É adaptando que se faz o caminho

Foto: Arquivo/Marcelo Camargo/Agência Brasil

Preparar o Brasil para eventos climáticos extremos, cada vez mais intensos e frequentes, é o foco da Estratégia Nacional de Adaptação, trazida a público pelo governo nesta semana (leia análise da Política por Inteiro). O documento é a primeira parte do Plano Clima, em elaboração desde o ano passado, e que deve direcionar o país a uma economia de emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050. Depois de um  processo de oficinas de participação, a Estratégia está em consulta pública até 13 de novembro. 

A Estratégia é uma revisão do primeiro Plano Nacional de Adaptação (PNA), criado em 2016, e reconhece a necessidade de evitar hiatos na adaptação do país, o que dessa vez inclui amadurecer sua institucionalidade e governança. O desenho atual considera, para cada ação prevista, os locais prioritários, o público-alvo e o prazo de implementação em consonância com conceitos-chave como justiça climática e adaptação baseada em ecossistemas (AbE).

Dezesseis temas-alvo serão desdobrados em planos setoriais que comporão o novo Plano Clima Adaptação. De cidades a oceanos, passando por povos e comunidades tradicionais, agropecuária, saúde e igualdade racial, sem esquecer de setores como indústria, energia e até segurança alimentar e nutricional. Não se poderá dizer que a Estratégia deixou de buscar uma visão ampla do desafio brasileiro de adaptar-se à mudança do clima.

Na gestão pública, trazer adaptação para o jogo é considerar que risco climático é conceito essencial a se levar em conta antes de qualquer decisão de interesse coletivo. Da trinca dos elementos ameaça–exposição–vulnerabilidade que formam esse risco, os dois últimos podem ser muito bem manejados por uma ação governamental preocupada em adaptar. Nesse cenário, o Brasil tem múltiplas oportunidades de gol. Uma delas deve ser a revisão de prioridades no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que muito ainda destina recursos para intervenções mais-do-mesmo, ignorando o risco climático que investimentos públicos mal calibrados podem desencadear, vide a expansão da exploração de óleo e gás abraçada pelo PAC. Em outros casos, o problema nem mora exatamente em “o que” se faz, mas “como” se faz, a exemplo da expansão da malha de transportes, com a insistente preferência pelo modal rodoviário, atravessando ecossistemas cujo equilíbrio é crítico. 

Em matéria de adaptação, outra bola que o Brasil precisa matar no peito e conduzir ao ataque é a da governança, já que o governo federal dificilmente fará muitos gols jogando sozinho. Para funcionar com consistência, adaptação é um jogo que se joga com muita gente, e estados, municípios, sociedade civil e empresariado também têm suas funções dentro de campo. 

Não somente o Plano Clima Adaptação, mas também – vale lembrar – a Lei de Diretrizes para Adaptação Climática, aprovada e sancionada neste 2024, são instrumentos de alta relevância para moldar políticas públicas em todo o Brasil. Esses instrumentos necessariamente dependem de capilaridade para influenciar o nível local em 5.570 “microcosmos” diferentes no Brasil. Articulação federativa, financiamento coerente, aprendizagem contínua e capacidade de intercambiar lições e boas práticas são habilidades que podem levar o país a vencer a partida contra a inação.

No campeonato da emergência climática, quem se adaptar primeiro perde menos. E agir rápida e inteligentemente fará toda a diferença entre teoria e prática. Independentemente da região, uma gestão pública direcionada por investimentos em adaptação investirá na sua própria capacidade de investimentos públicos no futuro. Do contrário, tende a ter as receitas “sequestradas” pelo aumento do custeio e dos gastos com remediação. 

É aí que o Legislativo também joga: da Câmara Municipal ao Congresso Nacional, se nossos parlamentares entenderem o que é adaptação à mudança do clima, crescem as chances de um funcionamento azeitado da máquina pública, o que certamente se converte em dividendos políticos aos envolvidos. 

No contexto da emergência climática, adaptação é a senha para o desenvolvimento, mas não qualquer um: trata-se de um desenvolvimento resiliente ao clima. A própria Estratégia Nacional frisa que os impactos da mudança do clima podem levar mais de 3 milhões de brasileiros à pobreza extrema até 2030, além de representar prejuízos em torno de R$ 1,8 trilhão no PIB e 3,4 milhões de empregos que deixariam de existir no Brasil até 2050. Diante disso, colocar em prática uma Estratégia Nacional de Adaptação implica lidar com desafios que dizem respeito à nossa própria forma de pensar e executar políticas públicas. É um desafio de refazimento do espírito público e do que é viver em coletividade. 

Para além do desafio econômico, a segurança alimentar, nutricional, hídrica e energética, e a maior resiliência das infraestruturas natural e artificial são taças que o Brasil não pode deixar de conquistar.

TÁ LÁ NO GRÁFICO

O Tá Lá no Gráfico desta semana destaca os múltiplos acionamentos da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Apesar de o uso da Força ser uma ferramenta, em tese, de “caráter episódico e planejado”, e “por tempo determinado”, o que se vê na prática é uma profusão de convocações em modo emergencial e com sucessivas prorrogações de permanência, o que revela a urgência da presença estatal em lugares onde a institucionalidade não chega, assim como na resolução de impasses pela terra que há anos se arrastam no Brasil. Uma política fundiária eficiente, com respeito aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, é componente essencial nas ações para lidar com a emergência climática e promover o desenvolvimento sustentável.

FRASE DA SEMANA

Susana Muhamad, ministra colombiana para meio ambiente. Foto/Reprodução: Ministério de Meio Ambiente da Colômbia.

“O mundo não tem tempo a perder. Todos concordamos que não temos recursos [financeiros] suficientes para esta missão [de frear a emergência climática].”

Susana Muhamad, ministra de meio ambiente e desenvolvimento sustentável da Colômbia, e presidente da COP-16 da Biodiversidade, ao repercutir a fala de seu chefe, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, sobre os países ricos ainda estarem na contramão do financiamento de políticas climáticas.

ABC DO CLIMA

Maladaptação – conjunto de estratégias, ações ou políticas de adaptação climática que, sob pretexto de reduzir vulnerabilidades, acabam gerando efeito inverso e agravam os impactos negativos das mudanças climáticas a longo prazo. Essas ações podem aumentar o risco de futuros danos, transferir vulnerabilidades para outros grupos ou regiões, ou resultar em custos sociais, ambientais ou econômicos indesejados.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 20 atos relevantes para a política climática nesta semana. O tema mais recorrente foi Terras e Territórios, com 11 atos, número puxado por várias declarações do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que trazemos a seguir. A classe mais frequente foi Regulação, presente em metade do total de atos.

Sai a segunda MP motivada pela crise do fogo

Nesta semana, um novo capítulo no pacote de medidas antifogo na Amazônia. Uma Medida Provisória abriu crédito extraordinário de quase R$ 1 bilhão para ações de prevenção, combate – e agora remediação – a crimes relacionados ao uso do fogo na região. Embora não trate de repasses a entes estaduais e municipais, a medida injeta fôlego local através de sete diferentes ministérios, com destaque para os da Pesca e Aquicultura (MPA) e da Saúde (MS), com o foco de mitigar os efeitos do fogo, da fumaça e da estiagem, que se retroalimentam entre si.

A Política por Inteiro fez uma análise detalhada acerca da MP.

Aumenta o placar de declaratórias pró-indígenas

Nesta semana, o Ministério da Justiça e Segurança Pública reduziu um tanto mais o tamanho da fila de espera das chamadas portarias declaratórias de posse permanente de terras em favor de povos indígenas. Mais sete reconhecimentos foram publicados. Desta vez, todos no estado de São Paulo, pró-indígenas dos troncos Guarani e Tupi

As terras indígenas (TIs) declaradas de posse permanente nesta semana foram: 

Após as portarias declaratórias terem entrado em vigor de imediato, os povos indígenas seguem no desafio de obter, no tempo mais breve possível, a demarcação destas terras e, em seguida, a devida homologação, a ser feita pelo Chefe do Executivo, como determina o procedimento brasileiro. 

Somados aos quatro atos ocorridos em setembro, vai a 11 o número de TIs declaradas de posse permanente no atual governo. Até o momento, estas declarações totalizam, em área, 1,23 milhão de hectares.

MMA recria GT sobre Fundo “Eterno” para Florestas

Nesta semana, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima lançou nova portaria para regular os trabalhos do Grupo de Trabalho (GT) para a concepção e a operacionalização do chamado Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, como vem sendo conhecido, pela sigla em inglês). Na prática, a norma reforma uma portaria do início deste ano, que havia criado o GT. Com escopo e cadeiras inalterados, foram verificadas mudanças apenas: 

  • Na duração do GT, que agora passa de 3 meses para 1 ano, prorrogável indefinidamente até que os trabalhos se encerrem (o que sinaliza que a proposta do Fundo é mais complexa do que o inicialmente projetado), e
  • Na periodicidade de relatos de progresso dos trabalhos, a cargo do Serviço Florestal Brasileiro, que passa de 1 para 3 meses, na regra atual. 

O TFFF tem sido uma das propostas do governo brasileiro no contexto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), para fomentar protagonismo do Sul Global, ao beneficiar cerca de 70 países em desenvolvimento, com base em seus esforços de conservação de florestas e vegetação natural.

O governo brasileiro tem feito conversas com países potencialmente apoiadores, e espera idealmente captar 125 bilhões de dólares para que o fundo rode satisfatoriamente e estimule ainda mais conservação florestal e desenvolvimento territorial em bases sustentáveis, globalmente.

