Um chamado à autoridade

Um dos principais climatologistas brasileiros está “apavorado” com a rapidez que se dá a elevação da temperatura do planeta. “A crise explodiu”, disse Carlos Nobre em entrevista ao Estadão. Eventos extremos intensos e mais frequentes impressionam especialistas e afetam populações mundo afora. No Brasil, à mudança do clima se somam os crimes que não mudam. “Quando alguém bota fogo na floresta quando está seco e quente, as chamas se espalham mais rápido. Por mais que o desmatamento tenha sido reduzido, os grupos que fazem desmatamento ilegal e a grilagem de terras, e que estão sendo reprimidos pelo Ibama, ICMbio e polícia, continuam agindo.”

Em mais uma semana de manchetes tomadas pelos impactos de seca, estiagem, onda de calor e fogo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o Brasil terá uma autoridade climática e um Plano Nacional de Enfrentamento aos Riscos Climáticos Extremos. Em Manaus, com uma comitiva de ministros, incluindo Marina Silva, retomou uma promessa de campanha. Afirmou que enviará em forma de Medida Provisória ao Congresso a nova estrutura, que contará ainda com um comitê técnico científico para apoiar as ações do governo federal.

A princípio, mais voltada para adaptação, ainda não há detalhes oficiais de como ela irá funcionar, onde aterrissa e como se “azeita” com outras instituições, como o próprio Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Aparentemente, o governo ainda avalia os custos desse funcionamento e a estratégia a ser utilizada na negociação com o Congresso.

Ainda no Executivo, ministérios da Fazenda, Indústria e Comércio, e Minas e Energia já começam a ter que lidar com fantasmas (não tão) adormecidos do passado, que diante do caos dão mostras de que podem acordar: inflação e apagão ainda são riscos potenciais, mas já preocupam. Com eles, a retração.

Pelos lados do Legislativo, a contribuição sempre pode ser decisiva: qualificar como hediondo o tipo penal que caracteriza os incendiários e aumentar a pena para esse tipo de barbaridade já são projetos de lei. Em linha similar, a ministra Marina Silva tem defendido que a legislação determine a expropriação (perda do imóvel) a quem devidamente julgado e condenado. Quem conhece o Brasil sabe que mexer no bolso sempre foi um dos remédios pedagógicos mais eficazes para quem ignora que vivemos todos em coletividade. Os presidentes da Câmara e do Senado lembrarão que há poucos dias assinaram um Pacto pela Transformação Ecológica do país?

Outro ponto que importa: o governo federal, sozinho, não dará conta de um problema desse tamanho. Ou os governos estaduais e municipais entram – mas entram pra valer! – no jogo, ou o Brasil seguirá patinando em efetividade de políticas públicas. Para isso, também é necessário que a União veja estados e municípios de maneira diferente do que sempre houve até aqui, e lhes aporte condições e maciço apoio. Uma boa hora para que o “mais Brasil, menos Brasília” saia do discurso e aterrisse na vida real.

O ministro Flávio Dino (STF) está certo: a sociedade brasileira não pode flertar com a normalização do absurdo. Se isso acontecer, não há como pensar numa trajetória de desenvolvimento nacional de longo prazo, muito menos com o compromisso de descarbonização do país. Dessa forma, qualquer planejamento é natimorto. E, sem planejamento, a execução de políticas públicas será um looping infinito de apagar incêndios. Em todos os sentidos.

TÁ LÁ NO GRÁFICO

As altas temperaturas e a umidade do ar abaixo dos 15% em algumas regiões do Brasil trouxeram desconforto à população. A piora na qualidade do ar foi agravada, em certos locais, pela atmosfera carregada de micropartículas decorrentes de incêndios em florestas, pastos e outras coberturas secas pela falta de chuvas. São Paulo figurou em alguns momentos como a cidade com o ar mais poluído em um ranking global com 120 centros urbanos. Saiba mais sobre a qualidade do ar no Brasil e as consequências para a saúde no TÁ LÁ NO GRÁFICO da semana:

FRASE DA SEMANA

“A crise explodiu. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes. (...) Estou apavorado.”

Carlos Nobre, proeminente climatologista brasileiro e membro da Academia Real de Ciências do Reino Unido, sobre os eventos climáticos das últimas semanas, em entrevista para o Estadão. Foto: Divulgação/IEA.

