Tem pra guerra, falta pro clima

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Enquanto brasileiros, ainda estamos aqui, nos acostumando a dizer: agora somos um país que tem Oscar! E dos grandes! A premiação de Melhor Filme Internacional recebida por Ainda Estou Aqui tem um tanto a nos ensinar sobre política climática. Walter Salles subiu ao pódio pela força da persistência e do trabalho coletivo, exatamente do que as políticas climáticas precisam. 

O Brasil tem a chance de ser um protagonista no filme climático global durante 2025. O roteiro está bem escrito. A Amazônia dará boas colaborações para Fotografia, Trilha Sonora e uma extensa rede de importantes coadjuvantes. Resta saber se a performance brasileira será de um personagem bem articulado, de natureza inspiradora e corajosa, para fazer frente aos vilões da trama. Para isso, aguardamos efetividade, com políticas públicas que reduzam as emissões nacionais e adaptem as cidades, o que poderá colocar o Brasil à altura não de uma estatueta, mas do reconhecimento como um líder global pelo clima. A COP30 é um processo, não um evento. Mas a cerimônia está marcada para novembro, em Belém. 

Na jornada até lá, a trilha climática segue colada à da montanha-russa geopolítica que tem cenas surpreendentes, incluindo discussão – de câmeras e microfones abertos! – entre o presidente da maior potência militar do mundo e do de um país em guerra há três anos. O americano Donald Trump, seu vice J.D. Vance, e o ucraniano Volodymyr Zelensky protagonizaram uma semana de rusgas, farpas e acenos em torno de um acordo. O acerto entre Estados Unidos e Ucrânia para exploração de terras raras – elementos essenciais tanto para a indústria de alta tecnologia, incluindo inteligência artificial, quanto para a transição energética – em troca de (alguma) segurança aos ucranianos pode estar se encaminhando nas próximas semanas, após momentos em que o caldo quase azedou de vez. 

Enquanto Trump segue em sua estratégia do imprevisível desestabilizador, outros países respondem. Após a discussão na Casa Branca, Zelensky foi muito bem recebido em Bruxelas, na Comissão Europeia, cujos 27 líderes aprovaram o plano para investir mais € 800 bilhões (quase R$ 5 trilhões) na defesa da própria União Europeia e para a Ucrânia nos próximos anos. 

As cifras bilionárias contrastam com os recursos escassos para a agenda climática, na qual se busca um caminho para fazer fluir o trilhão atualmente pactuado. O Brasil tem capítulos difíceis a enfrentar nesse complexo contexto geopolítico para mostrar que continuamos em emergência climática, mesmo com o roteiro de guerra. 

Ainda estamos aqui, na torcida para que o ano de 2025 renda mais conquistas históricas ao país. Apenas um Oscar não queremos: o de faz-de-conta dos Efeitos Especiais. 

Boa leitura!

TÁ LÁ NO GRÁFICO

Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o Tá Lá no Gráfico exalta a importância da atividade feminina para o progresso da Ciência do Clima e das políticas climáticas, no Brasil e no mundo. Apesar da relevância e notoriedade de tantas delas, a representatividade ainda é baixa nas instâncias de decisão.

FRASE DA SEMANA

[O governo Trump] escolheu dificultar o acesso de vocês a abundantes minerais estratégicos, energia, materiais de construção e fertilizantes, que nós temos, e de que os EUA precisam para crescer e prosperar. Uma guerra comercial não tem vencedores, e ameaça a vocês, famílias americanas, em primeiro lugar e acima de tudo.
Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, em contundente pronunciamento oficial dirigido à população dos EUA, nesta semana, após a determinação do governo Trump de tarifar em 25% a entrada de produtos canadenses em território estadunidense. Minerais estratégicos na pauta. (Foto: Reprodução/Perfil do Instagram).

ABC DO CLIMA

Terras Raras: É o nome que se dá a um conjunto de 17 elementos químicos com propriedades físico-químicas semelhantes:

  • 15 com números atômicos de 57 a 71, que formam a série dos lantanídeos: Lantânio (La), Cério (Ce), Praseodímio (Pr), Neodímio (Nd), Promécio (Pm), Samário (Sm), Európio (Eu), Gadolínio (Gd), Térbio (Tb), Disprósio (Dy), Hólmio (Ho), Érbio (Er), Túlio (Tm), Itérbio (Yb) e Lutécio (Lu);
  • mais ítrio (Y) e escândio (Sc). 

