Como alinhar a NDC a 1,5ºC?

Como alinhar a NDC a 1,5ºC?

Por que nos manter abaixo de um grau e meio de aquecimento ?

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) indica que é preciso estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa em níveis seguros para evitar interferências perigosas no clima. Inicialmente, o limite de 2°C acima dos níveis pré-industriais foi considerado adequado, mas uma revisão em 2014 concluiu que esse objetivo era insuficiente, levando à meta mais ambiciosa de 1,5°C no Acordo de Paris.

Manter o limite de 1,5°C é imperativo moral e tecnicamente possível, mas exige esforços muito maiores do que os atuais para estabilizar as emissões de gases de efeito estufa. Desistir desse objetivo significaria aceitar os impactos catastróficos que virão com aquecimentos mais elevados. As regiões mais vulneráveis, particularmente aquelas que já estão no limite de sua capacidade de adaptação, enfrentam riscos existenciais, como a perda de territórios devido à elevação do nível do mar ou o colapso de ecossistemas críticos, como a Amazônia. E não são apenas elas: hoje, não há nenhum ser vivo imune aos impactos climáticos.


Como estabilizar a temperatura em um grau e meio? 

Para estabilizar a temperatura em um nível seguro, é preciso que todas as nações estabeleçam metas de redução de gases de efeito estufa (GEEs) alinhadas com o aquecimento máximo de 1,5°C. Ou seja, que a soma de todos os compromissos leve a uma redução rápida e significativa nessas emissões.

Divulgado em 2023, o primeiro Balanço Global (GST), que analisou os compromissos firmados pelos países signatários do Acordo de Paris, mostrou que estamos longe disso: nossa trajetória atual é de aquecimento de 2,7°C até o final do século. Somente nos últimos 12 meses (julho de 2023 – junho de 2024), o mundo esteve acima de 1,64°C dos níveis pré-industriais, sinalizando que, sem uma transformação sistêmica e forte, estamos à beira de normalizar temperaturas perigosas e irreversíveis.

No próximo ciclo de apresentação de NDCs, cujo prazo é fevereiro de 2025, devemos cobrar que os países demonstrem ambição e mobilizem ação para que o próximo Balanço Global (GST), que ocorrerá daqui cinco anos, reflita esse ajuste da rota.

Mas o que significa “alinhamento ao Acordo de Paris”? Como ele pode se dar na prática, se o objetivo de 1,5°C é global e depende da ação coletiva? Quais metodologias já existem e podem ajudar ?  Quem deve alinhar e ser alinhado?


O que diz o IPCC

O Sexto Relatório de Avaliação (AR6) reforça que limitar o aquecimento a 1,5°C exige emissões líquidas zero entre 2070-2075, e de CO2 até 2050. Além disso, o IPCC destaca a necessidade de uma redução rápida e substancial nas emissões globais — 43% até 2030 e 60% até 2035, em comparação com 2019, para atingir zero emissões líquidas até meados do século. As trajetórias compatíveis com o Acordo de Paris  limitam o aquecimento global a esse nível, com ou sem “ultrapassagem” – um período temporário em que a temperatura extrapola o limite de um grau e meio para depois estabilizar abaixo dele.

Esses caminhos orientam os países na definição de metas alinhadas ao Acordo.


Para o mundo todo se alinhar… 

Ainda que os percentuais de redução de emissões recomendados pelo IPCC sejam globais e não individuais, diversos governos passaram a adotar essas “balizas” como referência para metas nacionais de mitigação. Esse foi o caso quando uma ampla maioria de países entendeu que para zerar as emissões globais é preciso zerar as emissões líquidas nacionais e, portanto, adotou net zero até metade do século. Da mesma forma, no ciclo de atualização da NDC em 2020/2021, diversos países adotaram os 43% como “regra de ouro”, propondo metas que vão além desse percentual de redução para 2030. Esse “balizamento” é uma forma “simplória” de alinhar e de se comparar metas individuais com o objetivo global.

Outro tipo de referência sólida são os chamados “benchmarks setoriais”: orientações específicas para cada setor sobre como alcançar emissões líquidas zero até 2050, alinhando-se à meta de 1,5°C, que podem ser traduzidos nas políticas e metas nacionais, de acordo com as realidades locais. O Roteiro Net Zero by 2050 da Agência Internacional de Energia (AIE) oferta um conjunto de referências abrangentes para alinhar políticas públicas com os objetivos globais. Dentre elas, aumentar a participação das energias renováveis (como solar e eólica) na matriz energética nacional para atingir pelo menos 70-85% de geração de eletricidade de fontes renováveis até 2050 – algo que já ocorre na matriz elétrica brasileira, mas que ainda precisa avançar no sistema energético do nosso país, como um todo.

Por outro lado, há formas mais sofisticadas de “alinhamento”, como as ferramentas que foram desenvolvidas por parte de organizações independentes para avaliar metas nacionais de redução de emissões compatíveis com o objetivo de 1,5°C, tal qual o 1.5 National Pathway Explorer, da organização Climate Analytics, e o o Climate Action Tracker. Ferramentas como o Explorer, por exemplo, mostram caminhos de emissões e benchmarks de políticas adaptados a partir de trajetórias globais e regionais, escalados para o nível nacional com base nas interações entre setores econômicos, consumo de energia e emissões. Já o Climate Action Tracker modela trajetórias viáveis de redução de emissões dentro de cada país, levando em conta contribuições justas (o chamado fair share) considerando as responsabilidades históricas.

O alinhamento das NDCs com a meta de 1,5°C não depende de uma fórmula universal, mas sim de um compromisso profundo com a ação climática ambiciosa e imediata.


Para todo mundo se alinhar

Não existe varinha mágica na mão dos governos para alcançar esse objetivo, mas ao firmar compromissos públicos ambiciosos, eles podem “apertar os botões” dos estímulos e nivelar as regras do jogo da descarbonização para o setor privado.

Os agentes econômicos – sejam empresários, investidores, bancos ou empreendedores – precisam tornar seus produtos, serviços e portfólios menos carbono-intensivos o mais rápido possível. Muitos já estão fazendo isso de forma voluntária, porque se trata de uma oportunidade de ganhos no mercado. Existem hoje diversas metodologias de “alinhamento ao Acordo de Paris”, utilizadas por instituições como os bancos multilaterais de desenvolvimento, e abordagens como as metas baseadas na ciência (como Science Based Targets – SBTI, Paris Agreement Capital Transition Assessment – PACTA,Climate Action 100+ Net-Zero Company Benchmark, Task Force on Climate-related Financial Disclosures – TCFD, Net-Zero Asset Owner Alliance Target-Setting Protocol), que são aplicáveis a instituições privadas.

A iniciativa SBTI oferece uma abordagem para que empresas e instituições financeiras estabeleçam metas alinhadas com a ciência climática mais recente. Ela fornece orientações específicas para cada setor e garante que as metas estejam alinhadas com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Já o Paris Agreement Capital Transition Assessment (PACTA) é uma ferramenta gratuita e de código aberto que ajuda bancos, gestores de ativos e proprietários de ativos a medir o alinhamento de seus portfólios com cenários climáticos, incluindo um caminho de 1,5°C. Ele avalia a exposição dos portfólios financeiros a setores relevantes para o clima e o alinhamento com vários cenários climáticos.

A Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD) incentiva o alinhamento das empresas e instituições financeiras com os objetivos do Acordo de Paris e ajuda a avaliar o quão bem alinhadas estão as estratégias e operações com um caminho de 1,5°C. Já o Climate Action 100+ Net-Zero Company Benchmark avalia o desempenho dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo com base em um conjunto de indicadores que se alinham com os objetivos do Acordo de Paris. Ele avalia as estratégias das empresas, a alocação de capital, a governança e o envolvimento em políticas públicas, entre outros. Por fim, na Net-Zero Asset Owner Alliance (NZAOA) Target-Setting Protocol, uma iniciativa do PNUMA e PRI, há um protocolo de definição de metas que orienta os proprietários de ativos a estabelecerem metas alinhadas com 1,5°C para seus portfólios. O foco está especialmente em investidores institucionais de longo prazo.

Mas é sabido que a ação voluntária sozinha não será suficiente para nos manter a salvo dos piores cenários climáticos. Para tanto, os agentes precisam receber claros sinais de incentivo à descarbonização, e entender que manter trajetórias de alto carbono é incompatível com 1,5°C. Precisam também se preparar para o momento em que suas emissões e riscos climáticos serão regulados, caso ainda não tenham sido.


Sem fórmulas, com referências

No Instituto Talanoa, nós entendemos que esses dois desafios (governos alinhados e emitindo sinais de alinhamento aos mercados) precisam ser “domiciliados” nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que serão apresentadas até fevereiro de 2025, valendo para o período até 2035.

Em suma, consideramos que os governos nacionais devem apresentar metas de mitigação com a ambição calibrada ao cenário de 1,5°C e também devem sinalizar que os atores públicos e privados se alinhem. Em vez de buscar uma metodologia universal, os países devem focar em aumentar o ritmo e a escala da implementação de políticas climáticas, com base em benchmarks científicos compatíveis com 1,5°C, principalmente aqueles acordados na decisão do Consenso de Dubai, em resposta aos resultados do primeiro GST.

Nesse sentido, alinhamento com 1,5°C pressupõe uma NDC que ofereça máxima ambição de mitigação de emissões nacionais, que responda ao desafio de adaptar uma nação a esse nível de aquecimento e que não evada a responsabilidade da transição para longe dos combustíveis fósseis. Esses são os três elementos que esperamos ver presentes na NDC do Brasil, e que precisam vir complementados de chamados à ação por parte dos governos e à regulação do setor privado.

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