(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)
Pontos principais:
- A 62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários (SB62) em Bonn mostrou que o financiamento para adaptação corre o risco de se tornar um grande problema na COP30, com sinais de dinâmicas negativas da Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG) emergindo.
- Avanços significativos em financiamento nas COPs anteriores exigiram o engajamento ativo da Presidência.
- O Brasil deve promover ativamente uma narrativa ambiciosa sobre financiamento para adaptação que apresente os papéis das diferentes Partes e fontes de financiamento como complementares e adicionais, e não opostas.
- O Brasil pode gerar impulso político para destravar as negociações ao garantir anúncios de financiamento para adaptação por parte de países desenvolvidos que já estão na hora de renovar seus compromissos financeiros climáticos.
Na SB62, adaptação estava claramente no centro das atenções. A terceira carta da Presidência da COP30 reforçou que as Partes precisavam chegar a um acordo sobre as orientações para o aperfeiçoamento dos indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA). No entanto, não estava claro qual seria exatamente o papel do financiamento para adaptação nesse contexto. Essa dúvida foi rapidamente esclarecida, com a adaptação emergindo como um tema central na agenda formal de financiamento, e o financiamento tornando-se um ponto de impasse em negociações sobre adaptação. O drama dos Chefes de Delegação negociando orientações para os indicadores financeiros da GGA até tarde na última noite é uma imagem marcante da SB 62, que provavelmente definirá o tom do que está por vir na COP30.
Adaptação: um novo foco financeiro com mesmos velhos problemas
Embora 2025 traga um novo foco sobre adaptação, as questões relativas ao financiamento para adaptação lembraram, de forma desconfortável, as negociações da NCQG. Em particular, as Partes ficaram travadas em discordâncias sobre como referenciar as fontes, os contribuintes e os instrumentos de financiamento para adaptação.
Nas negociações sobre os Planos Nacionais de Adaptação (NAPs), as Partes permaneceram em impasse quanto à forma de mencionar o apoio financeiro e técnico, bem como sobre as responsabilidades dos países desenvolvidos em comparação com as demais Partes.
Em relação ao Objetivo Global de Adaptação (GGA), as Partes tiveram dificuldades para chegar a uma orientação sobre o aperfeiçoamento dos indicadores financeiros que não ultrapassasse as “linhas vermelhas” de cada grupo. Para a União Europeia e os países do chamado Grupo Guarda-Chuva (“Umbrella”), essa linha vermelha parece ser a introdução de responsabilidades diferenciadas entre Partes na GGA, uma vez que o próprio Artigo 7 do Acordo de Paris não as estabelece. Esses países também exigem atenção ao papel de fontes de financiamento para adaptação que não estejam já previstas no Artigo 9.
Já o G77+China, por sua vez, exigiu foco na provisão de financiamento por países desenvolvidos e rejeitou menções ao financiamento público doméstico, alegando que isso poderia enfraquecer a responsabilização dos países desenvolvidos. Uma proposta do Grupo SUR para uma nova meta coletiva de financiamento para adaptação também foi incluída na nota informal, um tema que provavelmente será bastante controverso na COP30.
A provisão de financiamento é essencial para a adaptação, sendo relativamente mais difícil mobilizar financiamento privado para esse fim. Preocupações com os compromissos de financiamento por parte dos países desenvolvidos alimentaram os debates sobre a inclusão do Artigo 9.1 do Acordo de Paris na agenda em Bonn. As negociações sobre o Fundo de Adaptação estagnaram por uma questão ligada a isso: a possível atualização da terminologia e classificação dos países e membros do Conselho, à medida que o Fundo passa a operar exclusivamente sob o Acordo de Paris.
O único ponto positivo para o financiamento da adaptação na SB 62 ocorreu durante o workshop do Diálogo de Sharm el-Sheikh, com foco no Artigo 2.1(c) do Acordo de Paris. O workshop destacou fortemente a adaptação, e as Partes demonstraram amplo apoio à manutenção desse foco enquanto se preparam para negociar o futuro trabalho da CMA sobre o alinhamento das finanças globais com o desenvolvimento de baixo carbono e resiliente ao clima.
No conjunto, no entanto, os sinais de alerta sobre o financiamento da adaptação parecem estar piscando para a Presidência da COP30. Por isso, as partes quase não conseguiram sair de Bonn com um resultado mínimo para o GGA. Se o Brasil não for cuidadoso, poderá acabar em Belém com uma negociação ao estilo da NCQG – algo que qualquer um que busca ambição climática deve evitar.
Antecipando-se ao jogo: por que os resultados sobre financiamento não podem ser deixados para a última hora
As COPs recentes mostraram que avanços construtivos em questões fundamentais de financiamento exigem impulso político e liderança precoce da Presidência nas negociações. O mesmo provavelmente se aplica ao financiamento para adaptação na COP30.
Diferentemente de outros temas, como adaptação ou mitigação, as negociações sobre financiamento no âmbito da UNFCCC são singularmente conflituosas devido à forte diferenciação das responsabilidades legais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Isso é agravado por sensibilidades relacionadas a circunstâncias especiais e pelo enorme desafio que muitos países desenvolvidos enfrentam para financiar suas próprias estratégias climáticas. Superar essas divisões genuinamente não é tarefa fácil, especialmente após três anos de deliberações sobre a NCQG, nos quais as Partes se retraíram ainda mais em suas posições, em vez de buscar convergência.
