(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Se você acompanha o trabalho da Política por Inteiro, já deve ter se acostumado a ler um de nossos “mantras”: o de que, sem perder tempo, uma política climática nacional precisa existir. Acontece que, sejam quais forem sua substância e grau de ambição, para ela dar certo, outros verbos também precisam ser conjugados ao mesmo tempo: escutar, articular, integrar, participar, compartilhar, decidir conjuntamente. E é isso que está sobre a mesa quando falamos de governança climática.
Governança é sobre a estrutura e o processo a partir dos quais uma política pública fica de pé e se mantém sustentada (e operante!) ao longo do tempo. É elemento essencial não apenas para uma política climática, mas para quaisquer soluções públicas que envolvam questões complexas, que jamais poderiam se resolver com autoridades dizendo que a saída é “rever tudo isso que tá aí”. Por envolver múltiplos e imbricados fatores ao mesmo tempo, com sensibilidades políticas, técnicas, executivas e de coordenação, precisam se desenvolver e resistir a tempos muito mais longos que os dos mandatos governamentais, evitando fragilidades e engasgos característicos de elaborações dependentes dos ventos político-partidários que sopram a cada dois anos, no Brasil.
Dessa forma, governança climática não diz o que, mas como, em que condições e com quais atores, níveis e formas de colaboração uma política climática nacional deve caminhar.
O Instituto Talanoa vem, há alguns meses, buscando desenvolver uma proposta de governança climática colaborativa para o Brasil em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os produtos, agora em fase final de concepção, e que em breve serão de domínio público, decorrem de estudos e debates internos que têm indicado que o Brasil não só reúne condições – por todo o aprendizado de décadas na formulação de Sistemas Nacionais em temas da vida pública – como também já sabe conduzir políticas públicas “menos federais e mais federativas”, em que União, Estados e municípios jogam azeitados para boas entregas públicas (que o diga o SUS!). Além disso, o Brasil também já exibe traquejos para políticas menos “estadocêntricas”, em que setor privado, academia e sociedade civil participam ativamente. Ser federativo pra valer, multinível e colaborativo em todas as dimensões são atributos essenciais para que trajetórias de descarbonização e adaptação possam ser trilhadas com consistência em um país diverso, desigual e de dinâmicas singulares.
Em nossos estudos e conversas, vem se desenhando uma lógica em que a Autoridade Climática Nacional precisa (sim!) existir, com legitimidade, representatividade e balizamento científico suficientes para que a política de clima no Brasil conte com uma figura legítima, da qual participam os mais diferentes segmentos nas decisões a serem tomadas pelo país nos próximos anos. Buscando elementos da vida real brasileira, uma autoridade climática se assemelharia ao papel que hoje desempenha o Banco Central do Brasil para a economia: uma figura legítima, com autonomia e independência, que evita decisões monocráticas (vide o Comitê de Política Monetária – COPOM, e seus nove assentos), e deve tomar, via de regra, deliberações mirando o futuro do país, sem que isso signifique deixar de analisar a conjuntura presente. Nessa linha, a autoridade climática teria uma âncora representativa e balizada na melhor ciência disponível, um Comitê Técnico Permanente – algo como um “COPOM do Clima” –, tornando-se, assim, a peça que falta para a institucionalidade brasileira se proteger de aventuras ideológicas que insistam em colocar o Brasil lá atrás, no século XX.
Estivéssemos nós tendo essa conversa em 2023, no primeiro ano do governo Lula, a discussão sobre governança climática já não teria lá todo o tempo do mundo. Agora, em 2025, menos ainda. Mas aí alguém poderia perguntar: “certo, mas então por que esse debate não veio à tona lá, no início?” Aí é que está: ele veio. Autoridade climática e conselho nacional, por exemplo, são tópicos que vão e vêm no debate público. No entanto, até agora, falta definição sobre os contornos definitivos de uma estrutura de governança pelo clima. Assim, é para colaborar com essa decisão vital para o país que nossa “proposta de governança colaborativa pela política climática do Brasil” foi tema de debate nesta semana, em São Paulo (vide a seção Talanoa por Aí, a seguir).
