. 14.286/2021, sobre investimento estrangeiro no país.  

Em matéria de crédito suplementar, foram destinados R$ 315 milhões para gestão de riscos e desastres no país, a cargo do MIDR. Mais musculatura para a Defesa Civil.

Para além da política doméstica, Brasil e China concordaram em se envolver nas discussões sobre finanças climáticas, com o objetivo de fortalecer a coordenação e avançar em posições comuns e em trabalhar conjuntamente no “Círculo de Ministros das Finanças da COP30” para o Roteiro de Baku a Belém para USD 1,3 trilhão.

👎 DESTAQUES DO MÊS 👍

👎 DESTAQUES DO MÊS 👍

👎 Atravessou o samba!

  • Alertas ligados para a insistência do governo com a LAE, o Licenciamento Ambiental Especial, em Medida Provisória. Muito embora seja politicamente compreensível se tratar de uma concessão do Executivo que funciona como um aceno ao diálogo com o Legislativo, a figura da LAE, em termos técnicos e também de governança, não se justifica. Em termos técnicos, porque ela é basicamente um cheque em branco, cujas condicionantes, ainda que existam, não teriam força prática; em termos de governança, menos ainda, já que um conselho chapa-branca (que nem sequer vem funcionando), não é exatamente, digamos, o melhor lugar para que fundamentos técnicos que resguardem clima e saúde pública prosperem. Daqui até dezembro, o clamor social é essencial para forçar o Legislativo a rever posição. Caso contrário, se prevê mais trabalho à vista para o Supremo Tribunal Federal.

👍 Tá afinado! 

  • O passivo histórico ainda é imenso, mas os órgãos que integram o que a Política por Inteiro chama de tema Terras e Territórios têm funcionado. Provas disso em agosto foram três homologações administrativas de Terras Indígenas no estado do Ceará e a retomada do reconhecimento de Territórios Quilombolas. Até uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) foi criada neste mês.

BRASIL

Mais força para políticas estruturantes: uma portaria do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) determinou que Plano de Transformação Ecológica (PTE), Nova Indústria Brasil (NIB) e Programa EcoInvest Brasil devem estar dentre as prioridades de investimento dos Fundos Constitucionais. A nova portaria altera outra, de 2023. É um alinhamento que já podia ter ocorrido antes, mas que de toda forma deve ser considerado positivo, já que PTE, NIB e demais políticas que orbitam em torno delas (como o Mover e o Cidades Verdes Resilientes) são pró-clima desde o DNA.

Banco Central sinaliza alinhamento: uma resolução do Banco Central do Brasil (BCB) passa a inserir e a conceituar, dentre os tipos de crédito externo reconhecidos pelo Brasil, os (1) Títulos Verdes, (2) Títulos Sociais, (3) Títulos de Sustentabilidade e (4) Títulos Vinculados a Metas de Sustentabilidade (Sustainability-Linked Bonds), emitidos por decisão do Brasil no mercado internacional. A norma altera uma Resolução do próprio BCB, de 2022, que regulamenta lei federal que regula o investimento estrangeiro no país. A sinalização do BCB vai ao encontro do que a equipe econômica (Ministério da Fazenda e Secretaria do Tesouro Nacional) já vem fazendo desde 2023, quando lançou o arcabouço nacional para títulos soberanos sustentáveis e, meses depois, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), emitiu títulos verdes brasileiros pela primeira vez, arrecadando cerca de R$ 10 bilhões para o Fundo Clima. Embora publicada no dia 14 de agosto, a medida entra em vigor a partir de 1º de outubro.

Conselho também para Adaptação: o Governo brasileiro segue empenhado em colocar o tema de adaptação no centro do debate climático. No dia 5 de agosto, o presidente da COP30, Embaixador André Corrêa do Lago, anunciou a criação de um Conselho sobre adaptação climática. A ideia é aproximar, das tomadas de decisão governamentais, especialistas nas mais diferentes áreas que conversam com o tema de adaptação das cidades brasileiras à realidade climática, dada a complexidade do tema quando se consideram as inúmeras realidades locais.

MUNDO

Durante o mês de agosto, os destaques internacionais variaram em duas frentes: uma primeira mais factual, com a confirmação do que a Ciência não cansa de alertar: as temperaturas médias em diferentes partes do mundo vão batendo recordes sucessivos, como foram os casos de Espanha, Japão e Austrália, este último vendo esbranquiçar à morte sua Grande Barreira de Corais. Já a segunda frente é sobre diplomacia, com desdobramentos que ativam diferentes sentimentos: de esperança – como o endosso dos países panamazônicos ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), em gestação – à frustração, como com o melancólico desfecho das negociações para o tratado global de combate à poluição por plásticos, em Genebra, das quais a diplomacia brasileira teria participado sem o afinco esperado para evitar o desande da maionese.

