Puxando o cabo da adaptação, mas ainda tem fio solto

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Na última década, o Governo Federal reconheceu situação de emergência ou calamidade pelo menos uma vez em 77% dos municípios brasileiros devido a eventos como tempestades, secas, estiagens, incêndios florestais, entre outros, apontam o Monitor de Desastres da Política por Inteiro. Habilitar as cidades brasileiras a lidar com a nova realidade climática e se preparar para o que os cenários apontam é urgente. Dos 5.571 municípios, mais de 65% têm baixa capacidade de adaptação a eventos extremos, de acordo com a Plataforma AdaptaBrasil, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). 

Anteposta à escassez de recursos financeiros para promover as ações de adaptação necessárias nos territórios Brasil afora, está o déficit de capacidade. O que é necessário para transformar os municípios e torná-los mais resilientes? Como coordenar e orientar os municípios a realizar ações efetivas de adaptação climática?

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) lançou nesta semana uma iniciativa que há muito vem sendo propalada como aposta do Governo Federal para fazer emergir políticas de adaptação de Norte a Sul: o Programa AdaptaCidades. A partir da adesão voluntária, Estados e Distrito Federal indicam municípios que atendam aos critérios técnicos de priorização, considerando vulnerabilidade, exposição e ameaça climática.

Até esta sexta-feira (14), 18 estados e o Distrito Federal aderiram, quatro estados (Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco) estão tramitando o processo internamente e quatro (Pará, Paraíba, Roraima e Sergipe) não aderiram. Por enquanto, são cerca de 500 os municípios indicados. O programa capacitará gestores para que consigam olhar os dados disponíveis e elaborar planos de adaptação municipais.

Com R$ 18 milhões de orçamento, o foco do AdaptaCidades não é promover as ações de adaptação em si, mas capacitar as prefeituras para, além de entender o que e como precisa ser feito, buscar financiamento para implementar seus planos. A iniciativa inaugura uma coordenação essencial por parte do governo federal para aterrissar a agenda de adaptação localmente. 

Por outro lado, é essencial considerar a vida real de Estados e municípios para que o AdaptaCidades emplaque. Para além dos processos de capacitação, articulação e ganho de “liga” do tema adaptação em cada canto do Brasil – a que o programa se presta – é necessário viabilizar que políticas saiam do papel rapidamente. Para tanto, planos estaduais e municipais só serão realmente efetivos se uma nova arquitetura de recursos públicos se concretizar. Como sabemos, o desenho federativo brasileiro, na prática, é excessivamente centrado na União, cujos meios de implementação são amplamente maiores que os dos entes estaduais e municipais. 

No ano passado, a Resolução n°. 3 do Conselho da Federação já estabelecia que política climática deve estar no centro das decisões de interesse público para todos os entes da Federação. É o chamado Federalismo Climático. No entanto, na prática, se encargos e competências não estiverem acompanhados dos devidos meios para que se realizem, correm o risco de virarem mais papel, mais do mesmo. Isto é, se virarem papel. 

Boa leitura!

TÁ LÁ NO GRÁFICO

No Tá Lá no Gráfico desta semana, o aumento de recursos do Fundo Clima e como esses valores estão sendo utilizados em projetos tanto reembolsáveis quanto não-reembolsáveis.

FRASE DA SEMANA

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, na semana em que a pressão para o Ibama liberar estudos de exploração de petróleo na Bacia Foz do Amazonas se intensificou, incluindo falas de Lula. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil).

ABC DO CLIMA

Capacidade adaptativa: refere-se ao conjunto de recursos e medidas que capacita sistemas naturais e humanos a reorganizar suas funções, estruturas e processos em resposta a mudanças climáticas, seja frente a eventos extremos ou a eventos de longa duração. Essencialmente, envolve o fortalecimento da capacidade institucional através do desenvolvimento de políticas públicas e regulamentos adequados, formação técnica, e a transferência de tecnologias e recursos financeiros para aumentar a resiliência através de soluções de adaptação climática.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou apenas 5 atos relevantes para a política climática nesta semana. Três foram no tema Terras e Territórios. As classes em destaque da semana foram Regulação e Resposta, com 2 atos cada.