Avanços em matéria de financiamento frequentemente exigiram forte liderança do topo. Na COP26, o Reino Unido, como Presidência entrante, realizou uma defesa incansável tanto de novas NDCs quanto de compromissos financeiros climáticos – e conseguiu ambos. O resultado do “dobro do financiamento” para adaptação foi uma inserção ativa da Presidência e só foi possível porque compromissos financeiros plurianuais já haviam sido assegurados. Na COP28, os Emirados Árabes Unidos tiveram que se envolver ativamente nas negociações do Balanço Global (Global Stocktake) para encontrar um equilíbrio aceitável entre prioridades financeiras concorrentes.
Na COP29, porém, vimos uma história diferente. Sua Presidência deliberadamente se manteve afastada das negociações sobre a NCQG até o último momento. Quando finalmente tentou impulsionar um resultado, a janela de oportunidade já havia se estreitado e a confiança estava quase esgotada. A ambição já estava fora da mesa.
Embora as questões logísticas permaneçam como um desafio, o Brasil ainda conta com a confiança das Partes quanto à sua capacidade de conduzir as negociações da COP30. A tarefa em Belém será diferente das de Dubai ou Baku, pois o financiamento para adaptação não faz parte de uma ampla decisão como foi o GST nem é um item único como o caso da NCQG. No entanto, a principal lição continua válida: o Brasil precisa entrar e moldar ativamente a discussão sobre financiamento enquanto ainda há espaço para um pacote ambicioso de adaptação.
Oportunidades: como a Presidência da COP30 pode preparar o terreno para um resultado ambicioso, porém equilibrado, sobre financiamento para adaptação em Belém
Após intervir nas etapas finais da SB62 para garantir a conclusão da GGA, o cenário agora está montado para que o Brasil assuma um papel mais ativo na definição do tom das negociações. Por meio de suas cartas da Presidência e declarações públicas, o Brasil deve promover uma narrativa que articule um conjunto de resultados ambiciosos, porém equilibrados, sobre o financiamento para adaptação na COP30.
Essa narrativa deve ser firme quanto às responsabilidades legais dos países desenvolvidos de prover financiamento para adaptação, mas também ambiciosa ao incentivar contribuições voluntárias de outros países ricos e com altas emissões. Deve enfatizar o papel central dos subsídios e do financiamento público altamente concessional, ao mesmo tempo em que destaca oportunidades para o setor privado escalar investimentos em adaptação alinhados com os NAPs (Planos de Ação Nacionais) e as NDCs. A importância dos investimentos públicos domésticos em resiliência deve ser evidenciada, ao mesmo tempo que se reforça a necessidade de alívio da dívida e de maior espaço fiscal. A narrativa pode apoiar a criação de ambientes políticos favoráveis ao investimento, rejeitando firmemente a imposição de novas condicionalidades de financiamento.
Em resumo, esses diferentes caminhos para o financiamento da adaptação podem ser complementares, e não opostos. Público e privado, doméstico e internacional: esses qualificadores devem somar esforços e construir ambição para o financiamento da adaptação, em vez de serem usados para apontar culpados ou desviar responsabilidades.
O Brasil deve começar a contar essa história por meio de suas declarações públicas e cartas da Presidência. A apresentação do Roteiro de Baku a Belém será então um momento crucial para incorporar essa narrativa em um resultado oficial da COP30. Bem articulada, essa abordagem pode preparar o terreno para que os negociadores encontrem uma linguagem que supere os impasses vivenciados na SB 62.
Mas boas palavras não serão suficientes sem impulso político por trás delas. Para isso, a Presidência da COP30 deve voltar-se aos muitos países desenvolvidos cujos compromissos financeiros climáticos plurianuais expiram em 2025 ou início de 2026. Embora os cortes recentes na AOD (ajuda oficial ao desenvolvimento) tenham reduzido o espaço fiscal no curto prazo, ainda há uma oportunidade concreta de defender a continuidade da priorização da agenda climática, especialmente da adaptação.
Países como Reino Unido, Canadá, França, Irlanda, Suécia, Austrália e Nova Zelândia devem ser incentivados a atualizar seus compromissos de financiamento climático antes da COP30, incluindo metas específicas para adaptação. Esses países já têm atualizações pendentes e priorizaram a adaptação em compromissos anteriores.
Devem também ser buscadas contribuições específicas para o Fundo de Adaptação, a fim de garantir a continuidade dos programas até que a participação nas receitas relacionadas ao Artigo 6.4 esteja disponível no próximo ano. Mesmo que o volume dos compromissos seja reduzido no atual contexto geopolítico, renová-los com o financiamento para adaptação será essencial para reconstruir a confiança e garantir um nível mínimo de previsibilidade no apoio aos países em desenvolvimento.
Conclusão: O financiamento tem sido um entrave à adaptação, mas o Brasil pode destravar o processo.
A adaptação será um dos temas centrais da COP30, e o sucesso dependerá de destravar as negociações sobre financiamento para adaptação. No entanto, a NCQG mostrou que as Partes não construirão pontes rumo à ambição no tema do financiamento se forem deixadas por conta própria. O Brasil tem a oportunidade de fortalecer o papel que começou a assumir na SB62 e exercer liderança sobre essa questão vital. Se agir com antecedência e promover uma narrativa inclusiva e ambiciosa sobre financiamento, poderá ampliar a janela de oportunidades rumo à ambição. Com um ambicioso caminho a seguir e um esforço coordenado para garantir a renovação dos compromissos financeiros, o Brasil poderá gerar o impulso político necessário para transformar essas oportunidades em realidade.