ABC DO CLIMA

Transição EnergéticaÉ o processo de transformação da produção, do transporte e do consumo de energia pelos diferentes setores da economia, de modo a trocar, gradual e consistentemente, as fontes fósseis (petróleo, carvão, gás natural, xisto) por fontes renováveis e consideradas limpas, como incidência solar, força dos ventos e, a depender, biocombustíveis. A transição necessariamente deve mirar a neutralidade das emissões líquidas de Gases de Efeito Estufa (GEE) de um país. Transição remete a trânsito, que reflete movimento, mudar de um lugar para outro. Para acelerar essa jornada, alguns instrumentos podem ser utilizados. A precificação de emissões é um deles, e serve para moldar comportamentos e investimentos de empresas. A receita gerada a partir dessa precificação pode ser reinvestida em infraestruturas verdes, mais tecnologias para produção eficiente de energia limpa e diferentes iniciativas de conservação.

ELEIÇÕES MUNICIPAIS E CLIMA

O papel das cidades em atividades que contribuem para a crise climática e na construção de políticas públicas para enfrentar essa emergência é tema da série “O clima e as eleições municipais” do Nexo, apoiada pelo Instituto Talanoa. Na primeira reportagem do projeto, urbanistas e ambientalistas afirmaram como a questão climática aparece nas campanhas de 2024. “Os desafios das cidades brasileiras são inúmeros. Temos cerca de 11,4 mil favelas, onde moram 16,6 milhões de pessoas. Cerca de 7,5 milhões de pessoas estão desempregadas. Dois milhões e meio vivem em áreas de risco. Tivemos cerca de R$ 26 bilhões de prejuízo em danos em habitação de 2013 a 2022. Tudo isso aponta para um país com problemas estruturais amparados na vulnerabilidade — e, quando vem um evento climático extremo, os impactos se amplificam”, disse Rodrigo Jesus, porta-voz do Greenpeace Brasil, em O que considerar sobre crise do clima ao votar na eleição municipal.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 8 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 9 a 13 de setembro. O tema mais frequente da semana foi Institucional, devido à criação de comitês e a reestruturação da Casa Civil. Dessa forma, a classe mais frequente foi Reforma Institucional, com também 3 atos. A agenda predominante da semana foi governança.

Novas Resoluções do CNPE atualizam antigas: o que esperar?

Duas resoluções do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), assinadas ao final de agosto, mas somente publicadas nesta semana, trouxeram novidades em relação à política de óleo e gás no Brasil.

A primeira norma atualiza a Resolução CNPE nº. 15/2017, que trata de diretrizes para o mercado de combustíveis e o abastecimento nacional. As principais alterações foram:

– A inserção da diretriz “ampliação da produção de biocombustíveis” no país, onde antes se lia “ampliação da produção de derivados de petróleo” no país: positiva, em boa medida;

– A inserção da diretriz “promoção da transição energética e da redução dos poluentes nocivos à saúde”: positiva, em linha com a Decisão de Dubai;

– A exclusão da diretriz “transição para a nova configuração do mercado”: inconclusiva, pois não se sabe o que exatamente a norma entendia como “nova configuração” lá em 2017, quando foi editada;

– A inserção da diretriz “redução da dependência externa de combustíveis, com foco na autossuficiência e no aumento da competitividade”: sinais de alerta aqui. Esse tipo de fala está normalmente associada à expansão da exploração de óleo e gás, e é bastante comum nos discursos de presidentes da Petrobras e ministro de Minas e Energia; e 

– A inserção da diretriz “ampliação e modernização do parque de refino, observando a redução da intensidade de carbono nesta atividade”: contraditória, já que refinar mais subentende explorar mais petróleo, ao mesmo tempo em que se propõe a reduzir a pegada de carbono por m³ explorado.

Além disso, a norma extinguiu um Comitê Técnico conexo ao objeto da Resolução.

A outra norma atualiza a Resolução CNPE nº. 15/2018, que trata da política de comercialização de petróleo e gás natural pela União. A principal alteração foi a criação de um artigo específico dando uma série de atribuições (poderes) para que a estatal brasileira de petróleo e gás (PPSA):

– Comercialize gás;

– Firme contratos para escoamento e processamento de gás;

– Analise a viabilidade técnica e financeira de operações.

Em síntese, a norma indica que crescem as prioridades do governo em relação ao gás natural, combustível fóssil que não ajuda o Brasil a reduzir emissões.

BRASIL

Sinais por toda a parte

As Usinas Hidrelétricas de Jirau e de Santo Antônio, em Rondônia, operam com 20% e 14% da capacidade, respectivamente. O rio Madeira, onde ambas estão localizadas, chegou nesta semana a seu menor nível desde 1967. As informações vêm do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

No Sudeste, padrão similar. Os reservatórios da região metropolitana de São Paulo, que nessa mesma época do ano, em 2023, estavam preenchidos com 68% do volume, agora estão a 52%, e caindo. O governo tem avaliado retomar o horário de verão, extinto desde 2019.

