(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)
Na próxima semana, as três câmaras consultivas do Comitê Interministerial sobre Mudança Climática (CIM) serão finalmente instaladas. Criadas por decreto no Dia do Meio Ambiente do ano passado, o processo de seleção de seus titulares e suplentes se alongou por mais de um ano. As Câmaras de Participação Social (CPS), Assessoramento Científico (CAC) e Articulação Interfederativa (CAI) ampliam a governança climática, aumentando a participação da sociedade civil, da academia e da ciência, e de entes subnacionais. Um avanço, é certo, porém tímido, dado o modelo consultivo e ainda não estruturado para resistir a mudanças de governo e capilarizar as políticas de clima em todos os níveis da federação.
Com a montagem do Plano Clima se encaminhando para conclusão ainda em 2025, o desafio de implementá-lo se atrela à construção de uma governança climática robusta no Brasil. Atributos como federalismo, transversalidade, cooperação tanto vertical quanto horizontal (o tal “multinível”), estabilidade, representatividade, saúde fiscal, efetividade devem ser incorporados em um sistema que, ao mesmo tempo que se inspira em modelos de outras áreas (como os da Saúde, da Educação e da Assistência Social), deve inovar. Pois, a mudança do clima representa um desafio singular cuja gravidade se acelera e as janelas de oportunidade para soluções se encurtam em caso de inação como em nenhum outro campo.
As câmaras consultivas deverão acompanhar a implementação do Plano Clima, contribuindo no monitoramento e na avaliação. Nesta semana, outra instância atrelada ao CIM – seu Subcomitê-Executivo (Subex) – aprovou os 16 Planos Setoriais de Adaptação. Os textos finais devem passar pelo Pleno de Ministros, formado por 23 ministérios e órgãos do Governo Federal, em outubro. Às vésperas da COP30, a um ano de uma nova eleição presidencial, o conjunto de planos norteadores do caminho para adaptar o país a um clima mais quente superará as fases de agenda, formulação e tomada de decisão do ciclo da política pública. É um esforço histórico. E é uma governança robusta que pode garantir que a engrenagem continue girando, seguindo pelas fases de implementação e avaliação.
O Instituto Talanoa é uma das organizações que compõem a CPS, com um assento titular e um reserva compartilhados com o Centro Brasil no Clima e a SOS Mata Atlântica. Contribuir para aprofundar a discussão e elaborar soluções para a construção de uma governança colaborativa multinível no Brasil é um dos objetivos de nossa participação nesse espaço. Além de essencial para implementar as políticas climáticas nacionais, tal avanço é fundamental para conectar as ações domésticas aos compromissos internacionais de forma coerente.
Na semana que passou, mais uma etapa do caminho a Belém foi cumprida com a Semana do Clima da África (ACW). Assim como no nível nacional, a palavra de ordem é implementação, que faz com que as discussões sobre financiamento permeiem os debates – da adaptação à transição justa. Espera-se que essa seja a tônica também de um dos pontos altos da agenda multilateral do ano: a 80ª Assembleia Geral da ONU e a Semana do Clima de Nova York, no fim do mês.
Por falar em fim de setembro, esse é o prazo para que os países apresentem suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) à Convenção do Clima (UNFCCC). As NDCs são instrumentos fundamentais para acompanhar a implementação e avaliar os esforços globais. Na tentativa de estimular as demais nações, o Brasil entregou a sua na COP passada. Porém, o cenário não está muito animador. Até agora, somente 15% das Partes submeteram seus documentos com as metas climáticas até 2035.
Faltam 65 dias para a COP30.
Boa leitura!
TÁ LÁ NO GRÁFICO
A Amazônia não é uma só. Ela é feita de múltiplas percepções e perspectivas. De floresta, gente, história, culturas, economias e territórios megadiversos. Para além do imaginário estereotipado que ganha o mundo há décadas, há muito de negligenciado quando se fala sobre a região. No Tá Lá no Gráfico da semana em que se comemora o Dia da Amazônia, colocamos em evidência o maior bioma brasileiro e trazemos dados e reflexões não apenas sobre a importância das Amazônias para a estabilidade climática do planeta, mas sobre o que é preciso priorizar para que elas se mantenham resilientes e ofertando dignidade para seus mais de 27 milhões de habitantes.
