(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)
Sim, a gente sabe: a segunda semana do ano ainda tem aquele jeitão de ressaca das férias, então vamos com calma. Aliás, muitos agentes públicos importantes no contexto da política climática brasileira ainda estão em férias. O Legislativo, então, nem se fala… O Diário Oficial ainda está em ritmo de recesso – nesta semana, o Monitor de Atos Públicos da Política por Inteiro captou somente três atos relevantes na agenda de clima. Mas a calmaria no DOU não significa que os bastidores não estejam agitados.
A expectativa sobre o desfecho da novela da indicação para a presidência da COP-30 cresceu consideravelmente nesta semana. Mas ao contrário de fim de drama ou estatueta do Oscar, a nomeação não inaugurará uma festa, mas, sim, uma árdua jornada a Belém – ou melhor, a continuidade de um trabalho já em curso. Caberá à figura que receberá o crachá de presidente da COP-30, juntamente com sua equipe, trabalhar fortemente para a construção de consensos entre países, em direção a metas climáticas mais arrojadas, o que não pode ser costurado apenas em 12 dias de Conferência, mas deve ser uma constante durante todo o ano. Afinal, a COP não é um evento, mas um processo.
E trabalho para o Brasil, que ao se candidatar e conquistar o direito de sediar a COP-30, precisa gastar boas doses de energia em política externa, incentivando países a não deixar a efetividade do Acordo de Paris ir pra debaixo da pilha de suas prioridades.
No plano internacional, foi-se a última semana da Administração Biden-Harris, nos EUA, e agora os olhares se voltam para “a volta dos que não foram”: Trump e sua trupe. Quanto a Biden-Harris, ainda que não tenham abandonado exatamente a “doutrina do Big Stick”, de influência e política externa voltada para garantia de seus interesses nacionais, não se pode dizer que o período foi de todo ruim em termos de política climática, já que o Inflation Reduction Act (IRA), uma espécie de pacote econômico doméstico ianque, ao ter como uma das diretrizes a transição energética, acumulou os maiores investimentos em clima e energia na história estadunidense. Comparado a seus antecessores, Biden também reduziu consideravelmente a concessão de terras federais para abertura de novos campos de exploração de óleo e gás. É claro que muitas das medidas do governo que vai se encerrando serão possivelmente derrubadas já no 1º ano do novo governo de Trump, que vem mais afiado do que em sua primeira passagem pela Casa Branca. Aliás, antes mesmo de adentrá-la novamente, ele já começou a provocar a diplomacia internacional em diferentes direções: do Panamá à Dinamarca, sem esquecer do México e não livrar nem Canadá e a própria União Europeia.
O momento, para quem elabora e analisa política climática, é de apreensão, e há sinais por todos os lados para justificá-la. Em aceno a Trump, uma série de instituições, principalmente dentro dos EUA, têm demonstrado convergência com o novo mandatário. Bancos como Citigroup, Bank of America, Wells Fargo e gestoras de ativos como a “trilionária” BlackRock, estão anunciando suas saídas de alianças climáticas, o que nos dá um tom do que pode estar vindo por aí: menos dinheiro para financiar a transformação da economia mundial. Isso sem falar na discórdia que big techs – a exemplo da Meta – têm nutrido perante Estados nacionais mundo afora. Agora, tendo Trump como baluarte e incentivador, virou guerra declarada. E o Brasil, que ainda luta para não ser “terra sem lei”, está no meio.
Começar o ano priorizando uma leitura de conjuntura importa, porque o que vem por aí pode (e vai) desaguar em matéria de política climática. Isso porque 2025 é decisivo em vários sentidos. O Acordo de Paris completa 10 anos na COP 30, no Brasil, enquanto noutro flanco o mesmo Brasil lidera os BRICS, que juntos representam uma fatia bastante considerável da dinâmica econômica do planeta. Ora, em um mundo onde líderes de potências historicamente maiores emissoras e tradicionalmente pouco colaborativas na pauta climática esticam a corda ignorando a emergência ambiental em que estamos todos imersos, a tendência a ser combatida é a de desencorajamento da ambição climática de países que nunca tiveram as mesmas possibilidades, mas buscam com afinco seu lugar ao sol (do crescimento econômico).
Trabalho grande para a ONU, que, cada vez mais criticada por sua inabilidade de dar conta de uma realidade complexa – para a qual não fora originalmente criada – precisa reunir um poder de articulação como nunca antes visto, muito diferente daquele mundo bipolar de 70 e tantos anos atrás.
Outro ponto: informação. Com um mundo estimulado a uma tendência de desglobalização, ao mesmo tempo em que precisa ser mais unido do que nunca para enfrentar a questão climática que toca a todos, é preciso reforçar: quem produz informação baseada em dados, e bebe em fontes de dados baseadas em ciência, será cada vez mais essencial na luta contra a desinformação. E, provavelmente, trabalhará muito mais para evitar grandes estragos coletivos. Políticas climáticas estão incluídas diretamente nessa luta. Travestida de liberdade de expressão, a sanha pela criação de mundos paralelos e que encomendem qualquer verdade conveniente não jogará a favor do clima.