Apesar de todo o afinco do governo anterior em fazer desmoronar as bases para uma agenda climática nacional, a Política por Inteiro acredita que chegou a hora de a institucionalidade parcialmente “recuperada” em quase 30 meses de governo Lula tenha agora contornos mais sólidos. Vale lembrar que, até o final de 2025, os principais compromissos do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), estabelecidos em setembro de 2023, deverão se concretizar. As “irmãs” Adaptação e Mitigação estão caminhando, uma com planos setoriais em consulta, outra com a Estratégia Nacional na praça; o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) passou oficialmente a existir e agora trilha sua jornada desafiante de regulamentação; a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), de 2009, por sua vez, também ruma para sua atualização (oxalá que o Congresso entenda sua responsabilidade). Falta, assim, a governança.
Antes, já não tínhamos tempo a perder. Agora, a menos de 20 meses de novas Eleições nacionais, menos ainda. Construir a institucionalidade atual levou tempo, e quem acompanha Brasília sabe que não é fácil gerar engajamento e compromisso de mais de duas dezenas de ministérios dentro de um único mandato governamental. Por isso, agora o Estado brasileiro (e não meramente um governo) tem diante de si a chance de não só proteger o fôlego institucional que vem sendo conquistado até aqui, como de ampliar e fortalecer as estruturas e processos que darão ao clima – efetivamente – um papel central na estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo.
Não é questão de não ter conflito na condução de política pública. É uma abordagem que, para além dos conflitos, consiga pensar, executar e, se necessário, ajustar política pública, porém, fazendo a múltiplas mãos. Daí o porquê de não ser qualquer governança, mas uma governança colaborativa, em que municípios e estados são protagonistas e estejam tão motivados quanto o governo federal.
Só uma pactuação geral pelo clima – esse sim, o “grande acordo nacional” de que precisamos, seja à esquerda, à direita ou ao centro – pode levar o Brasil a liderar pelo exemplo, sem jogar fora as expectativas do mundo sobre nosso país.
Chegou a hora.
Boa leitura!
TÁ LÁ NO GRÁFICO
O futuro é ancestral. A cada avanço na discussão climática, maior a certeza da relevância dos saberes e práticas dos povos originários no enfrentamento da crise. Geridas por meio de uma forte conexão com a natureza, as Terras Indígenas têm papel importante na conservação das florestas e de sua biodiversidade, enquanto os povos deixam inspirações de resiliência e adaptação. Na semana em que se comemora o Dia dos Povos Indígenas (19), com recente realização do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, o Tá Lá no Gráfico traz dados que confirmam o papel indígena nas agendas de mitigação e adaptação, além de recuperar o histórico de lutas e vitórias na agenda indigenista do Brasil.
FRASE DA SEMANA
“Política ambiental é o ponto de partida, mas não o ponto de chegada. Política climática transcende. Ambiente deve ser lido como plano de fundo.”

Fernando Abrucio, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no evento em que apresentou, juntamente com a Talanoa, uma Proposta de Governança Colaborativa para a Política Climática no Brasil.
(Foto: Renato Tanigawa/Instituto Talanoa).
ABC DO CLIMA
Círculos de Lideranças da COP: é uma iniciativa da Presidência da COP 30 que tem como objetivo avançar na implementação do Acordo de Paris, por meio do espírito do mutirão. Esse espaço aglutina diversas vozes e lideranças para elevar a ação climática, por meio de quatro círculos: o Círculo de Ministros das Finanças, liderado pelo Ministério da Fazenda brasileiro; o Círculo dos Povos, liderado pelo Ministério dos Povos Indígenas e por instâncias representativas de povos e comunidades tradicionais; o Balanço Ético Global, liderado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; e, por fim, o Círculo de Presidentes da COP, que unirá os 10 últimos presidentes das Conferências e será liderado pelo ex-ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, que presidiu a COP21. Cada círculo atuará até a COP 30 de forma independente e paralela às negociações.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
Apesar da semana mais curta, o Monitor de Atos Públicos captou 13 atos relevantes para a política climática. Alguns temas tiveram distribuição homogênea: Institucional, Florestas e Vegetação Nativa, Infraestrutura, Energia e Terras e Territórios apresentaram 2 atos cada, fugindo do padrão que determina o tema mais frequente. Já a classe mais captada foi Planejamento, com 7 normas.
Adaptação no Propag
Nesta semana, um decreto regulamentou a Lei Complementar nº 212, de 13 de janeiro de 2025, que instituiu o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados – Propag. A nova política de renegociação das dívidas estaduais com a União oferece juros mais baixos aos estados e permite o parcelamento em até 30 anos. A novidade impacta positivamente a agenda do clima, já que em contrapartida aos benefícios do Programa, os estados devem investir entre 0,5% a 2% do saldo devedor em algumas ações definidas, entre elas iniciativas voltadas à adaptação climática. Além disso, os estados que não possuem dívidas com a União também podem aderir ao Propag, a fim de acessar recursos do Fundo de Equalização Federativa – FEF, que direciona os investimentos em ações que incluem adaptação à mudança do clima.