FRASE DA SEMANA
ABC DO CLIMA
Ponto de não-retorno: Do inglês “tipping point”, é um conceito que define o estágio avançado de degradação ambiental, no qual a capacidade de regeneração de um ecossistema se torna impossível e a perda das características originais é irreversível. A partir do ponto de não-retorno ocorrem alterações profundas na dinâmica das espécies, na disponibilidade dos recursos hídricos e nos serviços ecossistêmicos daquele ambiente.
No caso da Amazônia, o avanço do desmatamento e dos incêndios florestais, somados aos efeitos da mudança do clima, aceleram drasticamente a perda de vegetação. Isso dá início a um ciclo de degradação difícil de ser interrompido e que pode levar, gradativamente, ao colapso da floresta até 2050.
Ainda temos tempo de evitar o ponto de não-retorno da Floresta Amazônica, mas para isso é preciso garantir o desmatamento zero no bioma e dar escala para ações de restauração e regeneração florestal.
Consulta: https://www.nature.com/articles/s41586-023-06970-0 .
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
Nosso Monitor de Atos Públicos captou 16 atos relevantes para a política climática nesta semana. O tema mais frequente foi Terras e Territórios, com 9 atos. Já a classe mais recorrente foi Regulação, com 7 atos, seguida de perto por Planejamento, com 5 atos.
Caminhos da Biodiversidade
Nesta semana, o Ibama publicou as diretrizes iniciais para o Programa Nacional de Observação de Vida Silvestre de Base Comunitária. A iniciativa, também chamada de Caminhos da Biodiversidade, pretende conectar a conservação da biodiversidade e a geração de renda local, valorizando o conhecimento das comunidades tradicionais.
O programa traz uma intersecção com o turismo de base comunitária e com a educação ambiental. A ideia central é que estados e municípios criem seus Planos de Observação de Fauna Silvestre em Vida Livre, envolvendo lideranças territoriais na tomada de decisão. Parece um bom caminho para a articulação com os estados e municípios em torno de instrumentos com governança descentralizada, já que o Comitê Técnico Permanente terá seus membros indicados pelas superintendências nos Estados.
Além de fortalecer o engajamento subnacional, se bem implementado, o Caminhos da Biodiversidade tem potencial para contribuir significativamente com os objetivos estabelecidos para a biodiversidade brasileira na Estratégia Nacional de Adaptação.
Serviço Florestal apresenta compromissos para os próximos dois anos
O Serviço Florestal Brasileiro (SFB), autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), trouxe a público nesta semana sua Agenda Regulatória para o biênio setembro/2025–setembro/2027. O ato sinaliza os principais problemas regulatórios a enfrentar no período e as linhas de ação do órgão para superá-los. Um dos temas principais da Agenda diz respeito à bioeconomia, e se propõe a superar gargalos que tornam inviável a exploração sustentável do patrimônio ambiental madeireiro e não-madeireiro por povos e comunidades tradicionais, assim como assentados da reforma agrária. Trata-se de um desafio e tanto, já que, pelo menos na Amazônia Legal, conceitos como o de “Manejo Florestal Comunitário e Familiar (MFCF)”, até aqui, não vingaram em escala.
BRASIL
Bioeconomia entra em Consulta Pública
O texto-base do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio) foi apresentado nesta semana e colocado em consulta pública até o dia 4 de outubro. Essa é uma das entregas com que o governo federal se comprometeu, no início do mandato, em 2023. Com prazos já estourados, o Brasil agora busca apresentar o PNDBio pelo menos até a COP30. As contribuições da consulta serão analisadas por grupos técnicos vinculados à Comissão Nacional de Bioeconomia, que então referenda a versão final do Plano. A Comissão completa um ano de existência no próximo mês.
Sob nova direção
O Ministério de Minas e Energia (MME) nomeou João Daniel Cascalho como novo Secretário Nacional de Energia Elétrica. A escolha já era esperada desde que o então secretário Gentil Nogueira foi indicado para a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em agosto. Cascalho já trabalhava no MME, chefiando a Assessoria Especial de Assuntos Técnicos, e possui experiência em órgãos como a Casa Civil, a Secretaria de Governo da Presidência da República e o Operador Nacional do Sistema Elétrico.