Na próxima semana, a TPT (Tensão Pré-Trump) em que estamos já terá se diluído, já que o homem laranja toma posse e deveremos ver seus primeiros movimentos. Alô, Lula! Esperamos que a TPP (Tensão Pré-Presidente da COP) siga o mesmo caminho.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Nesta semana, o Tá Lá no Gráfico explica o que faz um/a presidente de COP e por que a função é tão importante. Você sabia que a primeira Conferência das Partes foi presidida por Angela Merkel, então ministra do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha, em 1995, em Berlim? Anos depois, Merkel se tornaria a mulher mais poderosa do mundo, sendo chanceler alemã de 2005 a 2021. Mostramos a lista de todos os presidentes e destacamos alguns momentos emblemáticos desse papel tão importante para o sucesso das negociações climáticas e o avanço da ambição ano a ano.
FRASE DA SEMANA
“Sucessivos anos ultrapassando o limite de 1,5ºC não significam que a meta de longo prazo foi sacrificada, e sim que precisamos lutar ainda mais para entrar na rota certa. Temperaturas infernais em 2024 exigem ação climática pioneira em 2025.“
António Guterres, Secretário-Geral da ONU, nesta semana, sobre o aumento da temperatura média global e a repercussão de que a Humanidade já teria ultrapassado o 1,5ºC estimado pela Ciência para evitar consequências mais graves e irreversíveis das mudanças climáticas.
(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Cobertura G20 Rio, nov/24).
ABC DO CLIMA
COP: é a sigla, em inglês, para Conferência das Partes (Conference of the Parties). Isso porque cada país que assina um tratado internacional é chamado de “Parte” na linguagem do Direito Internacional. É a instância máxima de decisão da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Na prática, é um espaço de negociação internacional onde representantes de países discutem e avaliam o progresso das metas climáticas assumidas, negociando o aumento da ambição climática. A COP promove institucionalidade, diplomacia e a prevalência do multilateralismo no enfrentamento das mudanças climáticas. Além disso, podem ser vistas, ainda, como uma grande feira de ciências, onde o segmento científico, a sociedade civil e o setor privado apresentam estudos, inovações e propostas climáticas, indo além de um evento de negociações diplomáticas. As COPs ocorrem anualmente, a não ser que as Partes decidam por outra periodicidade. As outras convenções irmãs da UNFCCC, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção para o Combate à Desertificação (UNCCD, na sigla em inglês), também realizam suas COPs (relembre sobre as três COPs no Tá Lá no Gráfico As conquistas das COPs).
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou apenas 3 atos relevantes para a política climática nesta semana. Não houve tema predominante.
FONTE de preocupação
O Ministério de Minas e Energia (MME) publicou nesta semana o Edital que regula o processo seletivo de acesso às cadeiras do Fórum Nacional de Transição Energética, o chamado FONTE. O Fórum é a instância consultiva para concepção, funcionamento e monitoramento do Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE), braço operativo da Política Nacional de Transição Energética (PNTE). Em agosto passado, por meio de Resolução, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou a estrutura básica da PNTE e seus braços consultivo (Fonte) e tático-operacional (Plante), no entanto “sem-recheio”. Cabe portanto, agora, a montagem do Fórum e, em seguida, a elaboração do conjunto de objetivos, ações e metas do PLANTE.
O FONTE:
– Terá 87 cadeiras ao todo, sendo 29 para cada grande segmento: governo, sociedade civil e empresariado. Um tamanho considerável, que terá o desafio de ser operacional;
– Terá, dos 29 assentos governamentais, 19 para governo federal, e 5 + 5 para estados e municípios, sendo 1 por região;
– Terá seu processo de montagem concluído apenas no final de maio. Isto representa um hiato de 9 meses em relação à “resolução-mãe”, que criou a PNTE. A partir de montado, o FONTE deve contribuir sistematicamente para a elaboração do PLANTE, o que também demandará tempo. Ou seja: Toda pinta de que só teremos PLANTE elaborado, validado e oficializado próximo de 2026, pleno ano eleitoral.
– Adotará o modelo de eleições por segmento e seus representantes funcionarão em mandatos bienais, com a recondução permitida apenas uma única vez. O Edital refere-se ao biênio 2025/26.
A ver.
Cidades Verdes Resilientes tem Comitê Gestor
Criado em junho de 2024, o Programa Cidades Verdes Resilientes (PCVR), de estímulo à qualidade ambiental e à adaptação climática nas cidades, nesta semana passou a ter seu Comitê Gestor instituído. Motivada pelo anúncio, a Política por Inteiro preparou uma análise sobre o momento atual do PCVR e os desafios do governo em matéria de agenda urbana nessa 2ª metade de mandato.