“Desenrola” chega na vida rural

Em decreto publicado nesta semana (12), o governo instituiu o Programa de Regularização de Dívidas e Facilitação de Acesso ao Crédito Rural da Agricultura Familiar, o Desenrola Rural. A exemplo do homônimo mais famoso – o Desenrola Brasil – a ideia é gerar condições facilitadas para que agricultores familiares regularizem débitos e, com isso, destravem novos financiamentos para investimento em seus negócios

Por que importa para política climática? No Brasil, a produção familiar tem alto potencial de produzir conservando e de produzir restaurando, lógicas que se encaixam numa estratégia nacional de desenvolvimento de baixo carbono para imóveis rurais. Para que ambas se reproduzam no território, é preciso que o setor tenha dinheiro à disposição. Em resumo: ao conjugar os verbos restaurar, produzir e conservar, a agricultura familiar pode ser capaz de frear emissões, sequestrar carbono e ampliar o desenvolvimento local. Nesse sentido, o Desenrola pode ser uma alavanca.

A Política por Inteiro considera que se trata de medida acertada do governo, uma vez que, entre outros fatores, um dos gargalos para que o setor de uso da terra reduza emissões progressivamente reside na dificuldade da agricultura familiar em obter financiamentos para produção sustentável. 

A ver as condições ofertadas pelos bancos vis-à-vis o apetite do setor produtivo.

Segurança pública e eventos extremos 

Via portaria da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), foi instituído o Projeto Resposta em Ações Integradas para Atuação em Situações de Desastres – Respad. A iniciativa trata-se de um planejamento para integrar as ações dos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil na prevenção e no planejamento para resposta a desastres. Fica a cargo dos Estados aderirem ao projeto, que terá a Senasp como gestora. A Secretaria terá competência para intermediar os pedidos de resposta aos desastres, promover atividades de capacitação e mobilização, além da instituição de protocolos e realização de diagnósticos técnicos acerca da incidência de desastres. Ainda que muito inicial, o sinal é positivo. A gestão compartilhada das ações de prevenção e respostas aos desastres é urgente, e do ponto de vista da adaptação climática é essencial que o tema ganhe importância em outras agendas governamentais.

BRASIL

Onda de calor faz Justiça gaúcha adiar início das aulas

No domingo (9), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou, liminarmente, que o início do ano letivo gaúcho seja adiado. O motivo: uma combinação insustentável entre onda de calor (prevista pelos cientistas) e falta de infraestrutura escolar para lidar com o evento climático. Com a decisão, 2.320 escolas estaduais deixaram de retornar às aulas conforme o calendário. Infelizmente, mais um exemplo da mudança do clima interferindo diretamente no planejamento e na vida de milhares de pessoas. 

A decisão da Justiça gaúcha lança mão da prevenção como fundamento, já que sem a estrutura adequada, crianças, adolescentes e adultos tendem a desenvolver problemas de saúde expostos a temperaturas elevadas sem o mínimo existencial em uma situação adversa. 

A decisão ajuda a revelar deficiências estruturais (em condicionadores de ar, na estrutura da rede elétrica para dar conta do funcionamento desses aparelhos e até mesmo no funcionamento de bebedouros!) que o governo estadual terá de resolver, ao mesmo tempo em que escancara o quanto adaptação climática é assunto urgente no Brasil. 

O caso é emblemático sobre a necessidade de não se ignorar os alertas da Ciência para o clima e, especialmente, de como o Poder Público deve remodelar suas diretrizes de investimento e, assim, suas prioridades. Em uma nova realidade climática, as escolas e os prédios públicos em geral não podem se manter os mesmos. Por isso, a essencialidade de medidas de adaptação climática, que devem estar no centro da preocupação não apenas de governos, como de empresas, entidades de classe e toda a sociedade civil. 

