Sem transição, sempre contingência

Cinco milhões de quilômetros quadrados. É essa área – que totaliza mais da metade de todo o território nacional (8,5 milhões de km²) – que está sob efeito de seca e estiagem severas no Brasil. Há municípios nos quais não cai uma gota de chuva há 150 dias. Dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) apontam se tratar da pior seca desde 1950, quando a série de dados foi iniciada.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) diz que reservatórios no Sudeste e no Centro-Oeste, nessa mesma época do ano, em 2023, estavam com 78,5% de seu volume preenchido; agora, em 2024, estão com apenas 54,9%, ainda restando meses de secura à frente. Fato é que seca e estiagem, em 2024, estão antecipados em comparação a 2023, o que indica que elas podem ser mais prolongadas e, portanto, mais destrutivas, em todas as dimensões da vida em sociedade.

Então, o problema se amplifica e alcança a dimensão da segurança energética: sem chuva e sem água, as hidrelétricas passam perrengue; o governo, então, determina a ligação das termelétricas, que além de mais caras, são mais poluentes, já que funcionam a carvão ou a gás, ambos altos emissores de carbono à atmosfera. Vem a equação: Pior pro bolso + pior pro clima = terrível para todo mundo.

Para piorar, todo esse ciclo é retroalimentado por ondas de calor, que por sua vez se tornam mais fortes por causa da falta de chuvas e… Você já entendeu, não é?! Ligaremos mais ar-condicionado, consumiremos mais combustível e demandaremos ainda mais energia, e o ciclo se repete, sem parar. Diante das altas temperaturas e dos impactos causados na infraestrutura do Sistema Interligado Nacional (SIN), a transição energética precisará dar conta de mais um recado: a adaptação climática do setor elétrico.

Ciente de tudo o que está acontecendo, nesta semana, o ministro Alexandre Silveira tratou logo de encomendar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) um “plano de contingenciamento”, a fim de garantir que o Brasil não flertará com racionamento de energia até, pelo menos, 2026.

Para não vivermos um risco e uma realidade ainda piores do que a da “Crise do Apagão”, entre 2001 e 2002, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a solução deve passar por planejar e iniciar uma transição energética de verdade. As melhores cabeças do país nos setores de energia, planejamento, economia e clima devem ser consultadas para avaliar cenários e propor trajetórias viáveis para cada um deles, de modo que o Brasil realmente caminhe para reduzir consistente e progressivamente sua pegada de carbono na produção de energia.

É esperado que o Fórum Nacional Permanente de Transição Energética (o “FONTE”) promova isso, mas… cadê o FONTE? Ele só deve ser ativado em outubro, se o governo cumprir o prazo que estipulou a si próprio, na norma que institui a política nacional de transição energética do país, lançada no final de agosto.

Os custos ao desenvolvimento nacional já são maiores do que as receitas que os velhos formatos podem gerar.

Está aí o Rio Grande do Sul, que não nos deixa mentir.

TÁ LÁ NO GRÁFICO

Mais de R$ 12 bilhões foram liberados nesta semana em forma de crédito extraordinário para diversas pastas do governo federal, destinadas às operações especiais de apoio ao Rio Grande do Sul. Até agora os recursos federais direcionados para a reconstrução do estado já somam R$ 60 bilhões.  No entanto, o programa de gestão de riscos e desastres, excluídos os gastos com RS, tem para este ano um total de R$ 6,2 bilhões e como previsão de gastos para 2025 apenas R$ 1,7 bilhões. Já o programa orçamentário de enfrentamento da emergência climática do Projeto de Lei Orçamentária de 2025 já foi além do recorde dos R$ 13,6 bilhões para R$ 21,6 bilhões, turbinado principalmente pela segunda emissão de títulos verdes, realizada em junho.

FRASE DA SEMANA

“Ação climática é simplesmente a maior oportunidade econômica deste século. Trabalhar pelo clima destravará uma mina de ouro em benefícios humanos e econômicos.”

Simon Stiell, Secretário-Executivo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), durante a 10ª Conferência Ministerial Africana para o Meio Ambiente, 05/09/2024. Foto: UNFCCC.

ABC DO CLIMA

Amazônia – Maior bioma brasileiro, a Amazônia abriga a maior floresta tropical e uma das maiores sociobiodiversidades do planeta. Se estende por nove países na América do Sul, concentrando 60% do seu território no Brasil. Como região geopolítica no país, a Amazônia Legal abarca 9 estados e conta com mais de 29 milhões de habitantes, atualmente sendo responsável pelo maior bônus demográfico do país. Complexa e dinâmica, é composta por floresta, rios e bichos, povos, sons e saberes. É essencial para o equilíbrio climático mundial e precisa permanecer de pé.

Mapeamento do Financiamento Climático

Na semana passada, o Instituto Talanoa realizou uma oficina para debater uma estratégia para fortalecer e dinamizar o ecossistema de financiamento climático no Brasil. A discussão partiu de um mapeamento inédito do ecossistema. O estudo  “Financiamento Climático por Inteiro: O Ecossistema do Financiamento Climático no Brasil 2024” mostra pela primeira vez atores, fluxos, oportunidades e gargalos do financiamento climático no país, nos setores público e privado. O trabalho é resultado de entrevistas e revisão de estudos para identificar e mobilizar os atores estratégicos para uma estratégia robusta de financiamento climático, visando à implementação do Plano Clima, em elaboração, alinhado ao Acordo de Paris.

Conheça o trabalho!

