Uma chama de esperança

Fogo se alastra na Floresta Nacional (FLONA) do Tapajós, Pará. Foto: Erika Berenguer (acervo pessoal). Reprodução: Jornal da USP.

Na semana em que mais uma vez o noticiário internacional tomou conta dos debates no Brasil – quer pelas conturbadas eleições na Venezuela, quer pelas pesquisas de intenção de voto para presidente nos EUA – a política climática brasileira mesclou bons e preocupantes sinais. De positivo, a semana se encerra (e agosto se inicia) com o Brasil passando a ter, finalmente, uma Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, há tempos ansiada pela comunidade científica, gestores ambientais e sociedade, dada a escalada de incêndios florestais no Brasil nos últimos anos. O Brasil contabiliza grandes prejuízos à biodiversidade em biomas como Cerrado, Pantanal e Amazônia, em função de crimes ambientais, potencializados pela mudança do clima e por fenômenos como o El Niño. Já era hora. 

As cidades também receberam uma boa notícia: trata-se da Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (PNAU), criada por lei nesta semana. A política deve estimular um melhor aproveitamento de espaços nas cidades e suas “bordas” (áreas periurbanas) objetivando a produção agroecológica e, de quebra, o cumprimento da chamada função social da propriedade (veja mais na seção Monitor de Atos Públicos). Como toda política pública, a diferença entre ser solução ou problema estará na forma de conduzir os planos de ação que decorrerão da PNAU. 

Por outro lado, nesta semana, cresceu a preocupação com o fato de que o Brasil está “secando” também na Amazônia, onde água costumava ser sinônimo de abundância: resoluções da Agência Nacional de Águas (ANA) decretaram “situação crítica” em rios amazônicos, o que confirma os alertas de cientistas e reforça a urgência de ação governamental em todas as direções. É esperado que governos federal, estaduais e municipais tomem medidas rápidas para preparar as pessoas para os meses mais intensos de estiagem – agosto a outubro – evitando ou pelo menos mitigando problemas nos mais variados campos da vida em sociedade: do aumento de doenças e indisposições que levem a uma sobrecarga da rede pública de saúde, até a real possibilidade de desabastecimento em certas cidades, ou forte variação nos preços de itens básicos na alimentação das cidades da Amazônia.

A POLÍTICA POR INTEIRO é a primeira iniciativa do Instituto Talanoa e comemora neste mês cinco anos !

GRÁFICO DA SEMANA

FRASE DA SEMANA

"Eu me importo com a questão ambiental, mas não é que eu tenha uma vontade pessoal de abraçar árvores. É porque tenho uma vontade pessoal de abraçar bebês saudáveis."

Kamala Harris, atual Vice-Presidente dos EUA e pré-candidata à Presidência daquele país, abordando que a questão ambiental é, em verdade, uma questão de garantir a qualidade de vidas humanas no presente e no futuro.
Foto: Instagram @kamalaharris / Reprodução

ABC DO CLIMA

Descarbonização – Movimento coordenado de transformação das atividades de determinado setor econômico, região e/ou país, transitando de um comportamento “tradicional”, em que não há preocupação com os impactos das fontes de energia e de matérias-primas empregadas no ciclo de produção e consumo, para um comportamento “alinhado à emergência climática”, no qual os processos produtivos e as decisões humanas são baseadas em renovabilidade de energia, circularidade de materiais e menor emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera. O termo descarbonização é comumente associado à pauta econômica, refletindo que cada setor e suas atividades devem implementar metas graduais de redução de emissões de carbono, até que cada atividade seja capaz de zerá-las, objetivando frear o aquecimento do planeta. Para honrar com o compromisso de descarbonização firmado no Acordo de Paris, o Brasil precisa de metas robustas na chamada transição energética – o “coração” da descarbonização – nos mais diferentes setores econômicos e da vida em sociedade. Estamos na década-chave para descarbonizar, a fim de evitar que a temperatura média global não avance acima do limite de 1,5ºC determinado pela ciência.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 9 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 29 de julho e 2 de agosto. O tema mais frequente da semana foi Terras e Territórios, com 4 atos, puxados em parte pela criação de assentamentos. Regulação e Planejamento empataram como classes mais frequentes, com 3 normas cada.