Um sinal da CGU

A Controladoria Geral da União (CGU) criou um Comitê Permanente de Gerenciamento de Crise (CPGC), voltado para lidar com situações de emergência ou estado de calamidade pública reconhecidos pelo Estado brasileiro. A norma propõe que a CGU se organize, do ponto de vista institucional, para melhor se colocar em sua tarefa de fiscalizar e analisar a eficiência dos gastos públicos federais, de modo a enfrentar as situações de desastres, que se impõem na nova realidade climática. A norma busca fundamento na Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC e determina que o Comitê subsidie a edição de atos normativos relacionados a medidas de enfrentamento a desastres. Tendo em conta a função fiscalizatória e portanto o “potencial pedagógico” dos atos da CGU sobre órgãos federais, a norma emite um sinal positivo, ao sugerir que a Controladoria compreende sua parcela de protagonismo no processo de centralidade da questão climática nas decisões de interesse público. 

Afinal, eventos climáticos extremos já são frequentes o suficiente para serem tidos como parte real dos grandes desafios contemporâneos brasileiros.

BRASIL

Nível dos reservatórios segue preocupando

Nesta semana, o Operador Nacional do Sistema Elétrico informou que o nível de água dos reservatórios do subsistema Sudeste-Centro-Oeste bateu 40,7% de volume. Esse percentual é bastante inferior aos 70,4% do mesmo subsistema, no mesmo período em 2023. Depois dele, o que mais preocupa é o subsistema Nordeste, com 45,2% do volume disponível.

Os subsistemas em melhor situação são Norte e Sul, com 66,4% e 65,1% do volume disponível, respectivamente. Ainda assim, não é zona de conforto: a Usina de Belo Monte, no Pará, por exemplo, abriu o mês de outubro operando com apenas 2 de suas 18 turbinas. Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, também têm dificuldades.

Nunca é demais lembrar: com menos florestas, não importa se por desmatamento, degradação ou por fogo, a consequência é inevitável: menos chuvas.

MUNDO

Lula volta a exigir responsabilidade de países desenvolvidos, via BRICS

O acidente doméstico que culminou no cancelamento da participação presencial de Lula a Kazan, Rússia, para a reunião anual dos BRICS, não o impediu de realizar um discurso incisivo de responsabilização de países desenvolvidos pela crise climática vivenciada pela humanidade. Lula chegou a dizer que o mundo está diante de um “Plano Marshall às avessas”, referindo-se a um financiamento massivo para o agravamento das condições de vida no planeta. O Globo repercutiu o discurso.

1ª semana em Cali, na COP-16

A primeira semana da Conferência da Biodiversidade (COP16), que iniciou dia 21 em Cali, na Colômbia, foi marcada por entraves sobre financiamento (leia mais no Blog da Política por Inteiro), metas de conservação e implementação do Protocolo de Nagoia, que trata do acesso aos recursos genéticos e a repartição justa de seus benefícios. 

Países desenvolvidos enfrentam pressão para mobilizar pelo menos US$ 20 bilhões até 2025, como acordado na COP15, em 2022, enquanto nações em desenvolvimento se opõem ao uso do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) para gerenciar esse dinheiro, exigindo um novo mecanismo financeiro. 

A questão do uso comercial de dados genéticos também tem criado divisões, com países em desenvolvimento pedindo uma taxa de 1% sobre os lucros gerados pelas grandes empresas, proposta rejeitada por países como Suíça e Japão. Além da repartição dos benefícios, grupos indígenas defendem que os países avancem em uma etapa prévia e essencial para a implementação do Protocolo – a demarcação de Terras Indígenas.

Ainda sobre esse tema, houve avanços nas discussões sobre os direitos dos povos indígenas, com a possibilidade de criação de um órgão permanente para garantir que 20% dos recursos cheguem diretamente às comunidades locais. Há consenso sobre a necessidade desse órgão, mas as nações ainda discutem se devem ou não incluir especificamente as comunidades afrodescendentes nos objetivos da CDB, ponto defendido por Brasil e Colômbia. Na Convenção de Biodiversidade mencionam-se os povos indígenas e comunidades locais, mas os povos afrodescendentes não existem no artigo 8 (j). Esse tema ganhou relevância com a vice-presidente Francia Márquez, a segunda mulher e a primeira afrodescendente a ocupar o cargo.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 7 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 48 municípios. Foram registradas situações de estiagem nas regiões Norte e Nordeste, seca e incêndios florestais no Sudeste e chuvas intensas e granizo ao Sul. No estado de Minas Gerais, que sofre com a falta de chuvas, já foram registradas  216 situações de emergência por seca em 2024.

4-Desastres-20241025

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

Capital ResetColuna de Natalie Unterstell que fala sobre o mercado de carbono e autoridade climática.
Agência PúblicaO Instituto Talanoa foi ouvido por Giovana Girardi, para o podcast Bom Dia, Fim do Mundo.
ECOA – UOLKamila Camilo cita Natalie Unterstell em entrevista sobre COP16 ao ECOA, da UOL.
(O texto deste Boletim Semanal é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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