NDC do Brasil detalha políticas climáticas; meta para 2035 mira acessar mercados internacionais de carbono

NDC do Brasil detalha políticas climáticas; meta para 2035 mira acessar mercados internacionais de carbono

Nesta quarta-feira, em Baku, no Azerbaijão, o vice-presidente Geraldo Alckmin entregou pessoalmente a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil a Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC).  

O documento da NDC, agora disponível no portal do Registro de NDCs da UNFCCC, possui 44 páginas e inclui informações tanto sobre políticas internas quanto sobre as metas internacionais para 2035.

Resumo

Como interpretar a meta para 2035: A NDC estabelece uma meta de emissões entre 1,05 e 0,85 GtCO2e (GWP AR5) até 2035. Isso corresponde a uma redução de 59% a 67% das emissões até 2035 em comparação com os níveis de 2005, o ano-base adotado pelo Brasil. Notavelmente, para monitorar o progresso futuro sob o Artigo 4.3 do Acordo de Paris, apenas o limite superior – 59% abaixo dos níveis de 2005 (1,05 GtCO2e) – serve como referência.  

Como se compara ao GST: A NDC do Brasil mostra progresso, mas falta ambição máxima, com as metas para 2035 ficando aquém da recomendação do GST, de 60% de redução em relação a 2019. A referência do Brasil corresponde a uma redução de 59% a 67% em relação a 2005 – uma redução de 39% a 50% em comparação com os níveis de 2019 (veja gráfico abaixo).  

Ambição: Pela primeira vez, o Brasil explicita sua intenção de transferir resultados de mitigação internacionalmente (ITMOs) sob o Artigo 6 do Acordo de Paris. A NDC deixa claro que o limite superior da meta para 2035 serve como base para isso. Portanto, se as emissões atingirem 1,05 GtCO2e, qualquer excedente poderá ser vendido ou transferido para apoiar outras Partes a cumprir suas metas. Para o Brasil, isso significa se aproximar do limite inferior de 850 GtCO2e. Para o planeta, no entanto – onde o que importa são as emissões totais – é um jogo de soma zero: as reduções creditadas a uma Parte efetivamente compensam emissões em outro lugar, deixando o balanço global inalterado.  

Transição dos combustíveis fósseis: O Brasil sinaliza seu compromisso com o Parágrafo 28 do GST ao delinear esforços para eliminar os combustíveis fósseis em diversos setores através de sua política energética nacional. No entanto, a NDC carece de metas explícitas, medidas detalhadas e cronogramas claros, falhando em fortalecer sua transparência e eficácia a longo prazo.  

Natureza: A NDC demonstra um forte compromisso em alcançar o desmatamento zero e planos para a restauração em larga escala de vegetação nativa. Reflete os recentes sucessos na redução das taxas de desmatamento em biomas-chave como a Amazônia e o Cerrado.  

Adaptação: Pela primeira vez, a adaptação é destacada na NDC brasileira. Metas e compromissos ainda precisam ser determinados por meio de políticas internas.  

Clareza e transparência: Embora a NDC busque ser abrangente, a inclusão de faixas de emissões introduz ambiguidade, comprometendo sua ambição percebida.  

Implementação: A NDC fortalece a governança climática detalhando instrumentos de políticas nacionais e processos intergovernamentais projetados para apoiar o cumprimento de suas metas.  

Ação: A NDC fornece uma base para avançar políticas, mas requer um engajamento mais amplo da sociedade e compromissos mais claros para mobilizar ações significativas.

Pontos-chave da NDC do Brasil:

Ancorada em políticas internas  

Diferentemente das versões anteriores, a NDC apresentada pela administração Lula-Alckmin delineia uma visão ampla dos esforços e políticas detalhadas para implementar os compromissos de mitigação e adaptação. Essa abordagem, fundamentada no desenvolvimento de políticas internas, é um passo bem-vindo. Apenas a ambição não é suficiente – a lacuna de implementação deve ser fechada, tanto no Brasil quanto globalmente.  

