Os anéis olímpicos estão derretendo

Os Jogos Olímpicos de Paris começam oficialmente nesta sexta-feira (26), mas os atletas já estão – literalmente – suando. De acordo com o relatório mais recente da Meteo France, o serviço meteorológico francês, que analisa a tendência de temperaturas para cada trimestre no país, agosto a outubro deste ano tendem a ser mais quentes que o normal. O cenário preocupa porque o “normal” na França já tem incluído trágicas ondas de calor há algum tempo. Desde as últimas Olimpíadas em Paris, que ocorreram há 100 anos, as temperaturas médias aumentaram 3,1 °C na cidade, segundo o documento Rings Of Fire II, coordenado por professores de Fisiologia da Universidade de Portsmouth (ING), em parceria com The British Association for Sustainable Sport, Front Runners, e Climate Central.

Isso representa um grande risco para a saúde e para a vida dos franceses, dos turistas e, claro, dos atletas. Estudos mostram que um aumento de 0,5°C na temperatura média pode elevar a frequência cardíaca em cerca de 10 batimentos por minuto, o que acentua o risco de doenças causadas pelo calor. As temperaturas elevadas e a umidade podem, ainda, representar um risco à vida dos atletas porque o corpo produz de 15 a 20 vezes mais calor durante o exercício físico. “Um ambiente com altas temperaturas pode causar danos que vão desde queimaduras solares e cãibras causadas pelo calor, até exaustão e colapso por insolação. Isso pode ocorrer em atletas, mas também em oficiais e espectadores”, aponta o Rings of Fire II. E o documento segue: “Altas temperaturas resultam em problemas comportamentais e fisiológicos. (…) Este processo pode resultar em função cardiovascular e muscular comprometida, desconforto perceptivo, comprometimento cognitivo, bem como desidratação causada pela reposição insuficiente de líquidos perdidos através do suor”.

Ao longo do último século, dias extremamente quentes (com máximas de 30°C ou mais) se tornaram quase três vezes mais frequentes na capital francesa, e noites com temperaturas elevadas (quando as temperaturas não ficam abaixo de 20°C) estão até 20 vezes mais comuns. Entre os anos de 1947 e 2023, Paris viveu 50 ondas de calor, que estão se tornando cada vez mais frequentes e intensas por causa das mudanças climáticas, afirma a Agência Parisiense do Clima. A mais trágica delas ocorreu em 2003, quando 14 mil franceses morreram devido às temperaturas extremas. A crise climática duplicou a probabilidade daquela onda de calor e aumentou o risco de mortalidade relacionado às altas temperaturas em 70% na capital francesa, indicou um estudo publicado na revista Nature. Em 2023, foram cinco mil mortes causadas pelo calor extremo na França durante o verão europeu.

Por isso, diversas medidas de adaptação serão implementadas nos Jogos de 2024, como mudança nos horários de determinadas competições, alterações dos locais e regulamentos de eventos, que incluem pausas para resfriamento, estratégia de aclimatação, inovações nas roupas, entre outros.

Paris é particularmente vulnerável ao calor devido ao efeito “ilha de calor urbana”: árvores, parques e outros espaços verdes ajudam a moderar as altas temperaturas, enquanto a elevada densidade de edifícios – uma característica da capital francesa – tendem a reter e intensificar o calor. Outro agravante é o fato de que até 80% dos edifícios de Paris têm telhados de zinco, que retêm o calor, criando um efeito de ilha de calor urbano ainda mais intenso em comparação com outras cidades.

Paris foi palco do Acordo internacional que estabeleceu limites para o aumento da temperatura global, no ano de 2015. Diante do desafio de realizar um megaevento sustentável, a organização das Olimpíadas tem divulgado sua estratégia climática e alegado ser a edição com menor emissão de gases do efeito estufa (GEE) desde 2010, quando comparado às edições de Londres e Rio de Janeiro. Embora estabelecer um limite de emissões seja louvável e possa gerar precedentes para próximas edições, um estudo da Carbon Market Watch e da éclaircies, organização da sociedade civil francesa, analisou que a estratégia climática é insuficiente, já que se implementada em sua totalidade, cobrirá apenas 30% das emissões do evento.

Calor não é exclusividade francesa

No entanto, o problema está longe de ser exclusivo da França. No que diz respeito aos Jogos Olímpicos de Verão, atletas, trabalhadores e turistas vêm enfrentando ondas de calor mais frequentes e brutais, independentemente do local onde os jogos ocorrem. Na última edição das Olimpíadas, em 2021, em Tóquio, temperaturas acima de 34ºC e umidade próxima de 70% fizeram com que a competição fosse descrita como “a mais quente da história”.

E os Jogos Olímpicos de Inverno também já sofrem com o calor. Em Sochi, na Rússia, em fevereiro de 2014, os termômetros chegaram aos 15ºC. A cidade foi apontada como a mais quente na história a sediar a competição. O derretimento da neve em locais de provas foi apontado por alguns atletas como causa para desempenhos ruins e até acidentes. No ano passado, o Comitê Olímpico Internacional (COI) afirmou que os Jogos de Inverno terão de se adaptar, uma vez que a previsão é de que, na metade deste século, somente de 10 a 12 países (comitês nacionais) possam sediar o evento, que depende de muita neve, gelo e frio.

Ainda não se sabe se Paris irá superar o calor de Tóquio, mas a tendência é que, daqui para a frente, o cenário só piore. De acordo com a CarbonPlan, uma ONG focada em soluções climáticas, em 2050 a maior parte do mundo estará quente demais no período de verão para acolher os Jogos Olímpicos. Por isso, alguns atletas e cientistas climáticos têm sugerido que tanto os Jogos Olímpicos como outras competições, como Grand Slam de Tênis e Copa do Mundo, sejam transferidos para outras estações do ano.

A depender dos compromissos assumidos até agora pelos países para redução nas emissões de gases de efeito estufa, que apontam, nos cenários mais pessimistas, para um aquecimento acima de 4ºC em 2100, essa previsão de manter as competições esportivas em outras estações do ano até parece otimista. Em um mundo cada vez mais quente, os impactos do clima nas pessoas e ecossistemas estão se mostrando mais vastos e severos do que se esperava, e os riscos futuros aumentam a cada fração de grau de aquecimento.

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