Discurso e prática: distantes, como no dicionário

Fumaça causada por incêndios florestais das últimas semanas encobre a paisagem em Brasília.

Agosto já tem a fama de ser longo e ruim e, em termos de política climática, não dá pra dizer que 2024 combateu esse estigma. Ainda assim, o mês começou e terminou com o lançamento de políticas nacionais em temas distintos e importantes, como Manejo do Fogo e Energia. A princípio, sinais relevantes para um governo cujo mandato já vai chegando a 40% do tempo transcorrido, certo? Nem tanto.

Cada vez mais desafiadora, a realidade brasileira tem demonstrado um abismo entre teoria e prática, intenção e ação. Enquanto o Brasil avança em leis, na vida real a coisa é diferente. Assim como já havia acontecido com a Política Nacional de Qualidade do Ar, em maio, quando a partir de então o ar nas cidades caiu severamente em qualidade (sim, parte vai na conta da desordem climática), o mesmo aconteceu com o fogo: foi só o governo sancionar a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PMIF) logo no dia 1º de agosto, que… pimba! Durante o restante do mês o fogo se alastrou de modo descontrolado pelo país, com fortes elementos de crime ambiental coordenado somado aos extremos de temperatura e seca, até mesmo em estados que não têm histórico de fogo nessa época do ano, como São Paulo. Nem mesmo o aumento do rigor da Lei de Crimes Ambientais, inovação trazida pela PMIF, tornando crime atear fogo em qualquer forma de vegetação no Brasil (até então restrito à “mata” ou à “floresta”) gerou qualquer intimidação, e o que se viu foi o caos na saúde, em lavouras e nas cidades, com inevitável repercussão econômica. Não é só um caminhar na contramão da política climática. É entrar num carro e acelerar em marcha à ré, em direção ao aumento das emissões nacionais.

Na paralela do caos provocado pelo fogo e por muita, muita fumaça, da pauta indígena também têm saído faíscas. Pelos menos 7 estados estão com a Força Nacional de Segurança Pública dedicada, em muitas situações, a conter violência contra indígenas, sempre por questões territoriais. Estados de MT, MS, RS, PR, PA, AM e RR têm sido palco do acirramento dos ataques, especialmente no embate com fazendeiros, mas também mineração. O ICMBio também precisou apelar à Força Nacional até 26 de dezembro para tentar conter a escalada de desmatamento, garimpo, grilagem e fogo em Unidades de Conservação federais.

Das canetas de Brasília, perspectivas que não animam. A comissão especial de conciliação puxada pelo STF até começou a funcionar neste mês de agosto, mas já teve baixa da parte essencial: os indígenas estão oficialmente fora, por não concordarem com o modo de funcionamento da instância. Por qual motivo direitos fundamentais previstos na Constituição ainda teriam que ser negociados mesmo?!

Em meio ao caos, três respiros: 

O primeiro vem da equipe de Simone Tebet, no Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO): foram estabelecidas as coordenadas básicas para que o país construa e pactue, em 11 meses, sua Estratégia Nacional de Desenvolvimento de Longo Prazo – Brasil 2050, dentro da qual a mudança do clima é problema central;

O segundo vem de uma demonstração (infelizmente rara) de convergências entre os chefes de Executivo, Legislativo e Judiciário, ao celebrarem o chamado Pacto pela Transformação Ecológica, que, embora sem qualquer força normativa, já nasce desde o primeiro minuto com a obrigação de converter discursos bonitos e preocupados em ação concreta. A partir de agora, Lula, Lira, Pacheco e os ministros do STF terão várias “horas da verdade” para provar que o pacto não foi só mise-en-scéne. Será?

No terceiro, expoentes do setor empresarial brasileiro se valeram da força semântica da palavra Pacto para também divulgar uma carta, em que defendem a união de esforços entre empresariado e governo para a superação de desafios ocasionados pelas mudanças climáticas. Os empresários demonstram preocupação em “acelerar a adaptação da economia brasileira à nova realidade climática” e “repensar hábitos e processos”, o que vale para pessoas e empresas.

Mantendo o padrão, agosto também foi mês de se preocupar com o setor de energia. Dada a severidade das situações de seca e estiagem por todo o Brasil, acende-se o sinal amarelo para o risco de a produção de energia elétrica minguar nos próximos meses. Diante de secas extremas na região amazônica – a mais produtiva em hidrelétricas – o mesmo MME que defende a expansão da exploração brasileira de petróleo e gás, também já tratou de encomendar um “plano de contingência” para garantir que o Brasil não flerte com “apagões” até 2026. Um paradoxo, para dizer o mínimo.

Já no (com a licença do trocadilho) apagar das luzes de agosto, o governo finalmente apresenta sua Política Nacional de Transição Energética. O nome é imponente mas, até aqui, a peça é amorfa. Além de não demonstrar redução progressiva de combustíveis fósseis na matriz nacional, surge no mesmo mês em que o gás natural ganha espaço, ajudado em grande parte por subsídios públicos, e na contramão do que pede o financiamento climático.

Que mês.

TÁ LÁ NO GRÁFICO

O hidrogênio (H2) é apontado como um dos combustíveis essenciais para a transição energética do país. A regulação desse mercado tendo como premissa principal indicadores de sustentabilidade, incluindo a mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE), não é tarefa das mais fáceis. Diferentes interesses comerciais e industriais se confrontam ou se combinam para influenciar leis e normas.

Exemplo disso foi a tramitação no Legislativo do projeto que resultou na lei 14.948/2024, instituindo o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil. Acabaram definidos três “Hidrogênio de baixo carbono”, “hidrogênio renovável” e “hidrogênio verde” e  foi criado o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio, de adesão voluntária.

A intensidade de emissões de GEE limite para se considerar o H2 como de baixa emissões de carbono ficou em 7 kgCO2eq/kgH2 para todo o ciclo de vida do combustível, apesar de, na maior parte das discussões ao longo do processo legislativo, o índice posto sobre a mesa ter sido o de 4 kgCO2eq/kgH2. Esse valor tem relevância, além do impacto climático da produção em si, nas possibilidades de exportação. A União Europeia, por exemplo, considera atualmente hidrogênio de baixo carbono o que tem intensidade de emissões de até cerca de 3,5 gCO2eq/kgH2.

Inicialmente incorporadas na proposta que se tornou a lei 14.948/2024, as questões fiscais sobre o H foram debatidas em um PL à parte. A matéria foi aprovada nesta semana no Senado e, como já havia passado pela Câmara, segue para sanção. Confira no Tá Lá no Gráfico deste mês um resumo sobre a regulação do hidrogênio de baixo carbono.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Em agosto, foram captados 48 atos relevantes para a política climática brasileira. Os temas mais recorrentes neste mês foram Terras e Territórios, com 15 normas, seguidos por um quase-empate entre Florestas e Vegetação e Institucional, com 10 e 8 normas, respectivamente. Classes como Agropecuária, Finanças e Indústria apareceram residualmente, apenas.

Quanto à classificação, as normas de Planejamento foram as mais frequentes, aparecendo 23 vezes, quase o dobro das normas de Regulação, classe que em agosto obteve apenas 14 registros, valor muito abaixo de julho, quando liderou.

Merece destaque a classe Resposta, cujas normas duplicaram de julho para agosto, saltando de 4 para 8, número puxado pela profusão de acionamentos da Força Nacional (vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública) para conter violência em disputas por terra em quase todas as regiões do Brasil, como ilustrou uma recente análise da Política por Inteiro.

A prevalência de normas de planejamento – algo que não ocorria desde maio – volta a chamar a atenção: para o ciclo de política pública avançar, é esperado que as normas de regulação predominem, o que agosto não foi capaz de entregar.

Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe diariamente a atualização das medidas relevantes para a política climática nacional.

top-3

TOP 3 DESTAQUES DO MÊS

Em ano de Olimpíadas, todo o mundo volta os olhares para Paris. Na Política por Inteiro, nosso pódio olha para o Acordo de Paris. Elegemos como os destaques de agosto três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, no seguinte pódio:

🥈

Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)
Instituição da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PMIF)

🥇

Ministério do Planejamento e Orçamento
Determina o caminho para a construção da Estratégia Brasil 2050 – Estratégia Nacional de Desenvolvimento de Longo Prazo. Clima como premissa.