Comprometida com um país sem desmatamento  

No que diz respeito ao desmatamento, principal fonte de emissões do Brasil, reconhecemos os resultados positivos na redução das taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado. A NDC do Brasil reflete visão, ambição e um compromisso concreto de acabar com o desmatamento nesta década, incluindo o controle do desmatamento legal.  

Sinaliza a transição dos combustíveis fósseis  

Ao sinalizar na NDC um compromisso com a implementação do Global Stocktake (GST, Balanço Global), especialmente o parágrafo 28 sobre a transição dos combustíveis fósseis, o Brasil envia uma mensagem oportuna para os atores nacionais. Para fins nacionais, é crucial estabelecer a NDC como uma estrutura orientadora – particularmente para futuros planos e orçamentos energéticos. Também demonstra que o Brasil está pronto para se posicionar como líder climático entre as nações produtoras de petróleo, gás e carvão. No entanto, o país precisa ir além do que está declarado no documento, trabalhando com parceiros e internamente para planejar essa transformação sistêmica.  

Ambição  

Nas metas de mitigação, no entanto, o governo brasileiro ainda não apresentou sua máxima ambição. Para 2035, a NDC estabelece uma meta de emissões entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas. No entanto, conforme indicado em diferentes partes da submissão, o limite superior de 1,05 bilhão de toneladas servirá como base para o monitoramento de progresso e para os mecanismos do Artigo 6. Estudos de organizações brasileiras sugerem que os compromissos poderiam ser aprofundados, ultrapassando a recomendação de redução de 60% em relação aos níveis de 2019 proposta pelo GST. Dado o foco crescente do Brasil em implementação, há uma oportunidade de revisitar esses números no devido tempo.

Progressão

Um aspecto crítico das NDCs é a necessidade de progressão. Cada submissão deve refletir um aumento na ambição, seja aprofundando cortes de emissões, acelerando a transição dos combustíveis fósseis, adotando novas políticas e medidas ou fortalecendo os sistemas de governança e transparência.

A nova NDC mantém os limites de emissões de 1,3 GtCO2e para 2025 e 1,20 GtCO2e para 2030, apresentados anteriormente. No entanto, o governo introduziu novas políticas e fortaleceu sua capacidade de implementação. Notavelmente, a redução nas taxas de desmatamento em 2022 e 2023 demonstra uma ação antecipada rumo às metas de mitigação para 2025 e 2030.

Para 2035, o Brasil adota uma meta de redução adicional de emissões em todos os gases e setores. Foi apresentada uma faixa de 1.050 a 850 milhões de toneladas de CO2e para 2035, representando uma redução de 39–50% em relação às emissões líquidas de 2019 (1.712 MtCO2e). No entanto, isso fica aquém da recomendação do GST, que exige reduções de pelo menos 60% até 2035.

O governo planeja alcançar esse nível por meio de uma combinação de políticas, avanços tecnológicos e investimentos na bioeconomia, energia limpa e infraestrutura.

Do ponto de vista prático e legal, o limite superior de 1.050 milhões de toneladas servirá como referência para o desenho de políticas, incluindo orçamentos de carbono, mecanismos de mercado e transferência internacional de resultados de mitigação (ITMOs).

Consideramos isso insuficiente, pois representa reduções limitadas de emissões (100 milhões de toneladas) entre 2030 e 2035, enquanto o foco está nos ITMOs.

Visão de longo prazo

Outro elemento importante é o compromisso do Brasil em alcançar emissões líquidas zero até meados do século. O Artigo 4.1 do Acordo de Paris estabelece que, na segunda metade do século, as emissões humanas e as remoções de gases por sumidouros naturais devem ser equilibradas. Essa meta de longo prazo, combinada com o aumento progressivo das NDCs, é essencial para alcançar a estabilidade climática. A nova NDC do Brasil mantém seu compromisso com a neutralidade climática até 2050.