Haja munheca: noutro flanco, o afinco da diplomacia brasileira tem se concentrado em mobilizar para o mutirão global à COP30. Foram três cartas da Presidência da COP somente em agosto. Antes de o mês começar, haviam circulado apenas quatro Cartas ao todo, entre março e julho. Dessa vez, elas tiveram focos mais setorizados: na quinta Carta, foco nas pessoas; na sexta, o olhar para os processos de negociação em si, com um apelo para a fluidez dos trabalhos em novembro, em Belém, e no “pós-Belém”; na sétima, a vez de falar direto com o setor privado. Fizemos análises específicas sobre as Cartas 5, 6 e 7 aqui, aqui e aqui, em ordem.

COP30 divulga temas-chave para cada um de seus dias: em agosto, ficamos sabendo oficialmente os temas a serem tratados dia por dia na Conferência do Clima da ONU, em novembro, em Belém. A presença do tema Adaptação nos dois primeiros dias da Conferência dá o tom brasileiro ao momento, já que o governo vem reiterando que adaptação é uma prioridade do mandato tupiniquim.

Tratado global de combate à poluição por plásticos: se brasileiros(as) da sociedade civil que estiveram em Genebra, em agosto, pudessem avaliar em uma só palavra o que foi visto sobre plásticos, decepção teria grandes chances de estar entre as respostas mais frequentes. O banimento dos plásticos, algo indispensável para o clima e para a saúde pública, ficou mais longe. Por exemplo, a defesa da voluntariedade de metas e da condicionalidade destas a financiamento prévio – em lugar de compromissos obrigatórios pró-banimento – voltou. Boa parte dessa estagnação (ou seria retrocesso?) pode ser explicada a partir de um olhar sobre a correlação de forças entre representantes do grande capital vis-à-vis representantes governamentais. E não só isso: uma análise sobre o lobby de grandes corporações demonstrou que alguns representantes de empresas figuravam como membros das próprias delegações de países, o que deixa ainda mais evidente que o buraco onde o multilateralismo se enfiou é mais embaixo.

MONITOR DE DESASTRES

Em agosto, o Monitor de Desastres captou 26 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 158 municípios. A Estiagem e a Tempestade disputaram de perto o primeiro lugar deste mês. A Região Nordeste segue sendo a mais impactada pela falta de chuvas, seguida pela Região Norte que concentrou os episódios de Seca, sobretudo no estado do Acre. As tempestades foram registradas, em sua maioria, no Sul do Brasil, com eventos mais pontuais em estados da Amazônia Legal, onde também ocorreram Inundações resultantes das chuvas intensas e cheias de rios no estado do Amazonas.

TÚNEL DO TEMPO

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Túnel do Tempo dessa vez faz uma viagem curtinha e nos leva à edição de agosto de 2024. Naquele mês, éramos envoltos naquele fumacê danado em todos os sentidos, incluindo o figurado, das notícias sobre o fogo em descontrole em todo o Brasil. Se naquela época o enevoado não ficava só no ar e também refletia incertezas sobre a origem, os autores e as motivações dos incêndios, hoje, exatamente um ano depois, as investigações parecem ter começado a levar o Brasil a respostas. Isso porque vieram à tona os primeiros resultados da Operação Carbono Oculto (veja só o nome…), que conecta empresas e bancos que operam no centro financeiro do país – a chamada Faria Lima – a atividades de lavagem de dinheiro mobilizadas pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC. 

Naquele agosto de 2024, imagens de satélite indicavam pontos simultâneos de calor, que, embora detectados em horários muito próximos, estavam a grandes distâncias entre si, o que reforçava o lógico: um movimento coordenado. Era a inviabilidade da narrativa de “um fogo natural que simplesmente se alastrou”. Agora, a operação, coordenada pela Receita Federal, identificou dois aspectos das ações criminosas que rebatem diretamente no clima. O primeiro deles é que o PCC estaria determinado a promover incêndios em imóveis rurais produtores de cana-de-açúcar, a fim de impor um prejuízo econômico tão grave aos canaviais, que os deixaria suscetíveis à venda dos imóveis (para o crime organizado), seja pela força das contas no vermelho ou simplesmente pelo medo. Com a proporção que esses incêndios tomaram, as contas do carbono e da manutenção da biodiversidade brasileiras também foram fortemente afetadas. Mas não é só isso. O segundo aspecto é que a própria adulteração do combustível em cerca de 1.000 postos de abastecimento – parte de um esquema mais amplo para lavar o dinheiro do tráfico – estaria ocorrendo a partir de grandes adições de metanol e nafta, compostos de origem fóssil e que derrubam qualquer capacidade de combustíveis como o etanol em emitir menos gases de efeito estufa à atmosfera. 

É razoável pensar que nem tudo o que acontece de ruim seja motivado por um único grupo, ou tenha uma só motivação. O angu sempre pode ter muito mais caroços do que podemos supor, e parece ainda haver muito a ser descoberto. Fato é que, com o que se sabe até agora, buscar efetividade de política climática é um exercício cada dia mais transversal e que suplica por uma visão sistêmica que nos torne capazes de enxergar e agir pelo todo. Enquanto as entrâncias e reentrâncias do sistema econômico vigente não forem reinventadas, metas climáticas estarão seriamente ameaçadas.

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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