Brasil passa a ter política agrícola urbana 

Nesta semana, o Brasil passou a ter, em lei, uma Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana. Entre os objetivos, está o melhor aproveitamento de espaços da cidade para a produção de alimentos, o que vai em direção à chamada função social da propriedade, e da cidade, como estabelece a Constituição Federal. Na visão da Política por Inteiro, trata-se de mais um instrumento com potencial positivo para a implementação do Estatuto das Cidades e para políticas locais de adaptação climática, já que a agricultura urbana pode colaborar para termos cidades mais resilientes aos efeitos das mudanças climáticas, reduzindo a pegada de carbono de cidadãos, ao encurtar a logística necessária entre produção e consumo.

Mas cabe um alerta: a política pública deve abrir espaço para a agricultura regenerativa, versátil e livre de tóxicos. Boas práticas da agroecologia – como a roça sem queima e o uso de bioinsumos – têm de prevalecer. Como as cidades atualmente tendem a importar tudo de que precisam, a produção de alimentos em áreas urbanas pode mudar esse “jogo da dependência” e passar a ofertar serviços ecossistêmicos importantes à vida humana, em lugar de apenas demandá-los das áreas não-urbanas.

Seca na Amazônia

Como mencionado acima, duas resoluções publicadas nesta semana pela Agência Nacional de Águas (ANA) declararam “situação crítica de escassez quantitativa dos recursos hídricos” nos rios Madeira, Purus, Acre e Laco, todos na região amazônica. Traduzindo: já falta água numa região conhecida exatamente pela abundância de água. Como cientistas vêm noticiando, a estiagem e a seca se mostram antecipadas neste ano, no Brasil. O alerta converge com os reconhecimentos de eventos extremos já em curso no Brasil, que em grande parte são relacionados à falta d’água em todas as regiões, como evidencia o nosso último boletim semanal.

Energia na Amazônia 

O Ministério de Minas e Energia (MME), via Comitê Gestor do Programa de Energia para a Amazônia (CGPAL), editou, nesta semana, uma Resolução que estabelece diretrizes para formuladores de projetos de energia que busquem financiamento para geração eficiente na região.

O Pró-Amazônia Legal se dedica a fomentar, por meio desses projetos:

  1. a “redução estrutural dos custos” de geração de energia elétrica;
  2. a integração e a melhora de eficiência de sistemas isolados ou remotos em relação ao Sistema Interligado Nacional (SIN); e, ao mesmo tempo,
  3. o desenvolvimento de soluções de suprimento em fontes renováveis ou a partir de combustível renovável na região amazônica, o que importa para política climática.

 

Os recursos financeiros do Programa saem da Conta de Desenvolvimento da Amazônia Legal – CDAL, vinculada à Eletrobrás.

LEGISLATIVO

O Congresso está em recesso e retorna no início de agosto.

BRASIL

Plano Brasileiro de IA pode beneficiar o clima

Nesta semana, durante a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) entregou ao presidente Lula uma proposta de Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que em sua 1ª fase teria R$ 23 bilhões em investimentos, no intervalo de 2024 a 2028. A transformação digital pode trazer benefícios para o clima, e a IA deve colaborar de múltiplas formas. E o Brasil tem a possibilidade de se diferenciar dos demais países em relação à energia demandada por grandes centros de dados, onde as IA são processadas. Isso porque têm sido frequentes as notícias sobre a grande quantidade de energia demandada para o funcionamento dessas tecnologias. Diferentemente de outros países, a base da matriz energética brasileira é renovável, o que abre caminho para que o Brasil se desenvolva no campo da IA sem necessariamente emitir grandes quantidades de carbono para a atmosfera.

