Nesta semana, houve o segundo debate da corrida presidencial dos Estados Unidos da América. A oportunidade foi o primeiro momento de ver, publicamente, a desenvoltura da recém-nomeada cabeça de chapa, Kamala Harris, após o desembarque de Joe Biden do pleito para 2025. Abordados sobre a questão das mudanças climáticas, pauta na ordem do dia para convencer jovens a irem às urnas, os candidatos tiveram posturas curiosas.
Donald Trump não rechaçou a existência das mudanças climáticas, não obstante afirmou que as emissões pelos sistemas humanos são apenas uma das várias causas delas – sem elaborar quais seriam as outras. Questionado especificamente sobre o que faria para combater as mudanças climáticas, Trump alegou que caso Harris seja eleita seria o fim do “óleo e do gás” (fóssil). Disse ser um grande fã da energia solar, mas que fazendas solares ocupam imensas áreas de solo, que são fundamentais para o meio ambiente que Harris tanto defende.
Com os subterfúgios discursivos que são característicos de Trump, não houve surpresas. O que é chamado à baila é o posicionamento de Harris. Diante da mesma pergunta norteadora, a candidata democrata defendeu que o custo da inação já demonstra seu peso contábil na realidade das famílias que precisam de se adaptar às constantes tragédias advindas de eventos extremos e que as mudanças climáticas são uma ameaça existencial para as pessoas. Leitura correta e que denota capacidade analítica da realidade material por parte de sua equipe.
Em sequência, Harris afirmou que está satisfeita com o apoio dos maiores sindicatos automobilísticos dos EUA para a construção de uma “economia de energia limpa”. Ainda, que essa economia será construída com tecnologia estadunidense e com produtos estadunidenses para que sejam abertas cada vez mais fábricas verdes e não haja arrefecimento econômico enquanto fazem transicionar a economia rumo ao “futuro limpo”.
Uma vez que o nível das respostas confirma as impressões de que as mudanças climáticas não estão no centro destas eleições estadunidenses, aqui há um ponto curioso: a defesa do protecionismo verde por parte dos democratas. Países industrializados recorreram às medidas protecionistas durante inúmeros momentos de inovação tecnológica e de defesa comercial desde a Segunda Revolução Industrial (1870-1914), estaríamos, então, diante de uma latente renascença antiliberal em nome da defesa comercial dos produtos da transição ao netzero?
A quantidade de atenção que a Organização Mundial do Comércio investe nas deliberações sobre os protecionismos verdes é um sintoma de que há expresso risco de retorno dos recrudescimentos nacionais nas políticas econômicas. Relembra-se que os EUA taxaram os preço-competitivos carros elétricos chineses para garantir oxigênio à indústria da eletromobilidade doméstica.
Outro sinal de fragmentação sistêmica que tende a atravessar as deliberações sobre as mudanças climáticas é o recrudescimento dos nacionalismos. De acordo com a CNN Poll, 70% dos estadunidenses tendem a dar maior importância às mudanças climáticas quando se utilizam discursos patrióticos. Isto é, frases como “é um ato patriótico preservar os recursos naturais do país” fazem com que os estadunidenses sejam menos céticos às mudanças climáticas.
Kamala Harris e sua equipe possuem esse dado. Na Convenção Nacional do Partido Democrata defendeu que “liberdades fundamentais estão em jogo, assim como a liberdade de respirar ar puro, beber água limpa e viver livre de poluentes que causam a crise climática”.
Some os sinais de fragmentação da sociedade internacional a um sistema multilateral crescentemente manco e o resultado da equação tende a um retorno do que já foi visto. Os protecionismos possibilitaram a vivência da belle-époque no segundo boom industrial ao mesmo tempo em que conduziram o mundo industrializado aos dois conflitos armados que marcaram o século passado. Não é exagero dizer que as questões de clima são antes civilizacionais do que morais.