🥉

Presidência da República
Celebração do Pacto pela Transformação Ecológica entre os Três Poderes do Estado brasileiro.

AGENDAS

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”
“Governança”

A agenda de governança climática foi pautada principalmente por conflitos de disputa de terra de Norte a Sul. No mesmo tema Terras, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) instituiu o Programa de Acesso à Terra e à Proteção de Povos e Comunidades Tradicionais. O objetivo central do programa é apoiar a regularização fundiária de segmentos sociais mais vulneráveis e promover “ações estratégicas”, dentre as quais auxiliar a elaboração e a implementação de Protocolos de Consulta, Planos Locais de Gestão Ambiental e Territorial e de Proteção de povos e comunidades tradicionais, que incluem quilombolas.

No tocante à questão indígena, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) criou uma mesa de diálogo para os povos Yanomami e Ye’kwana, com o objetivo de prestar ampla escuta e apoio às demandas desses grupos. A mesa terá duração de um ano, período no qual o MDHC espera identificar as principais demandas, colaborar para melhorar procedimentos de atendimento e proteção individuais e em grupo, além de articular apoios específicos com atores de alçada, a depender do tipo de demanda requisitada pelos indígenas. Os Ye’kwana e os Yanomami estão em grande parte em Roraima, estado que tem sofrido com a proliferação dos garimpos e toda sorte de ilícitos ambientais. Desde 2023, o governo tem prestado suporte e, apesar dos pesares, combatido a situação de desamparo sob a qual indígenas dessas etnias se encontravam, até 2022.

No campo institucional, houve alteração pontual no Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), que incluiu como membro a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI/PR) e elevou para 23 o número de ministros na mais alta instância de coordenação da política climática nacional.

Agosto também foi mês de o Ministério dos Transportes e o IBAMA apresentarem Planejamentos Estratégicos 2024-27 para orientar atuação nos próximos anos. No IBAMA, destaque para uma das prioridades ser a conversão de recursos de multas em projetos de restauração florestal (um dos desafios da descarbonização brasileira); no MTransportes, “Sustentabilidade” é um dos eixos e “resiliência, mitigação dos riscos climáticos e atendimento a metas globais” são objetivos, mas o plano ainda diz pouco sobre como chegar lá. A checar se ambos serão transparentes no decorrer do caminho, para indicar progresso quanto às metas a que se propõem.

“Mitigação”

Na agenda de mitigação predominaram os reconhecimentos de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs, uma categoria de Unidades de Conservação, ao total de seis, sendo quatro em GO e duas em SC) e de dois Territórios Quilombolas no Pará e em Pernambuco, além da criação de dois novos projetos de assentamento, ambos no Pará.

Além disso, no setor de Energia, o Brasil passou a ter, em Lei, o Marco do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (MHBE). O Projeto de Lei foi de iniciativa do próprio Parlamento, e tramitava no Congresso desde maio de 2023. Foi sancionado por Lula no início de agosto. Apesar de ser enquadrado como “agenda de futuro”, as críticas em relação ao marco giram em torno do limite estabelecido para se enquadrar a produção de hidrogênio como sendo de baixo carbono. O texto final determinou um limite de emissões em até 7 kgCO2eq/kgH2, considerado alto e fora dos padrões internacionais, a União Europeia, por exemplo, estabelece o limite de cerca de 3,5 kgCO2eq/kgH2. A expectativa agora é que uma redução de danos possa ser realizada na fase de regulamentação da lei.

“Adaptação”

Na indústria automobilística, o Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), capitaneado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) segue ampliando o rol de adeptos. Com o final de agosto, nas contas da Política por Inteiro chega a 105 o número de empresas credenciadas. O programa, que está acoplado ao desafio da neoindustrialização do país, cujo expoente é o Plano Nova Indústria Brasil (NIB), objetiva estimular a transformação da indústria automobilística nacional e também das regras de importação de veículos para o Brasil, por meio de incentivos e de regulação que reduzam o impacto climático decorrente do processo produtivo de bens automotivos. A maior parte dos novos credenciamentos foi divulgada na última semana de agosto.