BRASIL
Lei das Eólicas no Mar sem a assinatura do Ministro de Minas e Energia
Em edição extra do Diário Oficial da União da última sexta-feira (10, após o fechamento de nosso último Boletim), foi publicada a Lei Federal nº. 15.097/2025, que estabelece o marco legal para a geração de energia eólica no mar (offshore).
Durante a tramitação, o texto incluiu temas “carbono intensivos”, como a prorrogação de contratos de usinas termelétricas a carvão e a gás natural, mas o presidente sancionou a lei com vetos a todas as fontes fósseis que foram inseridas extraordinariamente. O despacho justificando os vetos ao Congresso Nacional baseou-se na argumentação econômica: caso aprovada com os jabutis de combustíveis fósseis, haveria aumento de nove por cento na conta geral de energia e um impacto de R$ 22 bilhões por ano até 2050.
A mobilização federal contra os jabutis foi ínfima até o momento. Sumariamente, resumiu-se a algumas reuniões e uma manifestação final em contrário pelos Ministérios de Minas e Energia (MME), da Fazenda (MF) e de Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). A Lei com vetos, entretanto, saiu sem a assinatura formal do Ministro Alexandre Silveira (MME). O Congresso Nacional poderá derrubar os vetos presidenciais, devendo deliberar sobre nos próximos trinta dias.
MUNDO
A Diplomacia da Transição Energética: a nova frente diplomática do Oriente Médio
Durante missão no Oriente Médio, o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, reuniu-se com Khaled Salmeen, Diretor Executivo da Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc), para discutir investimentos no setor de gás natural, incluindo fertilizantes, destacando o leilão de gás da PPSA previsto para 2025 e apontando a Adnoc como potencial investidora no Brasil. Ainda em Abu Dhabi, Silveira assinou um memorando de entendimento com o Ministério do Investimento dos Emirados Árabes Unidos, prevendo até R$ 15 bilhões para a cadeia de minerais críticos no Brasil. Para se ter uma noção do montante, em 2023, o BNDES lançou um fundo de até R$ 1 bilhão para financiar a exploração desses minerais.
O Brasil possui duas frentes diplomáticas principais com os países do Oriente Médio: a exportação de carne bovina, sumamente em corte halal, e a importação de hidrocarbonetos. Ambas cadeias altamente intensivas em emissões de gases de efeito estufa. Mirando na transição para longe dos combustíveis fósseis, evidencia-se a exponencial participação em investimentos de transição dos países naquele território. Seria essa uma nova frente diplomática para o planejamento da política externa brasileira oferecer atenção?
O Instituto Talanoa publicou um Policy Brief sobre a questão dos minerais críticos na transição energética brasileira. Acesse aqui: Minerais Estratégicos e a Transição Energética: Como o Brasil vai lidar com a produção?.
Uruguai se torna o 4º país do mundo a atualizar ambição climática
Nesta semana, o placar da ONU (UNFCCC) que registra as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) – o documento que oficializa o compromisso climático dos países signatários do Acordo de Paris – foi atualizado. O Uruguai apresentou sua contribuição e com isso se tornou apenas o 4º país a fazê-lo, junto de Emirados Árabes Unidos, Brasil e Estados Unidos (no apagar das luzes da era Biden). O Uruguai apresenta um movimento interessante nos últimos anos: aprovou sua política nacional sobre mudança do clima em 2017, mesmo ano em que apresentou sua 1ª NDC como compromisso alinhado a “Paris”; em 2022, apresentou sua 2ª NDC e, agora, antes mesmo de ela completar os 5 anos de ciclo, já atualiza ambição em uma 3ª NDC, que traz preocupação especial com resiliência e adaptação, para além do basilar da descarbonização. Vale lembrar que o país está relativamente próximo ao nível do mar.
A capital, Montevidéu, que concentra quase metade da população do país, está a nível do mar. Áreas com altitude superior a 300 metros são uma raridade no país, o que sinaliza risco e exposição de seus 3,5 milhões de habitantes à elevação dos oceanos, além de outros eventos climáticos.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 13 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 43 municípios. As tipologias Chuvas Intensas e Vendaval predominaram a Sudeste e a Sul; já Estiagem predominou no Nordeste. O estado de Santa Catarina sofreu com alagamentos e, em consequência deles, um pescador morreu. Até o fechamento desta edição, 18 municípios foram afetados, 11 dos quais decretaram estado de emergência, e se aproxima de mil o número de desabrigados.
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA NA MÍDIA
Folha de São Paulo | Em reportagem que discute a necessidade de mudanças no setor de seguros ante os efeitos das mudanças climáticas, cita-se o exemplo da Indonésia, dado por Natalie Unterstell, presidente da Talanoa: desconto em impostos para cidadãos que adotarem medidas preventivas. |
Capital Reset | Em artigo de Sérgio Teixeira Jr. que critica a demora para a definição quem presidirá a COP-30, Natalie Unterstell explica a importância do cargo para o sucesso das negociações que se desenrolam ao longo do ano, culminando em Belém. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO