Julho foi de férias? Que nada…

Nos meios técnico e científico que lidam com desmatamento, julho é sempre um mês de muita expectativa. O volume de chuvas diminui, a extração ilegal de madeira aumenta e, por isso mesmo, as operações de fiscalização se intensificam. Há anos, essa é uma dinâmica bastante comum na Amazônia, num eterno “jogo de gato-e-rato” para segurar os números do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), que contabilizam o desmate entre agosto e julho do ano seguinte.

Julho se encerra também sob a expectativa das ações para conter uma nova temporada de queimadas, nos meses seguintes. Os prenúncios não são nada bons. No bioma amazônico, há 19 anos não tínhamos um julho com tantos focos como este de 2024 na região (vide infográfico a seguir). Muitas vezes, as queimadas estão associadas a uma das “fases” do roubo de terra pública, que inclui “preparar” a área para pastagens ou para mera especulação.

Assim como ocorrido nos últimos meses no Pantanal, espera-se que a chamada Sala de Situação consiga estancar as perdas de florestas e de biodiversidade causadas pelos incêndios, que, diferentemente de 2023, chegaram antes, e indicam que o período de agosto a novembro (a partir de quando as chuvas, em tese, voltam a cair) será um dos mais difíceis deste século para o Brasil. Para piorar, rios amazônicos começam a secar, fenômeno já visto no ano passado, mas não tão cedo quanto agora. O estado do Amazonas, por exemplo, já decretou situação de emergência em 20 de seus 62 municípios, em função da estiagem severa. Prejuízos severos para quem depende dos rios para pescar, produzir e se alimentar e, simplesmente, se locomover.

O Brasil está secando e não é de hoje. Assim como havia feito no Pantanal, em maio, para toda a bacia do Rio Paraguai, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) começa a declarar “situação crítica de escassez” em importantes rios da região amazônica, como o Madeira e o Purus. Como estamos falando de bacias hidrográficas, o impacto da seca reverbera não apenas nos “troncos” (rios) principais, mas em vários de seus “galhos” (afluentes), influenciando diretamente as vidas de milhões de pessoas ao Norte.

Mas a estiagem não é um problema só do Norte. Como já se revela um novo padrão de secas também a Centro-Oeste e a Nordeste, já é hora também de o Brasil ligar o alerta para o setor elétrico, já que a produção de energia no país é basicamente hidrelétrica, cujas usinas se situam, em grande parte, nessas três regiões. Não custa lembrar que em 2023 usinas como as de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, tiveram dificuldades para operar, com vazões equivalentes a menos de um quinto da média. Santo Antônio chegou a ter operações suspensas em parte daquele ano, por conta da seca.

Não bastasse, um monitoramento realizado pelo serviço climático da Europa, o Copernicus, e divulgado pela MetSul, revelou que a fumaça gerada pelas queimadas na Amazônia “desce” e alcança todo o Centro, o Sul e o Sudeste brasileiros, além de Paraguai, Argentina e Uruguai, incorrendo em questões de saúde pública, que por sua vez desencadeiam prejuízos econômicos de toda sorte. Trocando em miúdos: quando algo vai mal na Amazônia, todo mundo padece junto. Assim como há anos, quando o Brasil descobriu os “rios voadores” e a influência da Amazônia nas chuvas para o restante do país, a questão da fumaça segue a mesma lógica sistêmica: tudo está interligado, não tem jeito.

Em Brasília, um mês de vários sinais relevantes: uma dobradinha entre os Ministérios das Cidades (MCid) e de Minas e Energia (MME) levou ao lançamento do Programa Energia Limpa vinculado ao Minha Casa Minha Vida, com o duplo objetivo de promover a transição energética em lares brasileiros, além de reduzir a dependência de energia elétrica convencional e com isso ampliar a autonomia, inclusive financeira, de famílias de baixa renda.

Por falar em dobradinha, noutro flanco, os Ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) levaram o governo a lançar o Programa Nacional de Florestas Produtivas, com foco triplo que engloba a recuperação de áreas degradadas, a geração de receitas a partir da produção e o combate à insegurança alimentar, possibilitados pela propagação dos chamados Sistemas Agroflorestais (SAFs), associados aos conhecimentos tradicionais da Sociobiodiversidade.

Ainda teve a dobradinha entre MMA e Ministério da Educação (MEC), cujo movimento fez com que, agora por Lei, mudança climática e biodiversidade passem a ter “inserção assegurada nos projetos pedagógicos da educação básica e superior”, em todo o Brasil. Ponto a favor do letramento climático.

Nos três casos, o desafio de sempre: o governo ter (e manter) forte apetite para a implementação de políticas, assim como a habilidade de aproximar o setor privado para amplificar resultados.

No mesmo mês em que o Plano Safra foi anunciado com R$ 400 bilhões para médios e grandes produtores rurais, e cerca de R$ 76 bilhões para a agricultura familiar – mas ainda pouco para a descarbonização do setor – a política agrícola deu as caras também no meio urbano: o Brasil instituiu em Lei a Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, medida que pode tornar as cidades mais resilientes à mudança do clima e mais “produtoras de soluções”. A política converge com a necessidade constitucional de garantir aos espaços da cidade uma clara e consistente função social.

E ainda deu tempo de regulamentar incentivos fiscais à cadeia da reciclagem, aproveitando que a lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) completou 14 anos sem que o país tenha conseguido resolver seus problemas em relação à extinção dos lixões e à implementação de uma política séria de economia circular. Sempre vale lembrar que cerca de 4% das emissões brasileiras vêm do setor de resíduos.

Definitivamente, não foi um “mês de férias”.

TÁ LÁ NO GRÁFICO

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Em julho foram captados 65 atos relevantes para a política climática brasileira. Os temas mais recorrentes neste mês foram Terras e Territórios, com 25 normas, e Institucional, com 13 normas. As demais classes não superaram 5 normas cada.

Na classificação, as normas de regulação foram as mais frequentes, aparecendo 31 vezes, quase metade de tudo de relevante em julho. Planejamento aparece 13 vezes.

Embora tradicional em férias e recessos, julho é o 2º mês com mais normas em 2024, perdendo apenas para maio (76) até aqui.

Como havíamos alertado na Análise Mensal anterior, as normas de regulação precisam ganhar volume para que os ciclos de políticas públicas possam progredir, e foi o que aconteceu em julho. Elas foram puxadas fortemente pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e pelo INCRA – que juntos dominaram o mês, com 19 normas, com destaque para reconhecimentos de 12 Territórios Quilombolas e criação de 4 Assentamentos – mas também por medidas inovadoras, como a do Ministério dos Transportes, que determinou que 1% da receita bruta de cada contrato de concessão rodoviária no país seja carimbado para investimentos em “infraestrutura resiliente ao clima”.

Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe a atualização diária das medidas relevantes para a política climática nacional.

top-3

TOP 3 DESTAQUES DO MÊS

Em ano de Olimpíadas, todo mundo volta os olhares para Paris. Na Política por Inteiro, nosso pódio olha para o Acordo de Paris. Elegemos como os destaques de julho três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, no seguinte pódio:

🥈

Ministério da Educação

Modernização da Política Nacional de Educação Ambiental, assegurando que mudanças do clima, biodiversidade e desastres estarão nos projetos pedagógicos da educação nacional.

🥇

Ministério dos Transportes
Determinação de diretrizes para infraestrutura resiliente ao clima e determina que no mínimo 1% da receita de concessão rodoviária deve ir para mitigar e adaptar-se a mudanças climáticas.

🥉

Ministério da Agricultura e Pecuária
Criação da Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, que deve estimular cidades mais resilientes e menos dependentes.

AGENDAS

Seguindo o padrão observado também no primeiro semestre, a agenda de Governança se destacou em julho, com 29 normas, a maioria referente à etapa de planejamento de políticas públicas. Na sequência, a agenda da Mitigação totalizou 22 normas, devido aos reconhecimentos de territórios quilombolas, criação de assentamentos e normas de regulação da Estratégia Nacional de Economia Circular e do Mecanismo de Redução e de Compensação de Emissões da Aviação Internacional. Na agenda de Financiamento foram 13 normas,  em parte referente à regulação do crédito rural, alinhado ao novo ciclo do Plano Safra, além de outros incentivos econômicos. Em Adaptação foram captadas apenas 4 normas, destaque para a lei que institui a Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana.

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”
“Governança”

A agenda de governança climática de julho foi marcada por uma medida simbólica que invoca a articulação dos entes federativos em torno da questão climática. O compromisso para o federalismo climático foi resultado da Reunião do Conselho da Federação e, ainda que em tom de recomendação, orienta que as políticas públicas desenhadas nos estados e municípios devem levar em conta a mitigação das emissões e a adaptação climática e que em todas as fases devem ser considerados os riscos climáticos associados. É importante, mas longe de ser suficiente.

Na participação social houve um avanço de representação no Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, que passa a contar com o ministro de Estado dos Povos Indígenas.  Um sinal importante de participação da representação institucional dos povos indígenas, visto que diversos empreendimentos energéticos envolvem questões territoriais indígenas, assim como implicam em impactos socioambientais sentidos pelos povos originários. Por outro lado, uma Instrução Normativa (IN) conjunta entre Ibama e Funai  prorrogou por mais 12 meses a validade da norma que, em 2023, havia determinado que processos de licenciamento para empreendimentos localizados dentro de terras indígenas tenham análises e licenças suspensas ou indeferidas. A prorrogação reflete fragilidades internas do governo em relação a uma matéria fundamental aos povos indígenas e à transformação ecológica dita prioritária pelo centro de governo, em especial no contexto de assédio de empreendimentos minerários, de monocultivos e de carbono. Tamanha a importância do assunto, preparamos uma análise sobre o que a indesejável “esticada” de prazo trazida pela nova IN está sinalizando ao Brasil.

Em resposta à gravidade dos incêndios atravessada pelos biomas brasileiros, em especial o Pantanal, a lei de contratações do IBAMA e do ICMBio foi alterada, via  Medida Provisória, reduzindo o prazo de carência para a recontratação de pessoal para atuar na prevenção, controle e combate a incêndios florestais. Esse é um desdobramento da sala de situação, instância de governança interministerial criada para atuar em situações extremas em todos os biomas.

A ANA também sinalizou a situação crítica devido a seca, declarando a escassez dos recursos hídricos no Rio Madeira, Rio Purus e seus afluentes, demonstrando que a desordem climática tem influenciado fortemente a Amazônia.

“Mitigação”

Em julho a agenda de mitigação foi marcada pela criação de assentamentos rurais e reconhecimento de territórios quilombolas, elementos centrais para o processo de ordenamento territorial, estreitamente relacionado ao esforço de redução de emissões de GEE. O avanço nos números do INCRA agora tem um parâmetro, que é o Caderno de Metas da autarquia para esse ano, que embora tenha saído com atraso, torna pública a ambição da instituição no que se refere ao ordenamento territorial brasileiro.

Chegou a 75 o número de Territórios Quilombolas oficialmente reconhecidos pelo governo, desde 1º de janeiro de 2023. Destes, 20 somente em 2024. Veja no mapa todos os territórios quilombolas reconhecidos desde o início da atual gestão do governo federal.

Para além das normas de uso da terra, o CONAMA protagonizou  a 1ª regulamentação detectada para a Política Nacional de Qualidade do Ar (PNQA), que virou lei em maio de 2024. A regulação alcança o monóxido de carbono (CO), um dos gases de efeito estufa. Na aviação, avançou a regulamentação de monitoramento e compensação das emissões de dióxido de carbono relativas às operações internacionais dentro do Mecanismo de Redução e de Compensação de Emissões da Aviação Internacional (CORSIA), previstos em maio deste ano.

“Adaptação”
Em julho a agenda da adaptação se concentrou em questões de infraestrutura de transporte e moradia. O Ministério dos Transportes definiu um “novo marco verde” para as concessões das rodovias federais, estabelecendo diretrizes de alocação de, no mínimo, 1% da receita bruta de contratos de concessões para o desenvolvimento de “infraestrutura resiliente, com o objetivo de reduzir os impactos na infraestrutura rodoviária decorrentes das mudanças do clima”.  No programa  Minha Casa, Minha Vida (MCMV) um decreto instituiu o Programa Energia Limpa, iniciativa conjunta do MCID e do Ministério de Minas e Energia (MME), anunciado pelo governo como uma “união” do MCMV ao Programa Luz para Todos, sob a diretriz da sustentabilidade. Trata-se de um aperfeiçoamento na estrutura das habitações, com potencial positivo em diferentes dimensões: uma delas é a redução das emissões per capita e colaboração à transição energética, com impacto direto nas famílias de baixa renda, público-alvo do programa, pela redução dos gastos em energia elétrica, que desonera a renda mensal e amplia a autonomia familiar. A Política Por Inteiro analisou aqui a perspectiva climática do Minha Casa, Minha Vida.  Além das iniciativas do Poder Executivo, foi sancionada a lei da Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana. A política estimula o aproveitamento de espaços urbanos e periurbanos para a produção e o cumprimento da chamada função social da propriedade e da cidade. Em termos de política climática, ela pode colaborar para cidades mais resilientes aos efeitos da mudança do clima e reduzir a pegada de carbono do consumo individual de alimentos, ao encurtar a logística necessária entre produção e consumo. Trata-se de um instrumento positivo para a implementação do Estatuto das Cidades e para políticas locais de adaptação climática.
“Financiamento”

Neste mês, algumas movimentações da agenda de financiamento foram  desdobramentos do novo ciclo do Plano Safra, como alterações no Manual de Crédito Rural, ajustes das taxas de juros e  o Programa Coopera Mais Brasil, de apoio à produção e a comercialização dos produtos da agricultura familiar. Ainda na  agricultura, foi lançado o Programa Nacional de Florestas Produtivas, que tem como objetivo recuperar áreas degradadas através de sistemas agroflorestais. É um sinal importante para governança pois estabelece uma conexão importante com o PPCDAM, no bioma Amazônia os investimentos devem considerar os municípios definidos como prioritários para as ações de prevenção, monitoramento, controle e redução de desmatamentos e degradação florestal. Um ponto de atenção é a necessidade de diferenciar a abordagem entre promover sistemas agroflorestais e recuperar vegetação nativa, além de diferenciar as metas estabelecidas para cada um desses esforços.

Em energia, captamos um desdobramento do  Programa Pró-Amazônia Legal que orienta proponentes de projetos que, na Amazônia, visem a reduzir estruturalmente os custos de geração de energia elétrica e, ao mesmo tempo, desenvolvam novas soluções de suprimento que compreendam fontes renováveis ou a partir de combustível renovável. Os recursos financeiros do Programa são da Conta de Desenvolvimento da Amazônia Legal – CDAL, vinculada à Eletrobrás.

BRASIL

Adaptação Antirracista

Neste mês, foi realizado o 2º Seminário Presencial da Rede por Adaptação Antirracista, composta por mais de 50 organizações brasileiras, diversas em agenda, tamanho e presença territorial. O Instituto Talanoa esteve presente. Uma das propostas do evento foi a construção coletiva de uma definição “adaptação antirracista”, frente à necessidade de elevar a pauta antirracista como transversal à adaptação climática. Essa necessidade surge da constatação que são as populações negras, periféricas, indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais as mais afetadas pelas consequências das mudanças climáticas, como no caso de eventos extremos. E precisam ser consideradas na formulação e implementação de políticas públicas.

No contexto da construção do Plano Clima, principal política climática do governo federal, se prevê a participação da sociedade civil por meio de envio de propostas para votação na plataforma, nos eixos de Mitigação e Adaptação. Iniciativas de participação social são fundamentais para qualificar políticas climáticas, mas precisam afirmar compromissos de apreciação e inclusão para além da mera consulta. Nesse sentido, a Rede por Adaptação Antirracista submeteu uma proposta de inclusão do conceito de adaptação antirracista como elemento orientador dessa política pública. A proposta está disponível para leitura e votação até o dia 26 de agosto aqui. Participe!

LEGISLATIVO

Chegamos à metade do ano e, na Praça dos Três Poderes, o Legislativo não pode ser criticado por omissão. O corpo de parlamentares trabalha diuturnamente com apreciações legislativas sobre questões climáticas e ambientais. A questão é: a qualidade.

Em meados de fevereiro do ano que vem, o Congresso Nacional decidirá os nomes que presidirão as Casas até o fim do mandato presidencial de Lula. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), não disfarça sua campanha para emplacar Elmar Nascimento (União/BA) como sucessor – ainda que contemple “Planos B”, como Isnaldo Bulhões Jr. (MDB/AL) ou Antonio Brito (PSD-BA). Rodrigo Pacheco (PSD/MG), presidente do Senado Federal, age mais soturnamente enquanto compete com Davi Alcolumbre (União/PA) e Soraya Thronicke (Podemos/MS).

A dificuldade de Lira é a contagem de votos. Distintamente dele, que foi eleito com confortáveis 464 votos, nenhum dos outros nomes possui maioria na Casa. Ou seja, Lira precisará acenar ao Governo. Garantiu, inclusive, poder de veto a Lula no que tange à sua indicação de sucessor.

As eleições internas somadas ao poder legiferante dos presidentes e o interesse de setores produtivos com a pauta climática-ambiental coadunam um ritmo acelerado de apreciações climáticas. Deu-se, até, um nome à lista de votações de interesse ecossistêmico: O Pacote Verde do Legislativo. Não tão verde quanto deveria.

A ideia é, a partir do Pacote Verde de Fernando Haddad (PT/SP), ministro da Fazenda, aferir segurança jurídica às propostas governamentais de desenvolvimento com menor intensidade de poluição. Planejam, assim dizendo, prosseguir com deliberações relacionadas à energia sustentável, à eletromobilidade e às finanças verdes.

Avançou-se consideravelmente neste primeiro semestre de 2024. Aprovaram o Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), instrumento de política industrial que vislumbra alinhamento a uma economia de baixo carbono no setor de mobilidade. Pela falta de estratégia de longo prazo clara para o setor, o qual precisará rever o modelo rodoviário de integração nacional de pessoas e, sobretudo, mercados, a arquitetura do programa faz parecer antes uma garantia de sobrevida à indústria automotiva do que uma ideia para adiar o fim do mundo.

Na seara da energia, houve a apreciação do Hidrogênio Verde. Não tão verde, embora oficialmente inserido na Política Energética Nacional, o novo combustível terá 18 bilhões de reais em incentivos no intervalo de cinco anos. Há categorias de hidrogênio combustível agora: a.) hidrogênio de baixa emissão de carbono; b.) hidrogênio renovável; e c.) hidrogênio verde. De maneira sumaríssima, o que varia são as fontes e a intensidade de emissões relativas à cadeia produtiva.

A principiologia é promover o hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados como vetor da transição energética, e ao mesmo tempo, inserir o país em um setor de alta tecnologia, de maneira competitiva. A frustração aqui é com o limiar do hidrogênio de baixa emissão de carbono: A proposta inicial era um limiar de 4 kgCO2eq/kgH2 (quatro quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido). Especialistas pressionam a melhoria da amostragem para CO2 equivalente. Feito. Mas, em uma emenda final do Senado Federal, mudaram para 7 kgCO2eq/kgH2 (sete quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido). A União Europeia recomenda quatro, a Alemanha definiu em quatro e meio. O nosso, de sete, acabou poluente demais para ser exportado à Europa.

Até aqui tudo fluindo. Lapidações são possíveis na regulamentação infralegal. Mobilidade e energia são setores críticos nacionais dado que a conexão entre as Macrorregiões se dá por intermédio de asfaltos e que o Brasil verá ainda um singelo crescimento demográfico, que demanda maior produção de energia. Pois, que sejam feitos da maneira menos carbonizada possível. Mas ainda há inúmeras outras matérias a serem apreciadas. Espera-se, ansiosamente, deliberações sobre: o Sistema Brasieiro de Comércio de Emissões; as eólicas offshore; a Política Nacional de Economia Circular, que será utilizada para garantir transição lentíssima ao abandono do plástico de uso único; o Combustível do Futuro; e a ECOInvest no Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. Todas essas perceberam avanços nas suas respectivas tramitações. Todas possuem prazo tácito de aprovação até a COP30.

Impulsionadas por um Poder Executivo com interesse em uma transformação ecológica conservadora e gradual, pela hospedagem brasileira de uma Conferência das Partes sobre Clima em 2025 e afetadas pelos efeitos do desastre climático do Rio Grande do Sul, as Casas Legislativas do Congresso Nacional negociam, com atenção, linha a linha dos instrumentos jurídicos. Entre jabutis que garantem incentivos fiscais à indústria do carvão, a dita “Transição Energética”, o Pacote Verde (de novo, não tão verde), a Nova Indústria Brasil e as evoluções do Marco Temporal, o Legislativo Federal trabalha.

A ambição climática está aquém da urgência, não obstante é a maior que existiu. O realinhamento do projeto de desenvolvimento brasileiro está frágil, está trôpego e está disputado por congressistas representantes de setores desinteressados na correção de paradigmas de superação da armadilha da renda média, por intermédio de propostas de baixo carbono.

Avança-se, indiscutivelmente, e o ótimo pode ser inimigo do bom. Mas o país que pleiteia ser Potência Verde não pode encontrar, na mediocridade do factível, conforto para a aceitação do possível. A ambição precisa de ser continuamente crescente até o atingimento das emissões líquidas zero. É dever legislativo aprovar o minimamente bom para que, um dia, torne-se ótimo, portanto.

MUNDO

Ministros de Finanças dos países se movimentam no G20

A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda do Brasil, Tatiana Rosito, trouxe uma carta à mesa da reunião dos sherpas do G20 , na qual abordou temas como dívida externa, impostos, Direitos Especiais de Saque (SDRs), capital subscritível dos bancos multilaterais de desenvolvimento (MDB) e reforma ampla destas instituições, além da Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA). Nela, também enfatizou a necessidade de transparência e a responsabilidade através de plataformas efetivas dos países. Aumentar as contribuições dos doadores para a IDA em 25-30% foi um ponto-chave, assim como avançar nas sobretaxas do FMI e expandir o Conselho Executivo do FMI para incluir um 25º assento para a África Subsaariana.

Além disso, foi apresentada a iniciativa Tropical Forests Forever Facility.

… E os de Desenvolvimento também.

Como vitória da diplomacia brasileira, foram feitas duas declarações de consenso – as primeiras em dois anos do G20. A declaração histórica comprometeu os ministros do G20 a reduzirem desigualdades sociais.

Aliança Global do G20 Contra a Fome e a Pobreza

A coalizão Hungry for Action, com parceiros como ONE, World Vision e Global Citizen, realizou eventos paralelos à reunião da Força-Tarefa da Aliança Global do G20 Contra a Fome e a Pobreza. A liderança brasileira no G20 foi destacada por criar oportunidades para avanços no combate à fome. A nova ministra do Desenvolvimento do Reino Unido, Anneliese Dodds, trouxe um impulso adicional ao debate.

FT Clima do G20

O documento sobre avaliação dos mecanismos de financiamento climático foi discutido, junto com outras propostas importantes. Estas incluíram a estrutura integrada de financiamento nacional do PNUD, propostas da UNCTAD para expandir mandatos de bancos centrais e um documento sobre mobilização de finanças privadas da equipe do Paris Pact for People and the Planet (4Ps). Busca-se um documento abrangente dos resultados dessa reunião. A formalização dessas recomendações em um plano de ação para o G20 é crucial.

Em julho, foram emitidas 21 normas de reconhecimento de situação de emergência e calamidade pública, afetando 146 municípios. A seca e a estiagem foram os principais eventos extremos registrados. A seca concentrada no estado de Minas Gerais vem causando impacto no abastecimento de água e a situação de anormalidade deve se prolongar. Além da estiagem permanente na Região Nordeste, neste mês o estado de Rondônia foi gravemente afetado, o nível do Rio Madeira já chegou ao menor nível em 60 anos e é apenas o começo da estação seca. As tempestades no sul do país seguem sendo registradas, mas em menor quantidade.