“Financiamento”

O mês foi econômico em matéria de financiamento. E o sinal mais relevante não foi dos melhores. Assim como já havia feito no final de 2023, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) aprovou um financiamento bilionário para a expansão do complexo termelétrico a gás natural Azulão, no estado do Amazonas. Em que pese o fato de grandes áreas do país ainda funcionarem em sistemas isolados, isto é, desconectadas do Sistema Interligado Nacional (SIN), como é o caso de Roraima, que recebe a maior parcela da energia gerada no complexo amazonense para não depender do diesel venezuelano, a transição energética anunciada neste mês teria que progressivamente reduzir os investimentos em gás natural, com um “plano de fuga” aos combustíveis fósseis. Por ora, os está aumentando.

Os recursos que financiam Azulão saem da conta do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA), controlado pela SUDAM.

É sempre válido lembrar: não há como caminhar em direção à descarbonização das atividades humanas investindo no mesmo “tipo” de desenvolvimento que nos trouxe até aqui.

BRASIL

Em agosto, o Brasil registrou o maior número de focos de queimadas para o mês desde 2010: 68.635, de acordo com dados do “Programa Queimadas”, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esse volume é mais do que o dobro do detectado no mesmo mês de 2023 (28.056).

O que os satélites apontaram foi sentido no dia a dia em diversas regiões do Brasil. Mais uma vez, a fumaça dos incêndios na Amazônia, onde foram registrados 38.266 focos, chegou até o Sul do país.

MUNDO

Declaração de Manaus sobre Direitos Humanos e Emergência Climática

Mais de 400 organizações da sociedade civil e representantes de povos indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais apresentaram a Declaração de Manaus no âmbito da Opinião Consultiva sobre Emergência Climática, Povos Indígenas e Comunidades Tribais da Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH. A Declaração enfatiza a necessidade da Corte apresentar normativas de garantia de direitos humanos e justiça climática para os Estados, frente aos impactos das mudanças climáticas sobre populações vulneráveis. Dentre as principais recomendações, ressaltamos o direito à reparação em caso de perdas e danos, medidas de adaptação e mitigação com lente interseccional, que considerem saberes e conhecimentos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, além da imperiosa necessidade de abandonar os combustíveis fósseis e realizar a transição para matrizes energéticas limpas garantindo a proteção aos direitos de povos indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais.

Em agosto, foram emitidas 124 normas de reconhecimento de situação de emergência e calamidade pública, refletindo a pior seca já registrada no Brasil. Os eventos de estiagem, seca e incêndios florestais foram os mais frequentes neste mês, além da classe Outros, que engloba situações também decorrentes da falta de chuva e do aumento das temperaturas, como a erosão de margem fluvial no Acre e infestações de pragas em Roraima e no Amapá. Já as chuvas intensas foram pontualmente registradas na região Sul e em um município do Amapá, com vendavais.

TÚNEL DO TEMPO

Em agosto de 2022, uma grande parcela de brasileiros e brasileiras estava às voltas em um misto de preocupação e apreensão sobre o processo eleitoral, sobretudo para o cargo de Presidente da República. Enquanto isso, nosso boletim radiografava o grande salto de normas ligadas a conflitos envolvendo populações indígenas. Curiosamente, em agosto de 2024, o padrão é exatamente o mesmo, quer pelo impasse em torno da demarcação de terras indígenas – “congelada” pela tese do marco temporal e pelo choque entre Judiciário e Legislativo – quer pela profusão de conflitos fundiários, “no chão”, em pelo menos 7 estados. Muitos deles são os mesmos de 2022. São os casos de Pará, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, por exemplo.

Não é mera coincidência. De lá para cá, o Brasil, ainda que atualmente liderado por um governo democrático e que abre espaços institucionais para as políticas indígena e indigenista, ainda avança pouco em garantir a essas populações direitos fundamentais e protegidos pela Constituição.

TERMÔMETRO DO MÊS

Se em julho a esperança era a volta do recesso parlamentar e o fim do “período PRODES” para que os ânimos se renovassem e o 2º semestre da agenda climática brasileira fosse acelerada, agosto tratou de jogar um balde de água fria nas pretensões mais otimistas. Seca e estiagem se intensificaram, o fogo saiu (ainda mais) do controle, conflitos por terra escalaram. Políticas, planos e acordos de amplitude nacional foram anunciados, alguns sem muita ambição e desconexos da realidade de emergência climática que vivemos. Mas houve sinais de que a necessidade de ação climática avançou por mais campos como os setores empresarial e financeiro.

Agora, com agosto no espelho retrovisor, vamos entrando num “funil” de agenda, período agitado em eventos de repercussão internacional, de setembro a dezembro. A Climate Week em Nova York é um deles, que coincide em período e local com a Assembleia Geral das Nações Unidas, onde o discurso de abertura do Brasil é sempre muito aguardado. No ano passado, Lula fez do combate à fome e a redução de desigualdades os pontos centrais de seu discurso. Desta vez, com o Brasil em ebulição pelo conjunto de eventos climáticos extremos, incêndios em descontrole, seca, estiagem e passados poucos meses das históricas enchentes do Rio Grande do Sul, em extensão territorial e vidas afetadas, é esperado que centre o discurso no que o Brasil tem feito para responder à emergência climática. Isso passa pelas frentes de planejamento, em que a nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) brasileira em processo de preparação é o destaque e, ao mesmo tempo, de operação e de efetividade, sobre que o Brasil realiza em termos práticos para conter os efeitos da mudança do clima na economia e na vida em sociedade. O desafio de Lula é que há “pontas soltas” que o país não pode esconder, como uma contraditória política de transição energética, que abre espaço para o gás natural e não recua da ideia de explorar novos poços de petróleo, além de não direcionar a totalidade de subsídios a atividades agropecuárias alinhadas à nova realidade climática, cumprindo promessas que se ouvem ano após ano de descarbonizar todo o Plano Safra.

Em outubro, em Cali, na Colômbia, acontece a 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), que também tem tudo a ver com o clima. Será a primeira edição após a assinatura do Marco Global de Kunming-Montreal para a Biodiversidade, em 2022, que contempla 23 metas globais a serem alcançadas num período curto, até 2030. Os pontos principais a serem discutidos neste ano são as ações nacionais para a implementação das metas do Marco, as mobilizações financeiras, de capacitação e cooperação técnica e científica para o cumprimento do que ficou acordado em Montreal, além de como se dará a partilha de benefícios e sobre como os recursos genéticos são acessados e utilizados.

No plano interno, o mercado de carbono ficou ainda de molho, apesar de ter havido alguma esperança de que fosse votado no chamado esforço concentrado do Senado, na primeira semana de setembro. Sendo uma das 26 medidas de convergência entre os Três Poderes no chamado Pacto pela Transformação Ecológica, celebrado entre Barroso, Lula, Pacheco e Lira, pode ser que tão logo termine o período eleitoral, em outubro, haja alguma movimentação para que possa ser anunciado o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) ainda na COP 29, em novembro.

Além disso, a entrega do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia está atrasada. Não se tem notícia sobre a Comissão Nacional que tem a missão de desenvolvê-lo – e que deveria ter sido criada até 5 de julho. Uma vez operante, essa Comissão teria prazo de 60 dias para entregar a proposta de Plano. O decreto que estabelece esse itinerário é de junho e, desde então, não temos captado novidades. Precisa andar.

No setor de energia, espera-se que o Fórum Nacional Permanente de Transição Energética (FONTE), instância essencial para a elaboração do Plano Nacional sobre o mesmo tema, seja constituído e comece a operar até o final de setembro. Afinal, o tempo urge.

Faltando dois meses para a conferência em Baku, como aconteceu em 2023, o governo corre para empacotar anúncios para levar na bagagem. O principal é uma primeira versão do Plano Clima – pelo menos suas Estratégias Nacionais de Mitigação e de Adaptação. O alinhamento entre as trajetórias que as modelagens que o embasam apontam e os destinos para onde quer rumar cada setor exige um grande esforço de articulação política. Concomitantemente, elabora-se a NDC. Chegar de mãos abanando até Baku significa voltar sem medalha no pódio da liderança climática global.

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