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 18 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 2 a 6 de setembro. O tema mais frequente da semana foi Terras e Territórios, com 12 atos, especialmente puxados pela destinação de áreas para terras indígenas, reconhecimento de quilombos e criação de assentamentos. As classes Planejamento e Regulação empataram com 5 normas, cada. A agenda predominante da semana foi Governança, com 9 atos.

Terras Indígenas reconhecidas e o fim de uma espera de 6 anos

Após 6 anos de espera, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) voltou a destinar, para fins de posse permanente, áreas para reconhecimento de Terras Indígenas. Este tipo de ato nunca havia sido captado, desde que o monitoramento de atos públicos da Política Por Inteiro foi iniciado, em 2019.

São três destinações, totalizando 1,033 milhão de hectares, sendo 2 no estado do Pará e uma – a maior delas, com 982 mil hectares – no estado do Mato Grosso.

São elas:

– Terra Indígena Cobra Grande, em Santarém/PA;

– Terra Indígena Maró, também em Santarém/PA;

– Terra Indígena Apiaká, no município de Apiacás/MT.

O processo de demarcação de TIs tem se mostrado moroso, e vem sendo prejudicado pela vigência da Lei 14.701/2023, que estabelece o Marco Temporal para novas demarcações. Ainda que o reconhecimento da posse seja somente uma das etapas do processo demarcatório, trata-se de uma importante sinalização do Ministério da Justiça em meio a embates políticos sobre o Marco Temporal, confirmando a premissa de que direitos dos povos indígenas são cláusula pétrea. Com as três TIs demarcadas, somam-se 64 terras aguardando homologação, etapa conclusiva do processo demarcatório.

Centro-Oeste investe em energia solar

Nesta semana, captamos que a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) aprovou 4 financiamentos para a construção de usinas solares de produção de energia elétrica. Os projetos aprovados, sendo três no Mato Grosso e um em Goiás, têm custo total de R$ 116,5 milhões, sendo R$ 64,1 milhões (55% do total) subsidiados com recursos do Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO). Movimento importante.

BRASIL

Nível dos reservatórios já preocupa

Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) dão conta de que a média do nível dos reservatórios no Centro-Oeste e no Sudeste está em torno de 54,9%. Esse número já começa a preocupar, uma vez que, na mesma altura de 2023, o nível dos reservatórios nas mesmas regiões estava em 78,5%. A preocupação coincide com os dados do Cemaden, que traz a informação de que o país enfrenta a maior seca de sua história, como relatado mais acima.

“É fundamental que se regule o mercado de carbono”

Uma voz relevante do empresariado brasileiro reforçou o coro para que o Brasil avance com a regulação do mercado de carbono. Candido Bracher, ex-presidente do Itaú Unibanco, afirmou, em entrevista ao Estadão, que considera o aquecimento global o problema mais sério que enfrentamos. Segundo ele, para forçar a necessária redução de emissões dos gases de efeito estufa, é imprescindível precificar o carbono. Na semana passada, ele foi um dos signatários do Pacto Econômico com a Natureza, carta aberta na qual nomes proeminentes do empresariado brasileiro defenderam a união de esforços entre empresariado e governos para a superação de desafios ocasionados pelas mudanças climáticas.

Todo mundo de olho na NDC

Como temos dito com frequência, o prazo para os países apresentarem suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) está se esgotando. A sociedade civil organizada cobra que o Brasil deposite na Convenção do Clima (UNFCCC) metas e compromissos alinhados à necessidade de limitarmos o aquecimento global em 1,5ºC em relação à era pré-industrial. O documento  da Talanoa NDC 3.0: um roteiro para o Brasil liderar mostra que a ambição climática deve englobar não somente metas de redução de emissão de GEE, mas também de adaptação e de transição para abandonar os combustíveis fósseis. A NDC refletirá as estratégias de mitigação e adaptação que comporão o Plano Clima, também em elaboração. Chegar às metas e aos compromissos de cada setor é um dos desafios que o governo tem enfrentado, uma vez que eles precisam estar embasados na melhor ciência disponível (parte relativamente mais “fácil”) e orquestrados sob intensas articulações políticas e interesses econômicos. Nesta semana, uma carta divulgada por um grupo de empresários do agronegócio à secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, deu uma ideia do engajamento ou da pressão de setores em torno do tema.

MUNDO

China promete US$ 51 bi em investimentos para África

Nesta semana ocorreu o 2024 Summit do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC). O evento é realizado a cada três anos e nele são anunciados novos posicionamentos na relação entre a China e os países do continente africano, especialmente com relação aos investimentos em infraestrutura. Em discurso, o presidente chinês, Xi Jinping, ofereceu a generosa quantia de US$ 51 bilhões para financiar projetos de infraestrutura, mas também 30 projetos de energia renovável e tecnologias verdes no continente, no pacote denominado “Ação de Parceria para o Desenvolvimento Verde” entre China e África.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 7 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 142 municípios. A semana foi marcada pela persistência de eventos de seca e de estiagem em cinco estados brasileiros, nas regiões Norte e Nordeste. Metade dos municípios do Piauí entrou oficialmente em situação de emergência, por seca. Houve um único registro de chuva intensa em todo o Brasil, em um pequeno município gaúcho.

5-Desastres-20240906
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

Folha de S. Paulo Artigo de Opinião de Natalie Unterstell sobre financiamento climático
Revista Veja Entrevista sobre o papel de estados e municípios na crise do fogo na Amazônia, com Wendell Andrade
Folha de S. Paulo Reportagem sobre a NDC brasileira e fala das propostas do Instituto Talanoa
Revista Gama Natalie Unterstell fala o que esperar para a COP30, na Amazônia

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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