TÚNEL DO TEMPO

Em julho de 2021, nosso boletim destacava o artigo liderado pela pesquisadora brasileira Luciana Gatti, do INPE, sobre a mudança de comportamento da Amazônia em relação às emissões de carbono. O estudo foi um banho de realidade ao trazer que, diferentemente do que estávamos acostumados a pensar sobre as florestas absorverem mais carbono do que emitem, as perturbações na floresta amazônica chegaram a tal grau que, em algumas regiões, a floresta já emite mais carbono do que sequestra, distanciando o Brasil do necessário rumo da descarbonização. É o chamado tipping point da floresta amazônica. De lá para cá, a floresta segue sob pressão, e embora a taxa de desmatamento anual tenha caído de 13.000 Km² em 2021 para 9.000 Km² em 2023 (último dado anual disponível), seguem os desafios de contenção do desmatamento e da degradação florestal que impedem a floresta de ser um “banco” de carbono eficiente. À época, o portal OEco repercutiu o artigo, que é considerado um grande avanço científico para aguçar o senso de emergência de toda a sociedade no que se refere à conservação da biodiversidade.

De lá para cá, vários esforços governamentais têm sido contabilizados para reverter esse quadro. Um exemplo é a reativação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Bioma (PPCDAm); outro, o lançamento do Programa União com Municípios, de pactuação para o desmatamento zero em escala municipal em 70 municípios considerados prioritários; destaca-se, também, a Resolução CMN nº. 5.081/23, que aperta o cerco para concessão de financiamento bancário de atividades rurais. Todas políticas essenciais que colaboram para quebrar o tal tipping point amazônico, que segue em curso.

TERMÔMETRO DO MÊS

Julho foi um mês movimentado, com bons sinais para a política climática brasileira. Em termos de impacto, boas notícias vieram ao encontro das áreas de infraestrutura, florestas, cidades e até aviação, com a ANAC dando mais um passo para a regulamentação do mecanismo de redução de emissões no setor.

Por outro lado, sem deixar de lado “a vida como ela é”, julho também deixou claro que o foco de lideranças em Brasília e em todo o Brasil já está nas Eleições municipais. O mês não economizou em pesquisas de intenção de voto pipocando em todos os lugares (incluindo nossos celulares) e em lançamentos de pré-candidaturas para prefeituras e cargos no Legislativo municipal, Brasil afora. A partir de 16 de agosto, quando oficialmente abre o período de propaganda eleitoral, veremos se os candidatos estão em sintonia com a emergência climática em suas propostas políticas. Desastres em decorrência de eventos climáticos extremos têm dado as caras de modo muito frequente e intenso no Brasil, mais do que o suficiente para que as plataformas de campanha sérias tenham, pelo menos na Adaptação Climática de cidades, um pilar obrigatório. É esperado que o eleitorado brasileiro não tenha esquecido da tragédia no Rio Grande do Sul – que caminha para completar 4 meses – e analise se os candidatos estão comprometidos com a pauta climática.

Por falar em desastres, Amazônia, Cerrado e Pantanal seguirão merecendo atenção especial pelo menos de agosto a novembro, período em que a estiagem e, com isso, a seca, devem se intensificar nesses biomas. Estados na Amazônia já começam a declarar situação de emergência, com um agravante: o nível dos rios em julho esteve mais baixo do que estava em julho de 2023. Mais um ponto para a sociedade pautar os candidatos locais até outubro.

No tocante a atos, julho foi abundante em “organização de casa”, por conta de múltiplas criações e/ou reformas em comissões e grupos de trabalho. Isso reproduz uma tendência vista em toda 1ª metade de 2024: desde 1º de janeiro, dos 300 atos contabilizados pelo Monitor da Política por Inteiro, 82 normas (ou 27% do total) dizem respeito à criação ou à reformulação de grupos de trabalho, câmaras, comitês e outros fóruns de participação colegiada. Esse volume – considerado alto – reflete certo atraso na construção de políticas públicas que devem passar por essas instâncias. E já estamos às portas do ano 3 de mandato.

Em perspectiva, para agosto é esperado que o Congresso retome a pauta do Mercado de Carbono, peça importante no quebra-cabeça da descarbonização, além de outros Projetos de Lei com potencial de colaborar para estimular a transição para uma economia verde, como é o caso do PL da Taxonomia Sustentável, que pode embasar variados incentivos para a priorização de atividades econômicas de baixo carbono.

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