Os Elementos Terras Raras (ETR) ocorrem na natureza em mais de 250 minerais, sendo os mais comercializados, a monazita ((La,Ce,Th) PO4), a bastnasita ((La,Ce,Nd) CO3F) (ETR Leves) e a xenotima ((Y,Dy,Yb) PO4) (ETR Pesados). 

Os ETR são essenciais em tecnologias avançadas em diferentes áreas, que vão de aplicações em saúde à transição energética, incluindo inteligência artificial. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda por eles vai crescer de três a sete vezes em relação à atual até 2040. A China é o maior produtor mundial de ETR, tendo minerado 270 mil toneladas em 2024, seguida dos Estados Unidos (45 mil toneladas). O Brasil produz muito pouco (somente 20 toneladas), mas tem reservas estimadas em 21 milhões de toneladas, atrás somente do que é estimado para a China.

Fontes: Serviço Geológico do Brasil; Serviço Geológico dos Estados Unidos.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 7 atos relevantes para a política climática nesta semana. As normas de Planejamento se destacaram, ocorrendo 4 vezes; Regulação veio em seguida, com 3 atos. O tema Energia foi o mais frequente nesta curta semana, por conta das 3 resoluções aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

CNPE acena à agricultura familiar de um lado…

Após quase 20 dias em relação ao anúncio feito na imprensa, foi apenas nesta semana que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) oficializou suas primeiras decisões tomadas em 2025.

A primeira resolução se dedica a promover esforço interministerial para “estudar a diversificação de matérias-primas” e incluir agricultores familiares e pequenos na produção de biocombustíveis. A ideia, naturalmente, é ampliar a participação de biocombustíveis na matriz energética nacional. No entanto, o ponto de preocupação da Política por Inteiro não está exatamente em o que fazer, mas como fazer. Isso porque, em se tratando de agricultura familiar, os estímulos dados pelo setor energético não podem asfixiar a produção agroecológica, que não apenas estimula diversidade biológica, como se protege de prejuízos ecológicos e econômicos graças a essa diversidade. A depender da agressividade do estímulo econômico à produção de biocombustíveis, há a possibilidade de proliferação de monocultivos pelo Brasil. Vale lembrar que a cana-de-açúcar e o dendê – duas das várias espécies de onde se extrai energia – têm demanda nutricional alta (sugando sobremaneira o solo) e ocorrem em monocultivos, o que deporia contra as metas de biodiversidade do país, recentemente aprovadas ad referendum pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio).

… E à pesquisa e à inovação, de outro

A segunda resolução tratou de determinar que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tenham como prioritários os investimentos voltados para pesquisa, desenvolvimento & inovação (PD&I) de assuntos como redução de metano, captura e estocagem de CO2, energia eólica e eficiência energética. Na resolução original (a CNPE nº. 2/2021), já estão itens como minerais estratégicos para energia, biocombustíveis, hidrogênio e até energia nuclear.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) também deve auxiliar nos estudos.

Ainda deu tempo de andar com o Paten

A terceira resolução da semana do CNPE que importa para política climática oficializa a criação do Comitê Técnico do Programa de Aceleração da Transição Energética, o CT-Paten, para ser o “motorzinho” de andamento do programa, criado por lei, em janeiro. Além disso, o CT-Paten assume o papel de subsidiar as tomadas de decisão do próprio CNPE. 

Como dissemos outro dia, resta saber se, a exemplo do PAC, esse Programa de Aceleração também será priorizado pelo governo. O “nome de batismo” é o mesmo. Vai vingar?

Por que não antes de o leite derramar, Defesa?

Em portaria datada de 24 de fevereiro, mas só publicada nesta semana, após o Carnaval (!), o Ministério da Defesa determinou o encerramento da participação das Forças Armadas em atividades de combate aos incêndios e à estiagem nos estados amazônicos. Em tempos em que toda ajuda é válida não só para conter incêndios como também para preparar previamente o bioma para as ocorrências que virão quando as chuvas reduzirem, não poderia a Defesa autorizar que o efetivo das FA apoie massivamente essa fase de preparação? 

Aliás, a ostensividade das Forças Armadas antes que as chamas surjam não deveria ser um diferencial para que o Brasil não perca o controle com o fogo, como foi em 2024?

BRASIL

Consulta Pública dos Setoriais de Adaptação vêm aí!

Está previsto para segunda-feira, 10 de março, o lançamento da Consulta Pública, sobre os Planos Setoriais de Adaptação Climática. Eles são parte do Plano Clima Adaptação, fruto de um abrangente processo construtivo iniciado em setembro de 2023, quando o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) criou o grupo técnico temporário (GTT) para adaptação, com a tarefa de criar ao menos 14 planos setoriais. Com o passar do tempo, esse número evoluiu para 16, justamente a quantidade de minutas que será disponibilizada ao público na próxima semana. 

Agora é aguardar, ler a fundo e participar!

Brasil se prepara para receber recursos do Fundo de Adaptação

Nesta semana, uma portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) designou os integrantes da Comissão de Seleção que analisará as candidaturas de entidades a serem as agências implementadoras dos recursos do Fundo de Adaptação (Adaptation Fund) vindos ao Brasil.

O Adaptation Fund foi criado em 2001 pela Convenção-Quadro do Clima (UNFCCC) – ainda no contexto do Protocolo de Kyoto – para financiar projetos de adaptação às mudanças climáticas em cidades que buscam reverter condições de vulnerabilidade e exposição a riscos climáticos. Após o Acordo de Paris entrar em vigor, o fundo passou a apoiar ações ligadas aos compromissos do Acordo.

De 2010 para cá, o Fundo de Adaptação já aportou mais de US$ 1,2 bilhão em projetos e programas de adaptação e resiliência às mudanças climáticas, incluindo mais de 180 projetos localizados em comunidades vulneráveis dos países em desenvolvimento. Estima-se que os benefícios dessas intervenções tenham alcançado cerca de 46 milhões de pessoas, até o momento.

No desenho brasileiro, as instituições que vencerem a seleção se tornam acreditadas pela Autoridade Nacional Designada (AND) para gerenciar recursos do Fundo e acompanhar os projetos apoiados. A AND do Brasil é a Secretaria Nacional sobre Mudança do Clima do Ministério (SNC/MMA).

Conforme o edital, é esperado que já na próxima semana seja anunciado o resultado preliminar da seleção. Se tudo correr dentro do esperado, as duas entidades selecionadas assumem seus postos em abril.

Políticas públicas como o AdaptaCidades, o Cidades Verdes Resilientes (PCVR) e a Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (PNAUP) vão ao encontro de fortalecer a agenda de adaptação no Brasil e poderiam ser irrigadas com recursos captados junto ao Fundo. Atualmente, PCVR e PNAUP, por exemplo, não dispõem de fontes financeiras específicas e seguras, o que é um obstáculo à implementação.

MUNDO

COP 16.2 termina em Roma

A COP (16) da Biodiversidade, ou CDB, finalmente chegou ao fim no dia 27 de fevereiro, na cidade de Roma. Encontrava-se suspensa desde 2 de novembro de 2024, após fracassar em alcançar uma decisão final entre as Partes em Cali. Tal e como na COP 29, o tema da vez foi o financiamento, previsto na Meta 19 do Marco Mundial de Biodiversidade Kunming Montreal. Nesse sentido, garantiu-se em Roma a criação de um mecanismo financeiro que deve mobilizar no mínimo US$ 200 bilhões por ano até 2030. Dessa quantia, pelo menos US$ 20 bilhões anuais devem vir da cooperação internacional, aumentando para US$ 30 bilhões em 2030. O avanço é fundamental, mas deixa em aberto ainda quais serão as fontes de financiamento, assim como evidencia a distância da brecha real de financiamento para a biodiversidade, estimada entre US$ 598 bilhões e US$ 824 bilhões anuais pelo PNUD (2024).  

Por outro lado, a CDB pavimentou um caminho para a construção de maiores sinergias entre clima e biodiversidade, prevendo para este ano uma consulta e troca de informações técnicas sobre tais sinergias, que poderia culminar em um programa de trabalho conjunto entre as três Convenções do Rio, por exemplo. De todo modo, a COP 17 na Armênia terá um ponto de partida para o financiamento e grandes desafios para implementar o Marco Mundial de Biodiversidade, posto que somente 46 dos 196 países entregaram até hoje suas Estratégias e Planos de Ação de Biodiversidade.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 6 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 40 municípios. No Rio Grande do Sul, onde chuvas intensas foram marcantes nos últimos 2 anos, agora se proliferam ocorrências de Estiagem. No Nordeste, também.

Para consultas detalhadas, visite nosso Monitor de Desastres.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

 
O Estado de S. Paulo A presidente da Talanoa, Natalie Unterstell, comentou sobre o risco ambiental, climático e reputacional que o Brasil corre ao flertar com a possibilidade de explorar Petróleo na margem equatorial.
((o)) eco Ao portal O Eco, a especialista em políticas climáticas Taciana Stec deu pistas sobre quais pautas ambientais devem estar no radar dos brasileiros em 2025.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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