A Secretaria Nacional de Energia Elétrica é responsável por garantir a segurança e a continuidade do fornecimento de energia no país. Suas funções incluem formular e avaliar políticas públicas para geração, transmissão e distribuição, regular tarifas, incentivar novas tecnologias e promover o uso universal da eletricidade. Também coordena programas de eficiência energética, leilões de energia, intercâmbios com países vizinhos e fornece subsídios técnicos para o planejamento energético. Ela possui, portanto, papel fundamental para a transição energética porque atua junto à Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento para estruturar as soluções sistêmicas e os incentivos de mercado necessários para acelerá-la ou retardá-la.
Goiás e minerais críticos
O governo de Goiás sancionou Lei que institui a Autoridade Estadual de Minerais Críticos e cria o Fundo Estadual de Desenvolvimento do setor, com o objetivo de atrair investimentos e consolidar a gestão de recursos estratégicos como as terras raras. A proposta, inspirada em modelos internacionais, promete inovação tecnológica, capacitação de mão de obra e fortalecimento da indústria local.
Apesar do apoio político, o texto legal carece de diretrizes concretas para agregar valor à cadeia produtiva, limitando-se a menções genéricas à inovação. Sem planejamento estratégico, a exploração pode reforçar o papel de exportador de matéria-prima, com remessa de lucros ao exterior e riscos de colapso econômico quando os depósitos se esgotarem.
Outro ponto crítico é a ausência de salvaguardas socioambientais, já que não há previsão de mecanismos de proteção ambiental ou participação das comunidades afetadas. Assim, Goiás repete um padrão histórico de dependência e descapitalização, com impactos ambientais e sociais duradouros.
MUNDO
Semana de Clima da África
A Semana do Clima da África, em Addis Abeba, capital da Etiópia, foi o segundo evento regional mandatado pelo Secretariado da UNFCCC em 2025, após a Semana do Panamá, realizada em maio.
Neste ano, as Semanas do Clima assumiram um caráter menos “regional” e mais global, com foco na implementação. Esse foi o tom que permeou as discussões do Fórum de Implementação e os debates sobre os temas mais contenciosos e decisivos rumo à COP 30, como o Objetivo Global de Adaptação (GGA) e o financiamento climático. Ao longo da semana, as delegações nacionais se reuniram para buscar avanços nas negociações e encontrar caminhos para superar possíveis impasses na COP 30.
A equipe do Instituto Talanoa esteve presente acompanhando as discussões sobre adaptação, financiamento e transição energética. Com a implementação como fio condutor dos painéis, o financiamento climático apareceu em todos eles como eixo central e condição fundamental para desbloquear agendas e assegurar que acordos e metas se traduzam em realidade. Entre as pautas que estiveram na mesa, a proposta de uma nova meta de financiamento para adaptação, defendida pelo grupo dos Países Menos Desenvolvidos (LDCs, na sigla em inglês) e as modalidades do Baku Adaptation Roadmap, tema que voltará a ser discutido em Belém, foram debatidas entre Partes e observadores.
O Quarto Diálogo do Programa de Trabalho sobre Transição Justa foi organizado em conformidade com decisões procedimentais, que determinam a realização de pelo menos dois diálogos por ano. O foco dessa quarta oportunidade se deu sobre “Caminhos para uma transição energética justa e abordagens holísticas para transições justas, incluindo dimensões socioeconômicas, de força de trabalho, proteção social e outras, com base nas prioridades de desenvolvimento definidas nacionalmente”.
As contribuições de Partes, observadores e outros interessados sobre oportunidades, boas práticas, soluções, desafios e barreiras relacionadas ao tema foram discutidas de maneira conjunta. Desta forma, espera-se que as dificuldades identificadas e os efeitos positivos observados na transição para uma economia de baixo carbono forneçam subsídios intelectuais e facilitem acordos sobre os textos negociados no âmbito do Programa de Trabalho sobre Transição Justa no final do ano, na COP 30 de Belém.
Na próxima semana, Adis Abeba também sediará o Africa Climate Summit (AC2S), reunindo negociadores, sociedade civil e setor privado com o tema “Financiamento para o Desenvolvimento Verde e Resiliente da África”. Espera-se que a realização de eventos de alto nível em países em desenvolvimento contribua para oxigenar o multilateralismo e impulsionar uma nova ambição climática, enraizada nas realidades do Sul Global.
