Em Nova York, Lula terá chance de mostrar se vontade de liderar vai além do discurso

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará, nos próximos dias, um Brasil em chamas e sufocado pela fumaça para participar, em Nova York, de importantes eventos, como a Assembleia Geral da ONU, a Cúpula do Futuro e a Semana do Clima de Nova York. Será uma oportunidade para mostrar se o país vai lidar com a crise atual como um desafio momentâneo ou vai encarar com coragem as questões que a provocam.

Quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, o país vive uma crise sem precedentes, com ondas de incêndios espalhadas por praticamente todo o território – condição agravada pela seca extrema – meses depois de o Rio Grande do Sul ter ficado submerso por chuvas igualmente extremas.

Ao mesmo tempo, nos corredores de Brasília, as negociações seguem intensas e enfrentam resistência de vários setores para a elaboração de uma nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) mais ambiciosa. Esse é o documento que o Brasil (assim como os demais países signatários do Acordo de Paris) precisa submeter à ONU até fevereiro de 2025 – mas que sinalizou anunciar ainda neste ano, durante a COP29 – com os compromissos climáticos que assumirá para a próxima década.

Apesar do cenário desfavorável, as próximas semanas podem ser uma oportunidade para que o país, na condição de presidente do G20, próximo presidente do Brics e membro da Troika (grupo que conta também com Emirados Árabes e Azerbaijão, presidências das COP28, 29 e 30), assuma compromissos sérios e compatíveis com a missão de gerar credibilidade e realmente encabeçar uma agenda climática mais ambiciosa. “O discurso de Lula na ONU nos mostrará se o presidente optará pela liderança, comprometendo-se com uma transição corajosa para longe dos combustíveis fósseis e com uma adaptação acelerada para o Brasil, ou optará por um papel de vítima”, afirma a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell.

Chances para sinalizar seus compromissos não faltarão até o final de setembro. Lula será um dos primeiros a discursar no dia de abertura da Cúpula do Futuro e abrirá a Assembleia Geral da ONU, no dia 24 de setembro. Já durante a Semana do Clima, o país convocou, junto com a Troika, um encontro de alto nível para apresentar às demais nações signatárias do Acordo de Paris uma série de ações que estão sendo realizadas para se alinharem à Missão 1,5°C. Essa missão, de incentivar os países a elaborar novas NDCs que respondam ao compromisso de limitar o aquecimento do planeta em um grau e meio e de adaptar suas populações à nova realidade climática, vem sendo abraçada pelo Brasil desde novembro do ano passado, quando se formou a Troika.

Ao longo desses dez meses, o país tem feito manifestações à comunidade internacional indicando que pretende “liderar pelo exemplo”, o que significa anunciar metas mais ambiciosas de redução de gases de efeito estufa, estratégias para proteger suas populações e indicar os caminhos para o abandono dos combustíveis fósseis. São compromissos importantes, já que, até agora, nenhum líder do G20 comprometeu-se consistentemente com a transição energética e a adaptação à mudança do clima. Só que, internamente, os atos têm sido ambíguos, com o governo mantendo a postura de continuar explorando petróleo e dando poucos sinais claros sobre como vai adaptar o país às mudanças que um mundo mais quente demanda.

Os desafios, apesar de grandes, podem ser superados. O país tem vantagens para reduzir as emissões domésticas e pode fazê-lo mais rápido e a menor custo que outros. “O Brasil já demonstrou a capacidade de realizar reduções anuais mais rápidas no passado com queda do desmatamento, mas também precisa de um plano para completar a transição energética que inclua ações concretas para zerar emissões líquidas, a substituição total do carvão mineral nesta década e a adaptação do sistema elétrico nacional. No quesito adaptação, o país precisa de estratégia com peso político, como condicionar investimentos públicos à avaliação dos riscos climáticos”, diz Unterstell.

As falas de Lula em Nova York sinalizarão se o país está efetivamente disposto a assumir compromissos reais, ambiciosos e implementáveis para o enfrentamento da crise climática, ou se vai permanecer no papel de liderança dessa agenda apenas no discurso.

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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