Em Cali, palavra de ordem também é DINHEIRO

Susana Muhamad, ministra de meio ambiente da Colômbia, e presidente da 16ª Conferência das Partes para a Biodiversidade, destacou que “não temos fundos”. Foto: Reprodução/Flickr UN Biodiversity

Não importa se o foco é clima, biodiversidade ou oceanos. Quando o assunto é o futuro do planeta, um tema que sempre rouba os holofotes nas grandes negociações internacionais é … dinheiro, money, “bufunfa”… como queira chamar. Desde a plenária de abertura da 16ª Conferência da Biodiversidade da ONU, que começou dia 21 de outubro em Cali, na Colômbia, a presidente da COP16 e ministra colombiana do Meio Ambiente, Susana Muhamad, alertou: “Não temos fundos. Todos concordamos que precisamos de novas fontes de financiamento”. Sua fala foi reforçada pelo discurso do presidente colombiano Gustavo Petro, que propôs um ‘Plano Marshall’ focado na ação climática, e do secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, que apelou aos países-membro para “cumprir as promessas sobre financiamento e acelerar o apoio aos países em desenvolvimento”.

Assim como na Conferência do Clima de Baku (COP29), que começa daqui a menos de três semanas e que trará para o centro do debate a “nova meta coletiva e quantificada para o financiamento climático” (NCQG, na sigla em inglês), as discussões sobre conservação da biodiversidade em Cali também estão focadas em quem deve pagar quem a fim de garantir a conservação dos ecossistemas – além do montante necessário para tal. Um dos principais objetivos da COP16 é a revisão do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, adotado na COP15 no Canadá, em 2022, que estabelece 23 metas para “deter e reverter” a perda de biodiversidade até 2030 e “restaurar a harmonia com a natureza” até 2050. Entre elas, está um valor de US$200 bilhões anuais para financiar os esforços globais de conservação dos biomas, como proteger 30% da natureza até 2030, reduzir pela metade o desperdício de alimentos e adotar práticas agrícolas que respeitem o meio ambiente. Este montante contribuiria para reduzir o gap de financiamento para a biodiversidade estimado em U$ 700 bilhões. Os outros U$ 500 bi viriam de subsídios prejudiciais à natureza que os países se comprometeram a reduzir.

Segundo acordado no Marco Global, países desenvolvidos precisam destinar, inicialmente, pelo menos US$ 20 bilhões anuais a partir de 2025, e aumentar gradativamente esse montante para US$ 30 bi anuais até 2030. No entanto, ainda não há uma clareza sobre como, quando e quanto os países desenvolvidos efetivamente vão pagar.

Em agosto de 2023, oito meses após a COP15, foi criado o Fundo-Quadro Global para a Biodiversidade (GBFF), pertencente ao Fundo Global para o Meio Ambiente  (Global Environmental Facility, GEF), para este fim. Porém, uma análise recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou que o financiamento para a biodiversidade só atingiu, até o primeiro semestre deste ano, cerca de 23% da meta de US$ 20 bi.

Como se não bastasse a falta de compromisso com o dinheiro acordado, já nos primeiros dias de negociações em Cali, representantes de países em desenvolvimento passaram a questionar o montante, alegando que o valor estabelecido em 2022 está aquém do necessário para proteger a natureza. Gillian Guthrie, porta-voz do Grupo Latino-Americano e Caribenho (GRULAC) na COP16, indicou que um maior financiamento é pré-requisito para implementar as demais metas do Quadro Global para a Biodiversidade. “Os fundos são claramente insuficientes e significam que muitos projetos não podem ser implementados”, disse na primeira reunião plenária. Além disso, a implementação dos mecanismos de financiamento – que inclui a possibilidade da criação de outros fundos – também está na mesa de debates.

Durante as negociações, a delegação do Zimbabwe, que compõe o grupo africano, defendeu a criação de um fundo dedicado à biodiversidade, livre das amarras do GEF. Eles afirmam que o dinheiro do GEF é difícil de acessar e se move muito lentamente. Já representantes do Canadá discordaram, sustentando que o fundo para a biodiversidade deve permanecer dentro do mecanismo. A Colômbia, por sua vez, defendeu a ampliação de fontes inovadoras de financiamento.

Tudo isso vem sendo negociado dentro das salas da conferência. Enquanto isso, do lado de fora, comunidades indígenas tomaram as ruas de Cali em um apelo para que recebam “financiamento direto” como “compensação” pela proteção da biodiversidade.

Não à toa, já no quarto dia da conferência, a ministra Susana Muhamad descreveu o financiamento como a  “questão mais sensível, com diferenças significativas entre as partes”. No entanto, ela disse que foi acordada uma metodologia para guiar as negociações.

A conferência da Colômbia termina no dia 1 de novembro, o que significa que os países-membro ainda terão intensas e extensas oportunidades de tentar chegar a consensos necessários para avançar no financiamento do combate à perda de biodiversidade, que hoje representa uma das grandes ameaças ao clima e à vida do Planeta, e de incluir os povos tradicionais nas tomadas de decisões.

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