Brasil solicita entrada na Agência Internacional de Energia como membro pleno
O Brasil enviou uma carta oficial à Agência Internacional de Energia (IEA) pedindo para se tornar membro pleno, em nome do chanceler Mauro Vieira e do ministro Alexandre Silveira. No documento, o governo agradece a parceria de anos com a agência em áreas como segurança energética, dados e análise de políticas, destacando que o país é exportador de petróleo, possui uma matriz diversificada e liderança crescente em fontes limpas e renováveis. O diretor da IEA, Fatih Birol, celebrou o pedido e afirmou que o Brasil já é peça central no sistema energético global. Maior país da América Latina, com mais de 210 milhões de habitantes, o Brasil busca fortalecer sua posição internacional em energia e clima, especialmente por sua presidência da COP30, após já ter integrado a “família IEA” desde 2017 como país associado.
O Brasil também ingressou recentemente na Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (OPEP+) como membro associado e, após liderar as cúpulas do G20 e dos BRICS, retomou sua “diplomacia universalista”, inserindo-se em diferentes instituições para defender seus interesses e difundir suas preferências, como no caso dos biocombustíveis.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 6 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que impactaram 24 municípios. O evento mais recorrente foi Estiagem, com metade das ocorrências, grande parte na Região Nordeste. A Seca vem logo em seguida, com casos no Rio Grande do Norte e também em Minas Gerais.
No Norte, o “chacoalhão climático” que o Acre vem sofrendo levou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) a declarar oficialmente situação de emergência num trecho de 73 Km da BR-364, em função do “quadro grave e progressivo de degradação”, com “risco concreto de ruptura”. No Boletim Semanal #255, de quinze dias atrás, trouxemos a situação crítica que o estado atravessa.
Também sobre o Norte: uma Medida Provisória determinou a abertura de crédito extraordinário de R$ 13 milhões, voltado para a distribuição de alimentos a famílias em insegurança alimentar e nutricional por conta de situações de emergência ou calamidade pública.
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA POR AÍ
Na Semana do Clima da África (ACW 2025), o Instituto Talanoa organizou, em parceria com E3G e iCS, um diálogo de alto nível sobre financiamento da adaptação. A presidente Natalie Unterstell e os especialistas Rayandra Araújo e Benjamin Abraham participaram das discussões com representantes da Presidência da COP30, países desenvolvidos e países em desenvolvimento. A iniciativa faz parte da campanha para escalar o financiamento para adaptação na COP30, identificando oportunidades para novos anúncios de financiamento para adaptação por parte de países tradicionalmente doadores. Esperam-se que tais anúncios possam servir como alavanca política para entregar um resultado previsível, transparente e duradouro para o tema em Belém – o que é fundamental para construir capacidades nacionais de resiliência no mundo em desenvolvimento e proteger os mais vulneráveis aos impactos climáticos.
A ACW também foi a oportunidade de reunir membros da Força-Tarefa Adaptação como Prioridade, rede de organizações da América Latina co-coordenada pela Talanoa. O grupo acompanhou as consultas na Etiópia e fez intervenções em discussões da agenda de adaptação climática, como indicadores para adaptação e Baku Adaptation Roadmap.
Já segue a Talanoa no Instagram? Na semana que passou, lançamos por lá um vídeo institucional mostrando quem faz a Talanoa. Nossa equipe deu as caras para lembrar da nossa missão. Confira e aproveite para confirmar o follow.
TALANOA NA MÍDIA
| EXAME | Natalie Unterstell, presidente da Talanoa, falou à Exame sobre “ampliar vozes” na Semana do Clima da África. |
| Folha de S. Paulo | Marta Salomon, especialista sênior da Talanoa, disse à Folha que o Plano Clima poderia ser mais ambicioso em outros setores, além do combate ao desmatamento. |
| IstoÉ | Reportagem sobre a Semana do Clima da África, com fala de Rayandra Araújo, especialista da Talanoa. |
| O Eco | Natalie Unterstell e Marina Helou escreveram o artigo “COP30 no Brasil. E eu com isso?”, publicado no site. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO
