Como materializar um pacto?

O dia 21 de agosto de 2024 ficou marcado pelo primeiro pacto entre os três Poderes do Estado brasileiro. Executivo, Legislativo e Judiciário firmaram o Pacto pela Transformação Ecológica, assumindo o compromisso de atuarem de maneira harmônica e cooperativa perante questões consideradas centrais no processo de transição para uma economia de baixa emissão de carbono, a fim de que o Brasil assuma o protagonismo global no campo da segurança ambiental, climática e alimentar.  A exemplo do esforço realizado em 8 de janeiro de 2023, em defesa da democracia, a iniciativa é louvável, mas é preciso compreender como ela vai se materializar.

O enfrentamento da crise climática é, como ressaltou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o maior desafio nos nossos tempos. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Roberto Barroso, que propôs o Pacto, mencionou a necessidade de superarmos o negacionismo, afirmando que os eventos climáticos extremos são decorrência da ação humana, da queima de combustíveis fósseis, globalmente, e, internamente, do desmatamento e da atividade agropecuária.

Assim sendo, o Pacto assumiu que os três Poderes devem ter como prioridade nas suas ações a sustentabilidade ecológica, o desenvolvimento econômico sustentável, a justiça social, ambiental e climática, os direitos das crianças e das gerações futuras e a resiliência a eventos climáticos extremos. Na prática, o Poder Legislativo deverá privilegiar proposições que atendam a essas premissas, assim como as iniciativas do Executivo, como planos e programas, devem estar alinhadas com as perspectivas da transição energética justa, conservação dos biomas brasileiros e promoção de justiça climática, entre outros pontos descritos no anexo do Pacto. Já ao Poder Judiciário caberá dar celeridade aos processos que envolvam questões ambientais, climáticas e fundiárias, embasando as decisões nos compromissos assumidos.

No entanto, questões cruciais para o alcance da transformação ecológica sequer foram citadas no documento. Não há uma palavra sobre a tese do marco temporal, ou ainda sobre a urgência da demarcação de terras indígenas, quando se é sabido que os territórios indígenas são responsáveis pela proteção da floresta – essencial para a captura de gases de efeito estufa e para o regime de chuvas, e que vêm sofrendo com constante violações de direitos. Além disso, a bancada ruralista no Congresso tem se oposto deliberadamente aos projetos de combate ao desmatamento. No caminho da transição energética se encontram muitos “jabutis”, já que a lista dos projetos de lei considerados como parte da estratégia de transição incluem incentivos à geração térmica por carvão, o pior dos combustíveis fósseis.

Não se podem ter como premissa os direitos das gerações futuras sem estabelecer um horizonte para o fim dos combustíveis fósseis. Da mesma forma que não se faz ordenamento territorial e justiça climática sem demarcação de Territórios Indígenas.

Diante dos imensos desafios que impedem o avanço da agenda climática brasileira, o pacto terá que encampar questões complexas e que dividem os Poderes, haja capital político para a transformação ecológica.

E não se trata de altruísmo de ninguém: as partes compartilham premissas básicas porque, por detrás delas, há objetivos que interessam a todos. 

Interessa: 

  • Ao Legislativo, já que medidas que contenham o desmatamento e ampliem a efetividade do Código Florestal são a única via para que o país siga sendo uma potência agrícola, que depende de água, e água que depende de floresta. No fundo, a Frente Parlamentar Agropecuária – atualmente 57% de todo o Parlamento – sabe que o volume de prejuízos nas lavouras, a cada ano, só cresce. Trabalhar pelo equilíbrio climático é, portanto, essencial para os negócios.
  • Ao Judiciário, já que quando Executivo e Legislativo trabalham sob a luz da Constituição, reduz-se o dispêndio de tempo e energia para a “contenção de danos” pelas Cortes, que já enfrentam problemas numerosos e complexos demais na Justiça brasileira. Fora que decisões sobre inconstitucionalidades provocadas por inobservância da emergência climática, vinda dos demais Poderes, inevitavelmente colocam o Judiciário em rota de colisão, em especial, com o Legislativo.
  • Ao Executivo, que, mesmo com percalços internos, tem demonstrado perseguir a descarbonização do país e gerar condições para a atração de investimentos concatenados a uma economia de baixo carbono. Além disso, o governo está a poucos meses do lançamento de uma nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) e de um novo Plano Clima, e deve evitar movimentos destrutivos vindos não só do Legislativo, mas de dentro de si. Nesse ponto, a transição energética é um desafio central do governo, que lida com discurso e prática dissonantes.


O Pacto pela Transformação Ecológica também guarda um paralelo interessante com o ato pró-Democracia em 2023, em resposta à tentativa de golpe do fatídico “8 de janeiro”, episódio que motivou uma marcha das autoridades em Brasília para simbolizar a convergência dos Poderes quanto aos valores democráticos. O Pacto desta semana parece caminhar na mesma linha, ao garantir que, por escrito, os Três Poderes se unam ao redor de um
projeto nacional de desenvolvimento que dá centralidade à questão climática na economia, na política e na sociedade.

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