Enquanto isso, o Rio Grande do Sul chacoalha em eventos extremos. E pensar que sequer completou 1 ano de chuvas e enchentes históricas no estado.

(Ainda mais) sobre petróleo na Foz do Amazonas

Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se pronunciou, mais de uma vez, em relação à abertura da nova fronteira de exploração de petróleo na Bacia da Foz do Rio Amazonas. Para Lula, o Ibama deveria estar trabalhando a favor dos interesses do governo e chamou de “lenga-lenga” a demora para a liberação do licenciamento ambiental que permitirá o início dos estudos de prospecção na região. Em nota, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) se manifestou, reforçando que o Ibama é órgão de Estado – em vez de Governo – e que suas decisões são baseadas em critérios técnicos, científicos e legais, ainda mais rigorosos em áreas socioambientalmente sensíveis, como é o caso. A fala é consonante ao que a própria ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, já havia reforçado na semana anterior, quando disse que nenhum órgão sob sua alçada atua para facilitar ou dificultar qualquer licença ambiental no país.

No dia seguinte, em evento no Amapá, o presidente voltou a pressionar o Ibama, dizendo que “ninguém pode proibir a gente de pesquisar para saber o tamanho da riqueza que tem”. Em meio à escalada da campanha a favor dos combustíveis fósseis, Lula fechou a semana em Belém, em visita a canteiros de obras para a COP30, na cidade. Tudo indica que a próxima COP será realizada, mais uma vez, num “petroestado”.

MUNDO

Prazo encerr… ops, não, péra

Estava marcado para se encerrar, nesta semana, 10/02, o prazo oficial da ONU para países apresentarem seus novos compromissos climáticos (NDC) no âmbito do Acordo de Paris. Com os depósitos feitos pelas Ilhas Marshall e pelo Equador (mais um sul-americano, junto a Brasil e Uruguai!), havia subido a apenas 12 (entre 195) países a depositarem formalmente suas NDCs. É muito pouco. Nessa esteira, o Secretariado da Convenção do Clima decidiu prorrogar o prazo regulamentar: agora, os países têm até setembro (cerca de dois meses antes da próxima COP) para depositar seus compromissos oficiais mirando a efetividade do Acordo de Paris. O anúncio foi feito por Simon Stiell, quando da visita a Brasília, na semana passada.

Em termos econômicos – e, portanto, de emissões – os países mais expressivos a terem exibido novas NDCs são EUA (no apagar das luzes do governo Biden), Brasil, Reino Unido e Emirados Árabes Unidos. O baixo número de novas NDCs diz muito sobre a baixa ambição climática global nesse momento. Mantida essa timidez, estaremos ainda mais perto de furar o teto científico de 1,5ºC de aumento da temperatura média global em relação à era pré-industrial. 

Diz muito, também, sobre o trabalho que o Brasil, na condição de presidente da próxima Conferência, tem pela frente. 

A plataforma de registro das NDCs é mantida pelo braço climático da ONU e pode ser acessada aqui.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 15 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 56 municípios. Apesar do aumento das tempestades, a estiagem ainda lidera como evento extremo mais registrado da semana, concentrada na Região Nordeste e no extremo sul do país. Inundações e secas ocorreram de maneira pontual.

Para consultas detalhadas, visite nosso Monitor de Desastres.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

 

Canal MeioA produção do programa Central Meio consultou Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, para entender os impactos climáticos de uma eventual exploração de petróleo na foz da bacia amazônica. Explorar mais combustível fóssil é “bomba de carbono”, sentenciou.
Folha de S.PauloAo trazer o baixo apetite dos países para submissão de novas NDCs dentro do prazo original, matéria especial para a COP30 reforça que a liderança brasileira terá ainda mais responsabilidade nos próximos meses.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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