Planaveg entra em consulta pública

Nesta semana, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) entrou em consulta pública. A revisão do Plano, criado em 2017, pretende dar continuidade às metas já estabelecidas anteriormente, mas com foco nas estratégias transversais e nos arranjos de implementação para os próximos 4 anos, de 2025 a 2028. As contribuições podem ser realizadas até 25/09/2024.

MUNDO

Espalhou para além das fronteiras

Os incêndios florestais que assolaram o Brasil nas últimas semanas ultrapassaram fronteiras nacionais e chegaram à Bolívia e ao Peru, através da Amazônia e do Pantanal, e Argentina, Paraguai e Uruguai, pelo Sul do Brasil. Em La Paz, Assunção, Montevidéu, Buenos Aires e São Paulo, maiores cidades dos países mencionados, respirou-se a mesma fumaça nesta semana. A situação é particularmente grave no Peru e na Bolívia. Esta última decretou estado de emergência sanitária e solicitou ajuda humanitária ao Brasil, por meio da Agência Brasileira de Cooperação, que enviou bombeiros e brigadistas do Ibama, do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e da Força Nacional de Segurança Pública para atuarem em cooperação com o país vizinho, que já ultrapassou o número de focos de incêndios do Brasil na quinta-feira (12). O Peru, por sua vez, já registrou 6 mortes decorrentes dos incêndios. O percurso do fogo não respeita fronteiras nacionais e se alastra pelos biomas da América do Sul com muita facilidade, acendendo alertas para a necessidade de prevenção e combate às queimadas e incêndios florestais através da cooperação regional.

Debate nos EUA movimentado, pauta climática nem tanto

Nesta semana houve o segundo debate da corrida presidencial dos Estados Unidos da América. A oportunidade foi o primeiro momento de ver, publicamente, a desenvoltura da recém-nomeada cabeça de chapa, Kamala Harris, após o desembarque de Joe Biden do pleito para 2025. Abordados sobre a questão das mudanças climáticas, pauta na ordem do dia para convencer jovens a irem às urnas, os candidatos tiveram posturas curiosas. 

Donald Trump não rechaçou a existência das mudanças climáticas, não obstante afirmou que as emissões pelos sistemas humanos são apenas uma das várias causas delas – sem elaborar quais seriam as outras. Questionado especificamente sobre o que faria para combater as mudanças climáticas, Trump alegou que caso Harris seja eleita seria o fim do “óleo e do gás” (fóssil).

Diante da mesma pergunta, a candidata democrata defendeu que o custo da inação já demonstra seu peso contábil na realidade das famílias que precisam de se adaptar às constantes tragédias advindas de eventos extremos e que as mudanças climáticas são uma ameaça existencial para as pessoas. Leitura correta e que denota capacidade analítica da realidade material por parte de sua equipe. Confira a análise completa sobre o que disseram e não disseram Harris e Trump sobre as questões climáticas no Blog da Política por Inteiro.

Órgãos com autoridade” para promover a implementação

Na semana em que afirmou que será criada no Brasil uma Autoridade Climática, como já mencionado acima, o presidente Lula também cobrou reformas nos organismos multilaterais para que tenham “autoridade” para promover a implementação dos compromissos assumidos no enfrentamento às mudanças climáticas. A declaração foi dada em vídeo enviado à ONU, chamando à participação no Summit of the Future, que ocorre nos dias 22 e 23, em Nova York.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 10 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 82 municípios. A semana foi marcada pela estiagem, concentrada nas regiões Nordeste e Norte do país. Os incêndios florestais ficaram em segundo lugar no ranking de desastres, só no estado de Rondônia, 26 municípios declararam situação de emergência. A seca foi registrada em Minas Gerais e no Ceará, já as chuvas intensas ocorreram em apenas um município de Santa Catarina.

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Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

Jornal Nexo Nexo lança série sobre clima e eleições em parceria com a Talanoa
Capital Reset Natalie Unterstell escreve sobre expectativas para a COP29, em um artigo de opinião
Folha de S. Paulo Artigo de opinião de Natalie Unterstell cobra ousadia do presidente Lula
Brasil 247 Especialista Sênior da Talanoa, Shigueo Watanabe Jr. fala da necessidade de eletrificação da frota para os municípios

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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