Programa Mover chega a 90 empresas apoiadas

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) avançou nas análises internas e habilitou novas empresas ao Programa Mobilidade Verde e Inovação, o Programa Mover. Com isso, chega à marca de 90 o número de empresas que receberão, até o final de 2028, apoio governamental para inovarem seus processos e produtos, ampliando eficiência focada em progressiva descarbonização das atividades. O Programa Mover nasceu como Medida Provisória em dezembro de 2023 e virou lei em junho deste ano, com a missão de auxiliar o plano de neoindustrialização brasileira em direção a uma economia de baixo carbono. O Mover prevê um total de R$ 19,3 bilhões em créditos financeiros entre 2024 e 2028.

Proposta de Adaptação Antirracista 

Em 2023, demos na Política por Inteiro que a proposta mais votada na Plataforma Brasil Participativo para o Plano Plurianual (PPA) foi a de “Enfrentamento da Emergência Climática”. Atualmente, no contexto da construção do Plano Clima Adaptação, se prevê a participação da sociedade civil por meio de envio de propostas para votação na plataforma e em plenárias presenciais divididas por biomas, a serem realizadas no mês de agosto. Iniciativas de participação social são fundamentais para qualificar políticas climáticas, mas precisam afirmar compromissos de apreciação e inclusão para além da mera consulta. 

A Rede por Adaptação Antirracista (RAA), composta por mais de 50 organizações e da qual a Talanoa faz parte, submeteu uma proposta de inclusão do conceito de adaptação antirracista no Plano Clima Adaptação, visando a garantir que a construção das políticas de adaptação climática considerem o combate às desigualdades raciais, de gênero, geracionais, sociais, regionais e territoriais, bem como a proteção das vidas vulnerabilizadas e a conservação dos biomas. A proposta está disponível para leitura e votação até o dia 26 de agosto aqui. Participe!

MUNDO

Declaração do BASIC sobre mudanças climáticas

Os ministros do meio ambiente dos países do grupo BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China) se reuniram e publicaram uma declaração conjunta na última semana de julho. A declaração aborda a cooperação em mudanças climáticas e reforça a solidariedade entre os países em desenvolvimento.

Os ministros enfatizaram a necessidade de os países desenvolvidos cumprirem seus compromissos financeiros, garantindo um financiamento previsível, adequado e acessível para ajudar os países em desenvolvimento a implementarem suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Reafirmaram o princípio da equidade e das responsabilidades comuns, mas diferenciadas (CBDR), destacando a importância de uma transição justa que permita aos países em desenvolvimento crescer economicamente enquanto enfrentam as mudanças climáticas.

Além disso, o grupo pediu um novo objetivo de financiamento climático, a ser acordado na COP29, que leve em conta as necessidades dos países em desenvolvimento. Também reforçaram a importância de equilibrar os esforços de adaptação e mitigação, e a necessidade de reconhecimento e apoio aos esforços de adaptação já realizados pelos países em desenvolvimento.

A declaração destacou o papel crucial do Artigo 6 do Acordo de Paris na promoção de mecanismos de cooperação internacional que assegurem a integridade ambiental e a transparência nas transações de mitigação. Os ministros também chamaram por um aumento no apoio em tecnologia e capacitação para que os países em desenvolvimento possam implementar efetivamente suas NDCs e melhorar a transparência de suas ações climáticas.

Para mais detalhes, você pode acessar a declaração completa aqui.

Brasileira assume ISA

Desbancando o atual secretário, o britânico Michael Lodge, no cargo há oito anos, a oceanógrafa brasileira Letícia Carvalho vai assumir o Secretariado Geral da Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos (em inglês, International Seabed Authority – ISA). Esta será a primeira vez que a ISA será chefiada por uma latino-americana. A Autoridade Internacional é a responsável pela gestão dos recursos dos fundos marinhos, que estão além das jurisdições dos países, e são considerados patrimônio comum da humanidade.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 3 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos e meteorológicos extremos, que atingiram 4 municípios. Nesta semana, foram registradas apenas chuvas intensas no Sul do país e no estado do Pará.

TALANOA NA MÍDIA

Agência Pública MatériaIA: o plano brasileiro e o desafio do clima e da energia renovável”, com a opinião de Natalie Unterstell.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Apoio

Realização

Apoio