Mudança do clima e futebol no Brasil: tem que dar jogo

Imagem: Reprodução/TV Globo

Domingo, 26 de janeiro, São Paulo x Corinthians, em São Paulo, atrasado em uma hora; quarta-feira, 29 de janeiro, Corinthians x Ponte Preta, em Campinas, atrasado em 45 minutos. Sábado, dia 1º de fevereiro, Santos x São Paulo, em Santos, atrasado em 45 minutos. Domingo, 2 de fevereiro, Botafogo x Flamengo, em Belém, interrompido aos 15 minutos de partida, por 1h10. Jogos do Paulistão e a final da Supercopa Rei. Todos afetados por tempestades. 

Os atrasos podem não ser uma novidade no futebol, mas, com o aumento da frequência e da intensidade dos eventos extremos, as interrupções das partidas por fenômenos climáticos tendem a ser mais comuns. É um exemplo de como as mudanças climáticas afetam o dia-a-dia das pessoas, nos mais diferentes aspectos, incluindo a bilionária indústria do futebol e seus apaixonados torcedores.

Os adiamentos provocam de meros contratempos no lazer a dores de cabeça e riscos mais elevados, em nível pessoal ou afetando toda uma cadeia de profissionais, negócios e decisões públicas. O torcedor muda sua programação. O esquema de segurança pública e de transportes precisa ser readequado à alteração no cronograma de deslocamentos, com o acréscimo dos empecilhos provocados por alagamentos. As emissoras de rádio e TV têm de “se virar nos trinta” para improvisar e não trazer prejuízos à programação. Os anunciantes deixam de aparecer nos “horários certos”. Jogadores precisam se readequar às pausas e gramados encharcados – aliás, os sistemas de drenagem precisam ser revistos para aguentar volumes de água em intervalos de tempo mais curto. Em resumo: na falta de previsibilidade, para não perder de goleada, é preciso se adaptar.

Não são só as chuvas mais intensas que remoldam as partidas de futebol. Ao longo do ano, os extremos variam. Vem o calor intenso em jogos realizados à tarde, que exigem dos torcedores chegar horas antes, sob sol escaldante (ou chuva diluvial) e em estádios quase sempre desprovidos de estrutura adequada de acolhimento. A clássica vantagem de se jogar na altitude pode ganhar em breve um similar jogar na (baixa) latitude. Quem estiver mais preparado ao calor dos trópicos larga na frente. Parada técnica para hidratação está cada vez mais comum. Será que em breve teremos o ar condicionado portátil à beira do gramado da mesma forma que os balões de oxigênio não faltam quando os times brasileiros visitam os campos andinos? 

Sob o calor, não bastasse, enquanto as pessoas torram esperando a partida começar, a organização do evento e as autoridades permitem que água mineral, necessidade básica do ser humano, seja vendida em copos (de plástico, por questão de segurança… há opções biodegradáveis, mas não costuma ser desses a que se tem acesso nas arquibancadas) que custam até R$ 10,00! Muitas vezes as garrafas de água são barradas na revista da entrada, apesar de a Secretaria Nacional do Consumidor indicar que a proibição é indevida. Recipientes que não representem riscos de serem utilizados para atos de violência devem ser liberados.

Clubes, federações, dirigentes em geral e a própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF) precisam reconhecer que vivemos, todos, sob uma nova realidade climática. É preciso discutir adaptações no calendário anual, nos horários e nos estádios e seus acessos, já que toda a logística necessária a um espetáculo esportivo depende, necessariamente, do clima e do nível de adaptação daquela cidade a eventos climáticos. 

É provável que as instituições, públicas e privadas, responsáveis pela concepção das competições, em geral, ainda não se utilizem de cenários climáticos e tenham seus protocolos para estabelecer onde, quando e sob quais condições eventos com grande movimentação de público devem ou não ocorrer. Ao utilizar a predição de cenários futuros como instrumento, reduz-se a chance de equívocos, o que é, no mínimo, bom para os negócios. A mudança do clima precisa ser assunto também no universo de quem organiza competições esportivas. Os atletas, em si, já a sentem na pele.

Se o calendário de jogos é apertado e as partidas começam a atrasar com frequência, quem assume os prejuízos sobre os voos perdidos das delegações de atletas, que dentro de 72h já disputarão nova partida, em outro estado? Quais são as políticas de ressarcimento dos ingressos – muitas vezes já fora da realidade financeira do torcedor? Como os clubes vão lidar com essas incertezas? E patrocinadores e investidores?  Atrasos, e por vezes até adiamentos de partida, trazem prejuízos para todos. Com eles, a tendência de aumento da responsabilização em esfera judicial. Os clubes estão prontos para lidar com o desgaste extra, os problemas de saúde e até mesmo um aumento da frequência de lesões entre atletas, cujos contratos valem dezenas – e, às vezes, centenas – de milhões de reais? Nas arquibancadas, é preciso redobrar a atenção aos perigos de insolação e hipertermia. 

Ninguém está imune a eventos climáticos extremos. Em matéria de futebol, aí estão Grêmio, Internacional e Juventude, times da série A do Brasileirão severamente prejudicados pela tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul. No caso de Grêmio e Inter, as dificuldades logísticas foram agravadas com a inundação de centros de treinamento e estádios. 

Trazer a questão climática para o centro da sala não é mera tecnicidade. É questão de adaptação e de sobrevivência dos esportes da forma como o conhecemos. Em matéria de clima, o VAR é um tanto diferente: ele deve olhar pra frente, a fim de evitar o que ainda pode acontecer. Temos daqui a dois anos uma nova Copa do Mundo no Brasil. Desta vez, feminina. Protagonismo das mulheres em ação climática é vitória garantida.

A resiliência dos estádios

Na catástrofe do Rio Grande do Sul, em 2024, os estádios dos dois maiores clubes do estado também submergiram. O Beira-Rio, do Internacional, fora reinaugurado dez anos antes, após a reforma para se adequar ao “padrão Fifa”, como uma das sedes da Copa de 2014 no Brasil. A Arena do Grêmio foi inteiramente projetada neste século e aberta em 2012, sendo uma das sedes da Copa América de 2019. Nenhum dos dois estava preparado para aguentar as históricas inundações, ainda que os dois estejam localizados próximos ao Guaíba. No caso do estádio colorado, o nome não deixa esquecer.

Há duas décadas, na passagem do destrutivo Furacão Katrina, em New Orleans, nos Estados Unidos, milhares de pessoas foram abrigadas no Superdome, estádio do time de futebol americano da cidade. O teto acabou arrancado pelo vento. Mas mais do que a entrada da chuva no estádio, o colapso logístico – falta do básico: luz, água, comida e segurança – tornou o local caótico e a situação das pessoas degradante. Por fim, o estádio foi evacuado.

Estádios são pontos de referência de comunidades e cidades. Pensá-los como infraestruturas com máxima resiliência para eventos extremos e incorporá-los aos protocolos de resposta à emergência pode ser uma alternativa quando há necessidade de refugiar com rapidez milhares de pessoas. Se o gramado não alagar, já há até o heliponto para urgências. E a capacidade de mobilização que o esporte tem no país pode contribuir e muito nos desafios de comunicação acerca da emergência climática. Clubes e atletas deram grandes exemplos em meio à catástrofe no Rio Grande do Sul.

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