Transição Energética e Sociedade Civil
Foi publicado o resultado do Processo Seletivo Público para seleção dos representantes da sociedade civil para composição do Plenário do Fórum Nacional de Transição Energética – Plenário Fonte, para o biênio 2025/2026. No Subsegmento das Organizações da Sociedade Civil (OSC) as escolhidas foram: WWF – Brasil; Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA); Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Observatório da Mineração, Instituto Internacional ARAYARA, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e Instituto E+ Transição Energética.
Mover regulamentado
O Programa Mobilidade Verde e Inovação, criado em junho de 2024, teve sua regulamentação publicada. Entre os requisitos obrigatórios para os veículos comercializados no país e importados, constam critérios de eficiência energética, reciclabilidade veicular e metas de redução de emissão de CO2, da produção ao uso do veículo. A norma também define compromissos de transparência e fiscalização para as montadoras e importadoras. Os novos parâmetros começam a valer em junho de 2025.
MONITOR DE DESASTRES
Assim como na semana anterior, o Monitor de Desastres captou 10 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos. No entanto, os eventos climáticos foram mais abrangentes e alcançaram 68 municípios, contra 42 da semana passada. O evento Estiagem foi predominante, respondendo, sozinho, por 2/3 do total de ocorrências. A poucos dias de completar um ano do início das chuvas intensas que marcaram a história do Rio Grande do Sul, agora a população sofre no outro extremo: estiagem e seca. Esse “chacoalhão climático” vai minando a qualidade de vida, os negócios e o desenvolvimento econômico no Sul. Por esse e por outros motivos, é fundamental que gestores públicos compreendam a importância de investimentos progressivos e contínuos em adaptação climática.
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA POR AÍ
A Talanoa reuniu em São Paulo atores governamentais, sociedade civil e academia para debater a proposta de um modelo de Governança Climática para o Brasil. Fruto de estudos realizados em parceria com a FGV, o encontro abordou os principais desafios do sistema de políticas climáticas brasileiro, da diversidade territorial às demandas por intersetorialidade e transversalidade que são próprias da agenda do clima.
O professor Fernando Abrucio, que coordenou a pesquisa pelo Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da FGV, apresentou as características do modelo construído com a Talanoa, defendendo diálogo e articulação como fundamentos de uma governança colaborativa e multinível, que considere as especificidades territoriais e envolva a aliança tripartite. Atualmente, as ações são muito concentradas no poder federal e carentes de coordenação. “Após esse evento fica uma imagem na cabeça, que é a de um corpo cujo esqueleto ainda não tem muita musculatura para andar; talvez os ossos precisem ser colocados no lugar para tomar forma. Acho que essa ilustração ajuda a descrever a atual política climática do Brasil, que tem alguns elementos, mas ainda precisa se desenvolver para caminhar com firmeza”, resumiu a presidente da Talanoa, Natalie Unterstell.
Com cerca de 100 ouvintes ao longo de um dia inteiro de debates, participaram do painel de discussões Daniel Miranda (Frente Nacional dos Prefeitos); Elaine Lício, (CIM/MMA), André Nogueira da Silva (Conselho da Federação) e Victor Anequini (Centro Brasil no Clima).
Os relatórios de pesquisa darão origem a publicações que serão disponibilizadas no portal da Política por Inteiro.
Já em Brasília, o Instituto Talanoa foi convidado a facilitar um momento do Módulo sobre adaptação climática do Programa Kuntari Katu, uma iniciativa do Ministério dos Povos Indígenas – MPI com o Instituto Rio Branco. O programa tem como objetivo capacitar lideranças indígenas como negociadores internacionais para a COP 30.

TALANOA NA MÍDIA
O Estado de S. Paulo | Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a presidente da Talanoa falou sobre a incompatibilidade entre expansão da exploração de petróleo e transição energética no Brasil; além de alertar sobre a necessidade de investimentos em adaptação para sustentabilidade e ampliação de nossa matriz de renováveis. |
Valor Econômico | As consequências no atraso da entrega das NDCs pela maior parte dos signatários do Acordo de Paris foi comentada por Natalie Unterstell no jornal Valor Econômico. |
Folha de S. Paulo | À Folha, concedemos entrevista sobre o papel das lideranças da COP30. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO