Longo prazo com urgência e emergência

Governos costumeiramente se preparam para entregas dentro do seu mandato de 4 anos. Guiados pelas dinâmicas usuais do poder no Brasil, o primeiro mandato é forjado para a realização de entregas rápidas, de modo a “abrir caminho” para a reeleição. Especialmente a partir do “Ano 2”, em que podem executar o próprio Plano Plurianual (PPA) que conceberam, os programas de governo via de regra são pautados pelo pragmatismo, que relega a últimos planos movimentos estruturantes necessários para a coisa pública em tempos de grandes transformações. Um claro conflito de timings.

Nesta semana, no entanto, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) felizmente quebrou esse “padrão”, ao trazer a público que o país passa a ter uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, que deve orientar o atual e os próximos, pelo menos, seis PPAs adiante. É a chamada Estratégia Brasil 2050, que estabelece quatro pilares centrais para as políticas públicas nacionais. Um deles é constituído dos “efeitos econômicos, sociais e ambientais da mudança do clima”, reforçando a essencialidade da pauta climática em toda e qualquer política de desenvolvimento, pelas próximas décadas. A estratégia guarda relação direta com importante resolução do Conselho da Federação, que no início de julho, criara o chamado compromisso para o federalismo climático.

Seus outros três pilares – redução de desigualdades, transição demográfica e produtividade – não estão apartados da questão climática: eles terão tanto mais êxito quanto melhor o Brasil descarbonizar sua matriz econômica e investir em adaptação climática em todo o país, especialmente onde houver gente.

Um olhar combinando esses e vários outros elementos – como a própria revisão da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do Brasil no âmbito da Convenção do Clima (UNFCCC) – mostra que o “colchão” de políticas vem sendo tecido para que operacionalmente ações de mitigação e adaptação climática ganhem espaço, tanto no orçamento público, quanto nas prioridades deste e dos próximos governos.

O Brasil não está entre os 73 países (17 do G20) que apresentaram suas estratégias de longo prazo (LTS) à UNFCCC. O sinal dado pela Estratégia Brasil 2050 pode vir a reforçar o compromisso público de alinhamento das políticas e investimentos com a redução de emissões e riscos climáticos.

Planejamentos de longo prazo trazem à tona o terceiro e importante grau do pensar político: a lógica de Estado, que, diferentemente dos programas de (1º) campanha e (2º) de governo, é capaz de enxergar longe e lançar as bases para o futuro que queremos. Nos últimos anos, o termo “política de Estado” acabou caindo na retórica política que sinaliza preocupação com a coisa pública, mas, via de regra, não se compromete com a continuidade de políticas, elemento essencial numa sociedade com desafios complexos e novas e intensas dinâmicas de comportamento econômico e social. Por isso, valerá a pena acompanhar o desenrolar do Brasil 2050 de agora em diante, que deve transcender o MPO e ganhar o governo em suas diferentes pastas. Promover a transição energética – em linha com o “transitioning away fossil fuels”, da decisão de Dubai – é uma das bolas quicando na entrada da área, esperando o governo Lula.

Outro tema que um planejamento nacional de longo prazo evoca é a cooperação interfederativa. Estados como Ceará, Maranhão, Bahia e Pará já contam com estratégias de desenvolvimento focadas no caminho a trilhar até 2050, o que também deve ser levado em conta pelo Brasil em seu sistema federativo de organização e cooperação. Em todas elas, a questão climática é inafastável, e ninguém conseguirá, sozinho, alcançar as metas para um desenvolvimento inclusivo, consistente e de baixo carbono, que reduza as profundas desigualdades sociais e econômicas do país.

FRASE DA SEMANA

"Não acredito que um negócio, qualquer negócio nessa escala, com essa relevância, possa ser iniciado sem que a base regulatória esteja bem estabelecida e acordada".

Letícia Carvalho, Secretária-Geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), ao Financial Times, sobre a exploração de minerais em águas internacionais. Foto: ISA/Divulgação

ABC DO CLIMA

Adaptação Climática Antirracista – é o enfrentamento às desigualdades raciais, de gênero, geracionais, sociais, regionais e territoriais, a partir de um conjunto de políticas públicas estruturantes, interseccionais e intersetoriais. Essas políticas devem ter como foco assegurar o bem viver, a proteção das vidas vulnerabilizadas e a conservação dos biomas, através de medidas estruturais e emergenciais que reduzam o impacto dos eventos climáticos extremos para as populações mais vulnerabilizadas.

ANÁLISE MENSAL

Confira em nossa análise mensal o que houve de mais relevante na agenda climática em julho.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 8 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 5 a 9 de agosto. O tema mais frequente da semana foi Terras e Territórios, com 4 atos, incluindo a autorização da Força Nacional em apoio à Funai na Terra Indígena Rio dos Índios (RS), a criação dos programas Território Tradicional e Líderes Indígenas na Política Global e um reconhecimento de Território Quilombola (PA). O tema mais captado foi Planejamento, com 4 atos.

Líderes Indígenas na Política Global

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, o MPI lançou o Programa Kuntari Sa, que tem como objetivo capacitar lideranças indígenas para atuação nos processos de tomada de decisão em assuntos relacionados à governança global do clima, direitos humanos e outros temas de interesse na seara internacional. As ações de preparação e articulação dos povos indígenas para a 30ª Conferência das partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) estão no centro do programa, que inclui o nivelamento da língua inglesa entre suas ações. O público alvo são lideranças indígenas com, no mínimo, um ano de experiência em negociações ambientais, climáticas ou correlacionadas, oriundos de todos os biomas brasileiros, com idade a partir de 16 anos. Entre as premissas do programa de formação de lideranças, está a garantia de protagonismo, autonomia e autodeterminação dos povos indígenas, se bem implementada, a iniciativa do MPI tem grande potencial de contribuir para promover o acesso e a participação qualificada das lideranças e da juventude indígena na defesa de seus direitos e interesses.

Mais um Programa: Território Tradicional

A fim de estruturar marcos regulatórios de titulação e proteção dos territórios de povos e comunidades tradicionais, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) lançou o Programa de Apoio ao Acesso à Terra e ao Território e à Proteção Socioterritorial de Povos e Comunidades Tradicionais – Território Tradicional. Entre as ações previstas está a elaboração de planos locais de gestão territorial e ambiental quilombolas e de povos e comunidades tradicionais, além da realização de consultas prévia, livre e informada em comunidades impactadas por empreendimentos públicos e privados, e na elaboração de protocolos de consulta, instrumentos bastante necessários diante do contexto de assédio e violência presente nos territórios. No entanto, diante de uma questão histórica e complexa, como é o caso do ordenamento territorial no Brasil, o programa precisa estar articulado com as demais políticas públicas de regulação fundiária e de direitos territoriais, alinhado à urgência de titulação dos territórios quilombolas. Na definição de governança, ficou a cargo do Comitê Permanente de Povos e Comunidades Tradicionais- CONDRAF monitorar a execução do Programa Território Tradicional, e à Secretaria de Territórios e Sistemas Produtivos Quilombolas e Tradicionais – SETEQ/MDA promover a articulação institucional.

BRASIL

Programa Mover chega a 90 empresas apoiadas

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) avançou nas análises internas e habilitou novas empresas ao Programa Mobilidade Verde e Inovação, o Programa Mover. Com isso, chega à marca de 90 o número de empresas que receberão, até o final de 2028, apoio governamental para inovarem seus processos e produtos, ampliando eficiência focada em progressiva descarbonização das atividades. O Programa Mover nasceu como Medida Provisória em dezembro de 2023 e virou lei em junho deste ano, com a missão de auxiliar o plano de neoindustrialização brasileira em direção a uma economia de baixo carbono. O Mover prevê um total de R$ 19,3 bilhões em créditos financeiros entre 2024 e 2028.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 4 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos e meteorológicos extremos, que atingiram 27 municípios. Nesta semana a estiagem foi registrada não apenas na Região Nordeste, mas também no estado do Amazonas, sinalizando o agravamento da estação seca na Amazônia. As chuvas intensas no sul do país foram pontuais.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Apoio

Realização

Apoio