Os desafios do AdaptaCidades para aterrissar num Brasil sem robusta governança climática

“A adaptação não é uma escolha, mas uma necessidade para todos e todas e uma responsabilidade federativa compartilhada”.

Segundo dados do Relatório Mundial das Cidades, produzido pela ONU-Habitat, as cidades enfrentam 90% dos impactos de eventos climáticos extremos, afetando em primeiro lugar, territórios periféricos, favelas, assentamentos urbanos irregulares, e mulheres. Até poucos dias atrás, o bairro de Jardim Pantanal encontrava-se debaixo d’água na cidade de São Paulo. Enquanto isso, diversos bairros na cidade de Recife e a Ilha de Itamaracá sofriam com inundações decorrentes de chuvas extremas.

O Estado brasileiro possui um total de 5.571 municípios, dos quais mais de 65% têm baixa capacidade de adaptação a eventos extremos, de acordo com a Plataforma AdaptaBrasil, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Nesse sentido, como coordenar e orientar os municípios a realizar ações efetivas de adaptação climática?

Nesta semana, o Programa AdaptaCidades foi lançado oficialmente durante o Encontro de Novos Prefeitos e Prefeitas. Criado pela Portaria MMA nº 1.256, de 26 de dezembro de 2024, a iniciativa é parte de outro programa, o Cidades Verdes Resilientes (CRV). É embasado no compromisso do Federalismo Climático, instituído pela Resolução n°. 3 do Conselho da Federação, no qual políticas climáticas devem estar coordenadas de maneira transversal, alimentando-se de cima para baixo, e de baixo para cima.

De acordo com o Artigo 3 da Portaria de criação do Programa, podem aderir ao AdaptaCidades (i) todos os Estados da Federação e (ii) municípios a serem indicados pelos Estados e que atendam aos critérios técnicos de priorização definidos pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), considerando a vulnerabilidade, exposição e ameaça climática.

Em outubro do ano passado, o governo brasileiro lançou sua Estratégia Nacional de Adaptação (ENA), fazendo um diagnóstico das vulnerabilidades regionais e chamando atenção para a necessidade de ações de adaptação no nível local, os municípios e biomas brasileiros. Assim, o AdaptaCidades atua em quatro eixos, oferecendo aos municípios as seguintes ferramentas:

  • Formação, por meio de cursos à distância para desenvolvimento de planos de adaptação municipais

  • Planejamento, através de orientações metodológicas para planejamento em adaptação climática

  • Dados, ao disponibilizar informações estratégicas sobre riscos e vulnerabilidades

  • Orientação para financiamento, sobre acesso a investimentos e financiamento para ações locais de adaptação.

Estas ferramentas possuem um objetivo em comum – apoiar os municípios a desenvolverem seus Planos de Adaptação Municipal. O processo, no entanto, é complexo e pode ser moroso. A primeira etapa é a capacitação, e ela só terá êxito em caso de mobilização dos governos subnacionais. Uma vez formulados os Planos Municipais, cabe aos municípios adquirir autonomia para sua implementação: buscar orçamento via Estados, captar financiamento por meio de emendas parlamentares, e assim, destiná-lo à sua implementação, como a promoção de infraestruturas resilientes.

No entanto, sem previsão de financiamento para os Estados para além de cursos de formação, o AdaptaCidades já nasce com um enorme desafio: convencer os Estados a aderirem e os municípios a se mobilizarem, sem previsão de repasses financeiros do governo federal. A ausência de recursos orçamentários para a adaptação climática não é uma particularidade do programa, é uma realidade tão nacional quanto global.

Investimentos massivos em adaptação climática são necessários para nos prepararmos para eventos climáticos cada vez mais intensos e frequentes. É preciso atuar na gestão dos riscos de forma a reduzir a gestão dos desastres. Além disso, a conjuntura política nacional joga um papel preponderante nos possíveis cenários de sucesso ou fracasso do programa. Sem engajamento necessário por parte dos gestores municipais, o AdaptaCidades periga ser mais um plano, hospedado em uma plataforma virtual e sem resultados concretos na vida das populações mais vulneráveis, as que sofrem primeiro, e em maior intensidade, os efeitos das mudanças climáticas. Nesse sentido, a polarização política nacional joga contra. Convencer Estados e municípios comandados pela oposição ao governo federal a embarcar em um planejamento de médio a longo prazo proposto pelo MMA e sem repasses financeiros não é exatamente uma tarefa fácil, embora necessária.

Felizmente, até o presente momento, 18 estados e o Distrito Federal aderiram ao programa, 4 estados estão tramitando o processo internamente, e outros 4 não aderiram (ver imagem abaixo).

O total de municípios indicados pelos Estados ultrapassa 500. O Espírito Santo decidiu “liderar pelo exemplo”, nas palavras da ministra Marina Silva. Com seus 78 municípios e uma carteira recheada, além de aliado do governo federal, manifestou adesão de todos os municípios, quando a previsão inicial era de 10 por Estado. Contudo, em um país tão discrepante regionalmente, não se pode esperar a mesma ambição e disposição para outros – seja Minas Gerais com seus 853 municípios, ou Pará, que ainda não aderiu à iniciativa, mas que 120 de seus 144 municípios apresentam vulnerabilidade alta ou muito alta a desastres hídricos.

Vemos no AdaptaCidades uma iniciativa que inaugura uma coordenação essencial por parte  do Governo Federal, mas que só terá sucesso se implementada no âmbito municipal. Os governos subnacionais, nesse sentido, são peças-chave para aderir ao programa, em primeiro lugar, indicando os municípios prioritários a serem contemplados, e em segundo lugar, de criar as capacidades técnicas necessárias para promover Planos de Adaptação Municipais. Esses planos são fundamentais para tratar a adaptação climática como política de Estado, e não de governo, priorizando territórios mais vulneráveis e evitando que medidas de má adaptação possam ser implementadas, por meio de obras, em períodos eleitorais, por exemplo. Em termos práticos, o programa oferece ferramentas importantes para a capacitação institucional dos municípios, mas seus resultados escapam a seu próprio alcance, já que estarão determinadas essencialmente pelo engajamento condizente, por parte dos subnacionais, com a emergência climática que atravessamos.

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