Nesta semana, a Estratégia Nacional de Adaptação foi colocada em consulta pública. Parte do Plano Clima, o plano mais esperado do ano em matéria de resposta aos desastres vividos no país, a proposta já nasce com grandes responsabilidades. Uma delas é superar a sua primeira versão, desenhada em 2016, mas nunca, de fato, implementada. Enquanto o país seguia sem direcionamento , o clima mudou e tornou ainda mais urgente ampliar a capacidade de enfrentamento dos riscos climáticos por toda a sociedade e entes de governo.
Diagnóstico
A Estratégia traz um diagnóstico de como a mudança do clima já está acontecendo e se intensifica nas últimas décadas, pontuando seus impactos no Brasil. O documento também destaca o ponto de não retorno, ou ponto de inflexão, na análise de risco climático, caso a temperatura ultrapasse o limite de 1,5° C em relação ao período pré-industrial.
Segundo o panorama apresentado, o custo da inação é de R$ 1,8 trilhão no Produto Interno Bruto e de 3,4 milhões de empregos que deixariam de ser gerados no país até 2050. Chama a atenção que mais da metade (55%) das perdas e danos materiais decorrentes de eventos extremos da última década concentram-se nos últimos três anos. Parte dos impactos previstos decorre do aquecimento dos oceanos, com intensificação dos fenômenos do El Niño e La Niña, aumentando tanto a intensidade das chuvas como a frequência de secas prolongadas.
Todas as regiões do país sofreram com a intensificação de impactos e perdas e danos nos últimos anos, afetando primeiro populações socialmente vulnerabilizadas. Segundo o documento, o Nordeste aparece como região que congrega o maior número de pessoas afetadas (47%) por eventos extremos na última década, especialmente secas intensas, atingindo mais de 80% dos municípios e acentuando processos de desertificação.
De forma alinhada à Meta Global para Adaptação Climática da Convenção Quadro, a Estratégia Nacional de Adaptação apresenta temas-chave: segurança alimentar, energética e hídrica, biodiversidade e serviços ecossistêmicos, mobilidade humana, saúde, desastres e infraestruturas críticas. Partindo da premissa que os desafios de adaptação do Brasil são compartilhados por países vizinhos, considera-se que a estratégia brasileira possa servir como plataforma de diálogo e cooperação regional na América Latina, posto que se trata de uma das regiões mais vulneráveis no mundo.
Estrutura do documento
A Estratégia Nacional de Adaptação estabelece 13 diretrizes para ação:
- Promoção de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas suas múltiplas dimensões, considerando setores e temas estratégicos para o país, tendo em vista a redução de desigualdades e a transição justa;
- Promoção da justiça climática com base em suas dimensões de gênero, raça, etnia, idade, classe social e demais fatores que influenciam a vulnerabilidade;
- Promoção da proteção, conservação e preservação ambiental, orientadas pelos princípios da precaução e prevenção;
- Governança multinível e transversal, tendo em vista a coerência, sinergia e complementaridade entre estratégias, considerando as especificidades territoriais;
- Promoção da transparência e dos processos participativos com a sociedade:
- Integração da adaptação em políticas, programas e projetos que possam ser afetados pela mudança do clima, contemplando iniciativas estruturantes e incluindo a perspectiva de longo prazo;
- Fortalecimento de capacidades institucionais nos diferentes níveis governamentais, incluindo aquelas necessárias para o acesso a fontes de financiamento para a adaptação e outros meios de implementação;
- Promoção de cobenefícios entre a adaptação e a mitigação das emissões de GEE;
- Adoção do melhor conhecimento disponível, com base na ciência, nas boas práticas setoriais e da sociedade, no conhecimento tradicional e demais fontes consideradas apropriadas;
- Integração de ações incrementais e transformacionais, baseada na compreensão de riscos relacionados ao clima e seus múltiplos fatores condicionantes, com diferentes horizontes temporais e escalas de execução;
- Promoção da sensibilização e da conscientização pública sobre a mudança do clima, suas causas, consequências e abordagens para redução dos riscos;
- Adoção da abordagem de Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE) reconhecendo seu potencial de redução de riscos climáticos e vulnerabilidades de forma sistêmica, flexível, socialmente justa e custo- efetiva, e benefícios para os esforços de mitigação, simultaneamente;
- Garantia da flexibilidade e adaptabilidade das estratégias, com revisões do Plano e mudanças de contexto a fim de incorporar atualizações de informações e conhecimentos gerados, assim como lições aprendidas.
São nove os objetivos listados da estratégia, que devem se desdobrar em planos setoriais e de ação, com meios de implementação e monitoramento
- Aumentar a resiliência das populações, das cidades, dos territórios e das infraestruturas frente à emergência climática;
- Promover a produção sustentável e resiliente e o acesso regular da população a alimentos saudáveis e em qualidade e quantidade adequadas;
- Promover a segurança hídrica, disponibilizando água em qualidade e quantidade suficientes para os usos múltiplos, como abastecimento, produção, energia e ecossistemas;
- Proteger, conservar e fortalecer ecossistemas e a biodiversidade e assegurar o provimento dos serviços ecossistêmicos;
- Resguardar a saúde e o bem-estar das populações respeitando os modos de vida dos povos e comunidades tradicionais.;
- Garantir a segurança energética, de forma sustentável e acessível;
- Promover o desenvolvimento socioeconômico e a redução das desigualdades;
- Proteger o patrimônio cultural e preservar práticas culturais e locais de patrimônio frente aos riscos relacionados à mudança do clima;
- Fortalecer o papel vital do oceano e da zona costeira no enfrentamento da mudança do clima.
Quando as medidas de adaptação climática falham, lidamos com as Perdas e Danos. Até agora, o Brasil tem tratado os eventos extremos de forma a conter e reparar o estrago já feito. Em termos financeiros, a devastação no Rio Grande do Sul, em um dos eventos extremos, já custou aos cofres da União mais de R$ 50 bilhões, sem dimensionar as perdas não-econômicas, de grandeza ainda maior.
Numa primeira análise, a Talanoa avalia que a estratégia traz um diagnóstico robusto, dotado de conceitos bem apurados e com uma lente de justiça climática e de Adaptação Baseada em Ecossistemas (AbE). Em suma, consideramos tratar-se de uma visão orientativa aos 16 setores que construirão planos para lidar com os desafios impostos pelos impactos da mudança do clima. Por fim, adaptação tem limite e a Estratégia o evidencia. Espera-se que o Plano Clima Mitigação, ainda em desenvolvimento, não tarde em nascer e alinhar-se a seu par, guiando a política climática nacional até 2035.