Por um lado, essa meta abrange todos os gases de efeito estufa, exigindo reduções significativas de carbono na década anterior, além de esforços muito maiores para abordar as emissões de metano. Por outro lado, o governo brasileiro perdeu a oportunidade de definir melhor seu compromisso, continuando a depender do conceito ambíguo de neutralidade climática, que assume um papel predominante para compensações e remoções na trajetória de longo prazo. Além disso, o Brasil ainda não apresentou uma estratégia de longo prazo (LTS), permanecendo como um dos três países do G20 com essa tarefa pendente.

Por fim, é positivo que a NDC do Brasil inclua um bem-vindo apelo para que os países desenvolvidos avancem suas metas de emissões líquidas zero para 2040 ou 2045.

Adaptação e perdas e danos

A NDC dedica uma seção específica à adaptação, sinalizando sua importância e prioridade. No entanto, não estabelece metas claras ou objetivos acionáveis, como exigir que investimentos em infraestrutura incorporem gestão de riscos climáticos e medidas de resiliência. Perdas e danos são mencionados apenas uma vez. Esses aspectos devem ser mais elaborados dentro do Plano Climático e integrados aos programas nacionais de investimentos em infraestrutura.

Transparência

A NDC do Brasil inclui todos os gases listados no Protocolo de Kyoto, cobre todos os setores, define metas incondicionais e fornece transparência sobre como sua submissão reflete uma parcela justa de esforço. Sua elaboração foi baseada na melhor ciência disponível.

No entanto, como mencionado anteriormente, ela carece de compromissos mensuráveis com prazos específicos e mecanismos para monitoramento independente.

Participação

A NDC do Brasil não passou por um amplo e inclusivo processo de consulta à sociedade sobre seu conteúdo. Apenas uma consulta geral sobre política climática foi realizada, com uma consulta em andamento sobre a estratégia de adaptação. Para garantir apoio à implementação da NDC e incentivar metas subnacionais e corporativas alinhadas aos objetivos de curto e longo prazo, é necessário que a NDC ganhe legitimidade junto à sociedade brasileira. A NDC afirma: “O Plano Climático estabelecerá uma visão integrada para a agenda climática nacional, envolvendo o governo federal, estados, o Distrito Federal e municípios, juntamente com a sociedade civil, o setor privado e a comunidade científica, em resposta à crise climática.” Esperamos que essa promessa seja cumprida, fortalecendo a visão com a implementação de metas nacionais envolvendo estados, municípios, consórcios e outros arranjos, juntamente com a regulamentação de agentes econômicos.

Transição dos combustíveis fósseis

O Brasil sinaliza seu compromisso com o Parágrafo 28 do GST ao delinear esforços para eliminar os combustíveis fósseis em diversos setores por meio de sua política energética nacional. No entanto, a NDC carece de metas explícitas, medidas detalhadas e cronogramas claros, falhando em fortalecer sua transparência e eficácia a longo prazo.

Natureza

A NDC demonstra um forte compromisso em alcançar o desmatamento zero e planos para a restauração em larga escala de vegetação nativa. Reflete os recentes sucessos na redução das taxas de desmatamento em biomas-chave como a Amazônia e o Cerrado.

Comentários

​​Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa

“A meta para 2035 demonstra o progresso do Brasil, mas precisamos continuar elevando a barra. Ambição ancorada em 1,05 GtCO2e deve ser um ponto de partida, não um limite, em nossa liderança climática. A intenção do Brasil de vender resultados de mitigação internacionalmente (ITMOs) deve complementar – não substituir – reduções ambiciosas de emissões internamente.”  

“Os esforços do Brasil para abordar o desmatamento e a restauração sinalizam esperança, mas cumprir o Balanço Global (GST)  exige mais ambição e ações mais rápidas em todos os setores.”  

“O Brasil é um dos primeiros a apresentar sua NDC para 2035 e demonstra um histórico impressionante na redução de emissões por desmatamento. Agora, é hora de o país dar passos audaciosos na implementação da transição dos combustíveis fósseis e inspirar outros países produtores a fazerem o mesmo.” 

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